quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Religião e um percurso Verde

Eu adoro mato. Adoro ir para o interior, curtir um descanso, sentir a grama nos pés, um lago, cachoeira e, principalmente, um silêncio. Quando o "mato" não me é possível, um parque já quebra o galho... Opa! Essa frase não se encaixa muito bem nesse texto! Ok, refazendo: Um parque já é "meio caminho andado". Um desses dias minha namorada veio aqui em casa e ficou impressionada com a barulheira da minha rua e de meus vizinhos. Noutro, estava passando do lado de um muro e avistei por cima dele a bela copa de uma árvore. Adimirei-a, mas quando o muro acabou, um portão de ferro se abriu e vi, debaixo dessa árvore de bela copa, uma montanha de lixo. E por aí vão outros exemplos de "adeus mato"... Encontrei também um amigo de faculdade que, depois de um bom papo, umas xícaras de café e muitas reclamações políticas, me perguntou: "Afinal, a religião tería algum papel num projeto de sustentabilidade?". Claro, depois das eleições deste ano, nas quais a candidata à presidência que levantava a bandeira Sustentável, era religiosa (cristâ, crente, evangélica... desse meio), a pergunta fora pertinente. Explicarei:

O ponto é que, para ele, por alguma razão, a religiosidade trazia um certo descrédito para a bandeira da sustentabilidade. Perceptível, para mim, que um dos motivos é a falta de engajamento da religião (no nosso caso, meu e da Marina, a cristã) na defesa pelo meio ambiente e um desenvolvimento sustentável. Então, o motivo que levara as pessoas a votarem 43 não fora o projeto de governo e seus valores, mas a religiosidade da candidata. E desta conversa, depois de um bom papo, umas xícaras de café e muitas reclamações políticas, refleti sobre a religião e o desenvolvimento sustentável. Se não temos um papel importante neste percurso Verde, então estamos tranquilos e sem culpa no cartório ("Essa zica não é minha"). Entretanto, se existe alguma função importante na qual a religião se encaixa nesta defesa da Vida (só pela frase já dá para perceber que tem), estamos atrasados ("Somos o Sr. Coelho, de Alice").

A partir da década de 70, em meio a Guerra Fria, crises do petróleo, primeiros sinais de crise do novo capital, movimentos contra a voracidade do capitalismo e movimentos de defesa dos excluídos, surge o ideal de Desenvolvimento Sustentável. Esta proposta (que vigora e ganha força hoje) ficou baseada no seguinte tripé: socialmente sensível, ecologicamente correto e economicamente viável. Foi um start para o percurso Verde. Mas, sempre existe um "mas", 40 anos depois desta proposta, reparamos que ela ainda não é suficiente, falta um detalhe, tem um errinho, a bússola ainda não aponta perfeitamente para o norte. Consegue perceber qual é? Leia novamente o tripé: socialmente sensível, ecologicamente correto e economicamente viável. O que está faltando? Ou sobrando?

Este projeto sustentável foi construído ainda dentro da lógica que ele mesmo tenta fugir, a lógica capitalista. A primeira crise é enxergar o meio ambiente como um recusro necessariamente explorável, necessariamente como produto. O que pode e deve ser debatido pela religião. Claro, sensívelmente pensado, o meio ambiente é de onde retiramos matéria para a subsistência humana, mas, friamente calculado, é um produto que serve para a ostentação "divina" (do deus latino homo sapiens). Oferendas de sangue e de ouro para este ser divino. Como religiosos, devemos protestar contra esta idolatria! Precisamos viver, não em nome do fim do mundo, mas em nome daquele que veio "salvar o mundo".

A segunda crise na construção deste ideal e que aponta para a religião seu papel, é a o atrasado terceiro pé: economicamente viável. Este deve ser apenas uma lanterna no escuro, um guiazinho mais ou menos para não criarmos fardos que não possamos carregar. Se for ele o nosso norte, o nosso rumo, então, assim como na primeira crise, continuamos dentro da lógica capitalista. O trabalho deste pé seria incentivar as pessoas a baratear o custo produtivo e todos terem acesso aos meios sustentáveis, e que estes fossem atrativos para o voraz mercado, mas, como já sabemos, eles não o são, pois preservam. Destruir é sempre mais barato. O xamã da parada continua sendo o dinheiro, e não o meio ambiente, a Vida. A religião ganha como papel a luta contra esse outro deus, contra esse demoninho chato que nunca morre, o dinheiro. Precisamos apresentar para além deste tripé um Norte, o Norte, o valor ético da Vida. Mais importante e mais valoroso do que esta moeda é a Vida. A religião tem a função de tornar o economicamente viável apenas um incentivo para uma produção barata, e fazer o importante de fato ser a Vida. Muito mais vale ela do que o dinheiro. Se o lucro das empresas diminui com um projeto sustentável, paciência, preferimos continuar vivos e manter um planeta em que possamos viver, que reflita o Reino de Deus, onde há "vida e vida em abundância", onde as pessoas tem o que comer, o que vestir e ONDE MORAR, tem casa, tem mundo, tem planeta.

