terça-feira, 28 de junho de 2011

Carta ao carteiro

Senhor carteiro,

peço-te que leve esse pedaço de texto para fora dos muros de pedra que protegem o quintal e o jardim, que por sinal não são meus, mas fazem parte da minha casa. Casa esta que também não é minha, é de meus pais, homem e mulher intrigantes e esquisitos que mal vêem o dia passar, ou, se vêem, é em algum lugar bem longe de mim, pois quase não os vejo enquanto vejo de dentro de casa o dia passar. Peço-te que entregue essas palavras nesse contexto que descrevo para alguém que familiarmente me reconhecerá, um qualquer um que tenha nascido no mundo e vivido em casa. Não na minha casa, mas cada um em sua casa.

Entro em contato vez por outra com o mundo, mas não gosto de gente, não me sinto seguro. Pessoas me assustam e ao mesmo tempo se fazem necessárias. Sabe, sou apaixonado por uma menina da escola que senta três cadeiras para direita e duas para a frente de mim, numa sala de aula de 47 alunos. Ela é tímida, e eu também. Na verdade, talvez não sejamos tão tímidos assim, mas é que não tenho tempo para falar com ela e muito menos cara de encontrá-la em algum lugar. Na verdade do "na verdade" anterior, eu a encontro todos os dias e nos falamos sim, pois ela é minha vizinha, mas nunca é assunto suficiente para que eu encontre o coração dela e nem para que ela se depare com o meu. Pode ser que já tenhamos visto um o coração do outro, mas de tanto barulho que tem nessa cidade talvez eu não tenha percebido seus batimentos cardíacos e nem ela os meus. Ou então, como ela põe na internet tudo o que acontece na vida dela, não tem mistério naquela alma, que acaba parecendo toda de vidro e o coração também. Consigo ver o que se passa por trás daquele corpo, de tão transparente que a tela do computador o faz. Nada de mistério, nada de segredos. Não me exponho tanto assim na rede, prefiro resguardar-me.

Eu não tenho nenhuma cicatriz, mas não é porque nunca briguei. Vivo discutindo e rasgando o verbo à distância mediado pelo teclado, tenho batalhas muito feias e lutas épicas, mas não ando de bicicleta e acho extremamente chato radicalidade ou academia. Também não sou o obeso que vive de microondas e lap-top. Aliás, é interessantíssimo viver num mundo em que morre gente por obesidade e também por vício de academia. Tanto o excesso de músculos como o de gordura matam, eu acho. Vivo recebendo propagandas de saúde em relação a obesidade e as complicações dos exercícios físicos desregulados. Geração saúde, geração fast-food, vai entender?!

Essa coisa de rotular tudo só confunde a cabeça das formigas perplexas que passam a preferir seguir o curso do que entendê-lo. "Vamos preservar o futuro", dizem sempre que olham para as desgraças do formigueiro, mas nunca pensam o porque da necessidade de preservação da espécie. Querem procriar e inventar próximas gerações na tentativa de manter o formigueiro ativo, mas não estão nem aí para o porque de existir um formigueiro. Mas tudo bem, senhor carteiro, as formigas não se sentirão chateadas pela metáfora, todas elas já estão acostumadas a ouvir essas coisas, inclusive sentem-se parte de um movimento "contra-corrente" dentro do formigueiro, mas nunca percebem que continuam dentro do formigueiro. Os humanos também me perdoarão por chamá-los de insetos, principalmente porque serão poucos os que lerão esta carta. Já não existem muitos humanos para depois do muro dessa casa dos meus pais, e nem tantos para dentro também - os humanos são seres raros, estão em extinção. Na verdade do "na verdade" dentro daquele "na verdade", estão em extinção desde que tomaram consciência...

Mas pouco importa, apenas peço-te que leve este pedaço de texto para fora destes muros de pedra que protegem o quintal e o jardim, para alguém que se importe com segredos, que não se assuste com mistérios, que não seja de vidro, que se machuque e tenha cicatrizes (bem diferente de mim), que não coma muito e nem malhe mais ainda, que prefira uma carta a um combate na internet e que pense no porque de continuarmos a manter o formigueiro. Espero que encontre alguém que leia, senhor carteiro, e se dermos sorte, alguém que responda... Se bem que, imagino que o senhor não vá ler... O senhor é entregador de cartas, não leitor! Droga... Só dei-me conta agora... Mas já foi, e foi tarde! Fazer o que?! Tenha um bom dia senhor carteiro,

Assinado:

Polyergus Rufescens


Gratis i Kristus

segunda-feira, 27 de junho de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo 1 Coríntios 8: 1-3 e 9-11

Uma boa leitura requer abrir mão daquilo que já se sabe e, como criança, encantar-se pelas descobertas...

