Senhor carteiro,
peço-te que leve esse pedaço de texto para fora dos muros de pedra que protegem o quintal e o jardim, que por sinal não são meus, mas fazem parte da minha casa. Casa esta que também não é minha, é de meus pais, homem e mulher intrigantes e esquisitos que mal vêem o dia passar, ou, se vêem, é em algum lugar bem longe de mim, pois quase não os vejo enquanto vejo de dentro de casa o dia passar. Peço-te que entregue essas palavras nesse contexto que descrevo para alguém que familiarmente me reconhecerá, um qualquer um que tenha nascido no mundo e vivido em casa. Não na minha casa, mas cada um em sua casa.
Entro em contato vez por outra com o mundo, mas não gosto de gente, não me sinto seguro. Pessoas me assustam e ao mesmo tempo se fazem necessárias. Sabe, sou apaixonado por uma menina da escola que senta três cadeiras para direita e duas para a frente de mim, numa sala de aula de 47 alunos. Ela é tímida, e eu também. Na verdade, talvez não sejamos tão tímidos assim, mas é que não tenho tempo para falar com ela e muito menos cara de encontrá-la em algum lugar. Na verdade do "na verdade" anterior, eu a encontro todos os dias e nos falamos sim, pois ela é minha vizinha, mas nunca é assunto suficiente para que eu encontre o coração dela e nem para que ela se depare com o meu. Pode ser que já tenhamos visto um o coração do outro, mas de tanto barulho que tem nessa cidade talvez eu não tenha percebido seus batimentos cardíacos e nem ela os meus. Ou então, como ela põe na internet tudo o que acontece na vida dela, não tem mistério naquela alma, que acaba parecendo toda de vidro e o coração também. Consigo ver o que se passa por trás daquele corpo, de tão transparente que a tela do computador o faz. Nada de mistério, nada de segredos. Não me exponho tanto assim na rede, prefiro resguardar-me.
Eu não tenho nenhuma cicatriz, mas não é porque nunca briguei. Vivo discutindo e rasgando o verbo à distância mediado pelo teclado, tenho batalhas muito feias e lutas épicas, mas não ando de bicicleta e acho extremamente chato radicalidade ou academia. Também não sou o obeso que vive de microondas e lap-top. Aliás, é interessantíssimo viver num mundo em que morre gente por obesidade e também por vício de academia. Tanto o excesso de músculos como o de gordura matam, eu acho. Vivo recebendo propagandas de saúde em relação a obesidade e as complicações dos exercícios físicos desregulados. Geração saúde, geração fast-food, vai entender?!
Essa coisa de rotular tudo só confunde a cabeça das formigas perplexas que passam a preferir seguir o curso do que entendê-lo. "Vamos preservar o futuro", dizem sempre que olham para as desgraças do formigueiro, mas nunca pensam o porque da necessidade de preservação da espécie. Querem procriar e inventar próximas gerações na tentativa de manter o formigueiro ativo, mas não estão nem aí para o porque de existir um formigueiro. Mas tudo bem, senhor carteiro, as formigas não se sentirão chateadas pela metáfora, todas elas já estão acostumadas a ouvir essas coisas, inclusive sentem-se parte de um movimento "contra-corrente" dentro do formigueiro, mas nunca percebem que continuam dentro do formigueiro. Os humanos também me perdoarão por chamá-los de insetos, principalmente porque serão poucos os que lerão esta carta. Já não existem muitos humanos para depois do muro dessa casa dos meus pais, e nem tantos para dentro também - os humanos são seres raros, estão em extinção. Na verdade do "na verdade" dentro daquele "na verdade", estão em extinção desde que tomaram consciência...