Neste movimento sustentável, 40 anos depois de sua criação, sua existência depende de valores éticos. Depende de valores que defendam o meio ambiente, que defendam a permanência da vida. Dizemos lutar por uma vida verdadeira, dizemos combater os comensais da morte, pois então temos uma grande oportunidade de o fazer. Respondendo à primeira pergunta, temos sim um papel! A religião tem sim um papel! E um papel importantíssimo! Guiar a Fé! Apresentar uma fé Viva, na Vida, e não em números ou num pedaço de papel. Uma Fé que crê na natureza, que confia em Deus, que acima dos próprios interesses de homem, defenda os interesses humanos, divinos, cristãos! Que defenda a Vida, e a Vida em abundância...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Nos falta o chamado dos poetas...

"Se num pequeno país talvez só nasçam três poetas por geração, o que não falta são pastores, e a sua turba excede os empregos. Fala-se em vocação a propósito dum poeta, mas, aos olhos dum sem número de pessoas (cristãos, portanto!) basta um exame para se ser pastor. E contudo, contudo, um verdadeiro pastor é um acaso ainda mais raro do que um verdadeiro poeta, e contudo a palavra “vocação” é ordinariamente do domínio da religião." - Sören Kierkegaard (O Desespero Humano)

Aprendamos com os poetas. Amemos nossa vocação, nosso chamado. Este nos falta. Um tapa no rosto, um sacodir e chacoalhar o corpo. Temer e tremer pensando numa crítica tão antiga, tão real, tão presente. Que belo seria se o amor que os poetas tem pela palavra, fosse o amor que os pastores tem pela Palavra. Que lindo seria se o amor que os poetas tem pela vida, fosse o amor que os pastores tem pela Vida. Que doce seria se a sede que os poetas tem pela harmonia, fosse a sede que os pastores tem pela Água. Que excelente seria se a preocupação que os poetas tem pela estética de seus versos, fosse a preocupação que os pastores tem por seu chamado (vocação, modo de viver). Que sereno e perfeito seria se como os poetas comem e bebem de sua inspiração, comessem e bebessem os pastores da Carne e do Sangue. Que bom seria se ao invés de empregados, fossem vivos. Como me apaixono por Cristo! Como me angustio com os cristãos... Mas que um dia tornemo-nos poetas, chamados pela fe', vocacionados por Cristo. Que amemos nossa vida, que amemos nosso mundo. Que amemos a Vida, que amemos e isso é tudo! Nos falta o chamado dos poetas...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Rascunho de um pré-projeto filosófico meu ... hehehe

Problema (Rascunho)

Participamos de um momento histórico em que o desenvolvimento tecnológico, os avanços científicos e os turbilhões de informação desferem golpes no tempo e parecem acelerar a vida. Não há espaço nesta correria para a reflexão, esta tem sido ignorada. Criamos um mundo injusto, com práticas injustas, somos cientes, conscientes e vivenciamos isto, mas ignoramos.

Em Sócrates, ignorar a ignorância e ignorar aquilo que se sabe gera a injustiça. Na interpretação de Kierkegaard, esta injustiça ganha uma valoração de pecado, e tem consigo a máxima: “pecar é ignorar” . As duas expressam que não buscar o saber, mesmo que seja o saber do não-saber, ou seja, não buscar a reflexão, gera a injustiça. O problema está então neste ponto, precisamos refletir e deixar de ignorar, deixar de sermos injustos, ignorantes.

Desenvolvimento do tema (Rascunho)

A importância de se tratar do tema da ignorância em Sócrates, é que este se estabelece como uma das bases para a construção de seu conceito de justiça, e esta, a geradora de uma reflexão ética. Sócrates se presta em uma missão de, como apresenta Hadot, “fazer que os outros homens tomem consciência de seu próprio não-saber, de sua não-sabedoria” . Porque a necessidade de levar os homens à consciência de seu não-saber, de sua ignorância? Porque, em Sócrates, ignorar o que se sabe leva-nos à injustiça. Não pode um homem consciente de uma verdade deixá-la de lado, ignorá-la, isto seria injusto. Nisso gera-se injustiça.