"Saber é poder", e quanto mais estudo, mais sei disso. O saber é uma chave que além de me abrir portas, trancafia cadeados nas bocas dos outros. O não sabedor de algo pode ser acorrentado por minha voz e pelo meu conhecimento. O conhecimento traz liberdade, mas também traz poder. Tanto posso utilizar meu poder para a liberdade, como minha liberdade para o poder. Ser sabedor é ser chaveiro, e ter chaves é uma grande responsabilidade. Posso prender, posso soltar, posso dizer e desdizer. Para fora de mim, despejo pequenas palavras-gaiolas; que podem tanto ter duas portas abertas para que os ouvintes passem por elas e as conheçam por dentro, como apenas uma porta aberta, prendendo assim aquele desesperado que não se sente a vontade numa (nova) prisão, mas que se rende ao não encontrar a chave necessária para sair pelo outro lado, ficando assim limitado pelas grades vocabulares de minhas palavras-gaiola.

A Reforma protestante trouxe à luz a idéia de um "sacerdócio universal de todos os santos", abrindo mão da restrição e do controle da leitura e conhecimento da Palavra de Deus. Sendo assim, sinto-me livre para ler um Texto Sagrado, tentar saber algo sobre ele e compartilhar nesta devocional, de modo que você que a lê possa tomar emprestado a chave que me ajudou a abrir portas e caminhar mais livre, e convido-o a fazer o mesmo sempre, compartilhando tuas leituras com os outros:

1 Coríntios 8: 1 - 3 e 9 - 11

"Quanto aos alimentos sacrificados aos ídolos: 'todos temos conhecimento', conforme vocês dizem. O conhecimento traz orgulho, mas o amor edifica. Quem pensa conhecer alguma coisa, ainda não conhece como deveria. Mas quem ama a Deus, este é conhecido por Deus... Então, tenham cuidado para que o exercício da liberdade de vocês não se torne uma pedra de tropeço para os fracos. Pois, se alguém que tem a consciência fraca vir você que tem este conhecimento comendo num templo de ídolos, não será induzido a comer do que foi sacrificado a ídolos também? Assim, esse irmão fraco, por quem Cristo morreu, é destruído por causa do conhecimento que você tem."


O capítulo 8 de 1 Coríntios tem falado muito comigo. Das experiências que tenho tido com Cristo e do amadurecimento de minha fé, percebo cada vez mais o quanto sou livre e tomo consciência do quanto o saber de minha liberdade traz para mim um poder maior do que qualquer coisa desse mundo: a necessidade do amor. Mais forte do que tronos, exércitos e laços racionais, o amor sustenta a esperança e a fé que movem os homens. Não me sinto na necessidade de provar e comprovar racionalmente, explicar às lógicas e às ciências a fé que tenho e os porquês que me levam a pregar o que prego e viver o que vivo, apenas sinto o poder de que acabo de falar: me sinto na necessidade do amor. Cresço, amadureço e me liberto, mas a troco de que? De nada! Em nada devo me mover além da necessidade de amar. Ora, se minha fé, minha liberdade e minhas palavras tem acorrentado bocas e produzidos gaiolas de uma porta só, tenho sabido de algo que "todos temos conhecimento", mas não tenho amado e nem sido conhecido por Deus.

Todos sabemos que não devemos negar nossa consciência, da constante obrigatoriedade de reformas, das renovações de discursos e das quebras de paradigmas, mas apenas pensamos que conhecemos isso, não conhecemos como deveríamos. Na carta Paulina, o conhecimento nos liberta e nos traz orgulho. Temos o peito cheio de coragem, prazer em defender uma liberdade, em caminhar por trilhas que poucos tem se atreveram, mas isso não edifica, apenas traz orgulho. A chave, a Grande Chave, libertadora e edificante, que transforma e mantém-nos rumo ao bom fim, à Cristo, é o amor. "Mas o amor edifica". Que posso dizer frente a isso? Nada! Qualquer palavra dita agora para este versículo trancaria a boca dos leitores! Guardemos este som e vivamos em liberdade! Não posso esquecer enquanto escrevo dos irmãos fracos por quem Cristo morreu, não posso destruí-los, tenho que libertá-los! O Cristo que vive em mim, um dia morto numa cruz, tem que ressuscitar no coração do fraco, e não viver em constante via dolorosa, prisioneiro dos homens, culpado sem nunca ter pecado.

Os fracos e os oprimidos são os necessitados de salvação. O médico vem para os doentes. O fraco não deve ser desprezado, mas deve ser a prioridade. Saibamos disso! Vivamos isso! O conhecimento nos traz orgulho, não o deixemos de lado. Mas o amor edifica...

Por um poder em função da liberdade!