Mas pouco importa, apenas peço-te que leve este pedaço de texto para fora destes muros de pedra que protegem o quintal e o jardim, para alguém que se importe com segredos, que não se assuste com mistérios, que não seja de vidro, que se machuque e tenha cicatrizes (bem diferente de mim), que não coma muito e nem malhe mais ainda, que prefira uma carta a um combate na internet e que pense no porque de continuarmos a manter o formigueiro. Espero que encontre alguém que leia, senhor carteiro, e se dermos sorte, alguém que responda... Se bem que, imagino que o senhor não vá ler... O senhor é entregador de cartas, não leitor! Droga... Só dei-me conta agora... Mas já foi, e foi tarde! Fazer o que?! Tenha um bom dia senhor carteiro,
Entro em contato vez por outra com o mundo, mas não gosto de gente, não me sinto seguro. Pessoas me assustam e ao mesmo tempo se fazem necessárias. Sabe, sou apaixonado por uma menina da escola que senta três cadeiras para direita e duas para a frente de mim, numa sala de aula de 47 alunos. Ela é tímida, e eu também. Na verdade, talvez não sejamos tão tímidos assim, mas é que não tenho tempo para falar com ela e muito menos cara de encontrá-la em algum lugar. Na verdade do "na verdade" anterior, eu a encontro todos os dias e nos falamos sim, pois ela é minha vizinha, mas nunca é assunto suficiente para que eu encontre o coração dela e nem para que ela se depare com o meu. Pode ser que já tenhamos visto um o coração do outro, mas de tanto barulho que tem nessa cidade talvez eu não tenha percebido seus batimentos cardíacos e nem ela os meus. Ou então, como ela põe na internet tudo o que acontece na vida dela, não tem mistério naquela alma, que acaba parecendo toda de vidro e o coração também. Consigo ver o que se passa por trás daquele corpo, de tão transparente que a tela do computador o faz. Nada de mistério, nada de segredos. Não me exponho tanto assim na rede, prefiro resguardar-me.
Eu não tenho nenhuma cicatriz, mas não é porque nunca briguei. Vivo discutindo e rasgando o verbo à distância mediado pelo teclado, tenho batalhas muito feias e lutas épicas, mas não ando de bicicleta e acho extremamente chato radicalidade ou academia. Também não sou o obeso que vive de microondas e lap-top. Aliás, é interessantíssimo viver num mundo em que morre gente por obesidade e também por vício de academia. Tanto o excesso de músculos como o de gordura matam, eu acho. Vivo recebendo propagandas de saúde em relação a obesidade e as complicações dos exercícios físicos desregulados. Geração saúde, geração fast-food, vai entender?!
Essa coisa de rotular tudo só confunde a cabeça das formigas perplexas que passam a preferir seguir o curso do que entendê-lo. "Vamos preservar o futuro", dizem sempre que olham para as desgraças do formigueiro, mas nunca pensam o porque da necessidade de preservação da espécie. Querem procriar e inventar próximas gerações na tentativa de manter o formigueiro ativo, mas não estão nem aí para o porque de existir um formigueiro. Mas tudo bem, senhor carteiro, as formigas não se sentirão chateadas pela metáfora, todas elas já estão acostumadas a ouvir essas coisas, inclusive sentem-se parte de um movimento "contra-corrente" dentro do formigueiro, mas nunca percebem que continuam dentro do formigueiro. Os humanos também me perdoarão por chamá-los de insetos, principalmente porque serão poucos os que lerão esta carta. Já não existem muitos humanos para depois do muro dessa casa dos meus pais, e nem tantos para dentro também - os humanos são seres raros, estão em extinção. Na verdade do "na verdade" dentro daquele "na verdade", estão em extinção desde que tomaram consciência...
Mas pouco importa, apenas peço-te que leve este pedaço de texto para fora destes muros de pedra que protegem o quintal e o jardim, para alguém que se importe com segredos, que não se assuste com mistérios, que não seja de vidro, que se machuque e tenha cicatrizes (bem diferente de mim), que não coma muito e nem malhe mais ainda, que prefira uma carta a um combate na internet e que pense no porque de continuarmos a manter o formigueiro. Espero que encontre alguém que leia, senhor carteiro, e se dermos sorte, alguém que responda... Se bem que, imagino que o senhor não vá ler... O senhor é entregador de cartas, não leitor! Droga... Só dei-me conta agora... Mas já foi, e foi tarde! Fazer o que?! Tenha um bom dia senhor carteiro,
Assinado:
Polyergus Rufescens
Gratis i Kristus