Na Defesa de Sócrates, fica clara esta missão do filósofo, na qual se diz em nome do “oráculo de Delfos” o homem mais sábio. A princípio Sócrates parece relutante em ser considerado o mais sábio, e mete-se a examinar e procurar alguém que seja mais sábio que ele. Entretanto, em sua busca não encontra ninguém. Vai aos sábios, políticos, poetas e artesãos, porém, nenhum destes se sobressai como mais sábio que Sócrates. Em todos estes a falta de sabedoria é a mesma: “supõem ser os mais sábios dos homens em outros campos, em que não o são” . Esta seria a maior ignorância para Sócrates, supor saber algo que não se sabe: “A ignorância mais condenável não é essa de supor saber o que não se sabe? É talvez nesse ponto, senhores, que difiro do comum dos homens;” (1987, p. 46).

Esta ignorância de ignorar a própria ignorância, geradora de injustiça, será interpretada por Kierkegaard e, em sua visão cristã, será a causadora do pecado. Tirando a carga religiosa da palavra pecado, podemos compreender nesta interpretação a construção do justo para Sócrates, como diz Kierkegaard: “Admiti-lo [o pecado] é crer, como Sócrates, que nunca sucede praticar-se uma injustiça sabendo-se o que é injusto” (1979, p. 77). Logo, trazer os homens à consciência de sua ignorância é levá-los a não praticar uma injustiça. Como tomar alguma decisão justa sobre algo que desconheço? Não posso meter-me a supor que conheço este a mim desconhecido, pois assim praticaria uma injustiça. Então, antes de decidir preciso assumir que desconheço, tenho um não-saber sobre este algo, depois tentar descobri-lo, e ai sim, tomar uma decisão que apresente justiça.

O crivo para uma decisão justa está na relação entre admitir o próprio não saber e não ignorar aquilo que se sabe. O homem justo jamais tomaria uma decisão injusta conhecendo a justiça, levando em consideração este crivo. Como Kierkegaard apresenta: “a verdadeira compreensão do justo depressa o levaria a fazê-lo, e ele seria em breve o eco de sua compreensão: portanto, pecar é ignorar” (1979, p. 83). Como exemplo, na Defesa, Sócrates é acusado de corromper os jovens, e como argumento, utiliza-se da seguinte lógica: “Se corrompo, sem querer, a lei não manda trazer-me aqui por semelhante erro involuntário, mas tomar-me de parte, ensinar-me, ralhar comigo; evidentemente, depois de aprender, deixarei de fazer o que sem querer ando fazendo” (1987, p. 42).

Toda esta argumentação e trabalho com o tema da ignorância como uma das bases para compreender a justiça em Sócrates, dá-nos chão para caminharmos em uma reflexão sobre nossa postura frente a um mundo de transformações rápidas, em grande quantidade, turbilhões de informações e descobrimentos, num avanço desenfreado de nossa ciência e tecnologia. Corremos e corremos muito, sem nem sabermos se ainda existe chão sob os nossos pés. Aí reside o problema de nossa ignorância, não podemos ignorá-la.

A reflexão filosófica que Sócrates propõe e Kierkegaard interpreta, é necessária como freio para nossa voracidade humana. Não podemos esquecer que aquilo que não sabemos, ou ainda, não podemos menosprezar o nosso desconhecido, não podemos pensar que somos capazes de tudo saber ou ainda supor que sabemos o que não sabemos. Com tamanha presunção científica de onisciência, deixamos de lado a prática da reflexão, logo, a da justiça. Portanto, cometemos a injustiça. Se somos conscientes de nossa prática injusta, estamos a ignorando, logo, cometendo, para Sócrates, a maior das injustiças. Ou, se não somos conscientes, é porque supomos saber aquilo que não sabemos. De qualquer modo, resistimos e esquecemos a prática da reflexão, o crivo para a justiça.

De qualquer modo, é-nos necessário não ignorar o que sabemos. Somos cientes de que nossa exploração dos recursos naturais tem degradado e destruído nosso mundo, que nossa organização econômica incentiva a desigualdade e corrói as relações humanas, que nossos avanços na ciência e biotecnologia são rápidos demais para conseguirmos acompanhar, temos dado passos maiores do que nossas pernas. Logo, não podemos ignorá-los, não podemos ser injustos! O crivo reflexivo para a justiça traz consigo uma placa há milênios, que nos alerta o fato de que esta ignorância destrói, arruína, aniquila, pratica a injustiça. Tracemos então em nossa consciência o justo, busquemos não ignorar e sermos ignorantes, pelo contrário, reflitamos, reflitamos!

Referências

- HADOT, Pierre. O que é filosofia antiga?. 2. ed. São Paulo – SP: Loyola, 1995.

- KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano. São Paulo – SP: Abril Cultural, 1979.

- PLATAO. Defesa de Sócrates. 4. ed. São Paulo – SP: Nova Cultural, 1987.