Gratis i Kristus       (que em dinamarquês significa Livre em Cristo)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo Lucas 10: 25 - 37

Tenho refletido bastante sobre uma postura que faça sentido e diferença para a vida de alguém. Gosto muito de escrever e principalmente de criticar as estruturas antigas que viciam e fazem mal, não por serem antigas, mas por serem viciantes e fazerem mal, simplesmente. Assim como também critico as novas drogas que tem surgido no mercado, passado pelo crivo da legalidade e viciado tanto quanto os antigos alucinógenos viciam. O segredo não está na fórmula que se usa, mas na necessidade de utilizarmos fórmulas para saciarmos nossas doenças, escondermos nossas crises e fugirmos da dor. Hoje a morfina resolve o problema da dor, mas não o do sofrimento. Por isso, venho pela primeira vez escrever no intuito não de criticar, nem de propor fórmulas e muito menos de querer produzir um conhecimento, mas expressar num devocional uma leitura de um texto Bíblico que por esses dias falou comigo...

Seja muito bem-vindo ao livro de Lucas e suas estórias:

Lucas 10: 25 - 37

Certa ocasião, um perito na lei levantou-se para pôr Jesus à prova e lhe perguntou:

- Mestre, o que preciso fazer para herdar a vida eterna?

- O que está escrito na Lei?, respondeu Jesus, E como você a lê?

Ele respondeu:

- "Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todas as suas forças e de todo o seu entendimento" e "Ame o seu próximo como a si mesmo".

Disse Jesus:

- Você respondeu corretamente. Faça isso e viverá.

Mas ele, querendo justificar-se, perguntou a Jesus:

- E quem é o meu próximo?

Em resposta, disse Jesus:

- Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de assaltantes. Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto. Aconteceu de estar descendo pela mesma estrada um sacerdote. Quando viu o homem, passou pelo outro lado. E assim também um levita; quando chegou ao lugar e o viu, passou pelo outro lado. Mas um samaritano, estando de viagem, chegou onde se encontrava o homem e, quando o viu, teve piedade dele. Aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo. Depois colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, deu dois denários ao hospedeiro e lhe disse: "Cuide dele. Quando eu voltar lhe pagarei todas as despesas que você tiver... Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?

- Aquele que teve misericórdia dele, respondeu o perito na lei.

Jesus lhe disse:

- Vá e faça o mesmo...

Não tenha pressa, leia novamente o texto que acabaste de ler. Para mim, ler um texto bíblico requer um tempo de respiro e reflexão. Enquanto leio, também tenho a mania de desenhar um filme em minha cabeça, fazer uma super-produção cinematográfica bem clichê e holywoodiana.

A pergunta respondida no texto é: "quem é o próximo?". Automaticamente respondo a mim mesmo que o próximo é aquele homem deitado à beira da estrada machucado e sofrido e eu devo amá-lo. Pois bem, mas esta não é a resposta dada no texto. O próximo daquele pobre homem sofrido é o seu ajudador, aquele que teve misericórdia dele. Interessante como os valores começam a se misturar. Sim, o próximo também é o homem caído pela estrada, mas o próximo dele é aquele amante bondoso caracterizado por um samaritano. "Vá e faça o mesmo...", quer dizer, seja também um amante, não um caído na estrada. Seja próximo, ame o próximo. Próximos são aqueles que amam. Próximos são aqueles que sofrem. Amantes sofredores e sofridos amados. Próximo que cuide do próximo. Seja amante, seja quebrantado.

Uma estória como esta muito me encanta, pois o próximo de quem sofre é quem ama, e todos devem amar os seus próximos. Se somos sofredores, assim amemos, e se somos amantes também soframos ou sofremos. Sofrer e amar nos tornam próximos. Todos sofremos e todos deveríamos nos amar. Amar ao próximo não é ter pena do desvalido, mas, como sofredores, amarmos os amantes sofrerndo com os sofridos. Ame o teu próximo como o samaritano, que era o próximo daquele homem caído. Sejamos os próximos sofridos amantes a serem amados...



Gratis i Kristus

terça-feira, 14 de junho de 2011

Confissões de uma conversa que tive com um amigo morto

Ouvi Ricardo Quadros Gouvêa dizer que é muito bom que tenhamos alguns amigos mortos. Não que ele quisesse matar alguém ou que eu também o queira, mas é que é muito bom que leiamos livros e conversemos com autores ou personagens que morreram faz um tempo. Gosto muito de pegar metrô, tomar café, quem sabe um chá ou ter uma reuniãozinha antes de dormir com estes falecidos companheiros que não tem a opção de não me querer como companhia. Um desses amigos que muito tem freqüentado minha casa é Jacó, o bom e velho Jacó.

Em nossas conversas Jacó tem confessado muita coisa de seu passado e eu me identificado com suas atitudes e sua dor. A beleza de ter amigos mortos é que eles sempre dizem a mesma coisa, só que nossos ouvidos com o tempo começam a ouvi-las de um jeito diferente. Jacó sempre me disse que fora tão santo quanto eu, mas antes eu achava que era uma bronca, depois que ironizava minha vida e hoje, finalmente, compreendi sua afirmação: é tão homem, tão santo, tão mentiroso e tão lutador quanto eu.

Jacó era o mais novo de sua casa, diferente de mim que sou o mais velho. Mas quem disse que casa é só família? Na igreja nunca fui o primogênito e no futebol alguém sempre me deixou para trás com vontade de puxar-lhe o calcanhar. Também nunca fui muito de enganar meus familiares, como era costume de Jacó, mas sempre enganei muito bem amigos, professores, a mim mesmo, a Deus, ao Diabo... Ter mais de uma cara é comum para quem nasce num mundo cheio de espelhos. E por fim, não fugi de casa, como Jacó fizera, mas morri de medo de todos e refugiei-me em mim mesmo, atrás das sombras da noite, numa longa viagem agonizante e desesperadora de culpa, medo e punição.


No percurso também fiquei muito cansado e qualquer canto servia de cama ou embalava meu sono. Jacó descreveu-me sua noite em Luz, tinha sido um dia exaustivo, não por causa do percurso, mas pelo peso e a gravidade que a culpa trazia. Dizem que cigarro envelhece, mas não sei bem se é o cigarro, mas sim a ansiedade que o fumo alivia e a culpa de saber que ao mesmo tempo em que faz mal, não é tão simples de ser deixado de lado. Desesperado, não usei travesseiro de pedra, mas paredes religiosas, fundações doutrinárias, mantras insuportáveis e qualquer outro aparato de “fé” que mesmo desagradável servisse para reclinar um pouco a cabeça.

Descansei e tive sonhos! Não com escadas que ligam o Céu e a Terra e anjos que sobem e descem mesmo tendo asas, não curto muito esse lance de alucinógenos sabe?! Mas sonhei com um Deus me dizendo que eu era livre, que me acompanharia na jornada, que estava comigo e não arredaria o pé enquanto não cumprisse essa promessa. Um Deus de amor falou comigo. Infelizmente, a culpa e o travesseiro não me deixaram ouvir amor, apenas escutei “Deus”. Abri os olhos e vi tudo escuro. Tive muito medo! E que culpa e travesseiro que nada! Sejamos sinceros, eu é que não queria ser livre nem amado, onde já se viu isso?! Eu merecedor de algo assim? Jamais! E pior, onde já se viu ter um Deus junto comigo e nas mentiras que conto! Jamais! Um Deus que me acompanha, ama e apóia? Deus me livre! É responsabilidade demais para um enganador consciente da desgraça que sou!

Esperei o sol raiar e, assim como Jacó, propus um negócio para Deus: se desse tudo certo, eu conseguisse viajar em paz, enriquecesse, passasse tranqüilo na vida e tivesse garantia de retorno para casa (Deus), além de eleger Deus como meu Deus, daria também o dízimo. Continuei a vida nessa constante luta com Deus, Ele querendo me deixar livre e eu querendo depender da culpa para não ser responsável pelas minhas mentiras.

Aprendi a viver assim: se tudo é garantido e o negócio é feito, eu erro e em seguida peço perdão e bola para frente que no final retorno para casa. Falsa santidade, medíocre crença covarde! Assim como Jacó ainda passei a vida enrolando os outros e ficando profundamente magoado quando enrolavam a mim. Utilizava o nome de Deus em vão. Condenava os outros, “santificava” a mim mesmo. Eu estava certo, pois fizera um pacto com Deus. Negócio é negócio, certo?!

Infeliz infortunado cheio de posses e garantias, tive um dia de enfrentar a vida. Esaú encontraria e talvez mataria Jacó. Eu tinha que crescer e me mataria se alguém também a mim não o fizesse. Prolongar mais um dia de decisão era prorrogar mais uma eternidade de sofrimento. O problema não é o sofrimento, mas não saber viver com ele. E para quem negocia com Deus por medo de amor e de liberdade, que dirá sozinho ter que lidar com o sofrimento.

Jacó retirou-se para um lugar sozinho, viu um homem e pôs-se a lutar. Fiz o mesmo. Jacó me disse que bateu nele, bateu em si, agarrou-o, jogou-se até o sol raiar mais uma vez. Fiz o mesmo. Jacó foi tocado na coxa, eu no coração. Jacó conhecia aquele homem, sabia seu nome e também que Ele sempre esteve ali. Eu também! Jacó mudou de nome, eu mudei de vida. Jacó não saiu ferido da batalha, eu também não. Jacó tornou-se manco, nunca mais andaria como antes. Fiz igualzinho, tornei-me de coração quebrantado e nunca mais viveria sozinho. Jacó mudou o jeito de andar, e nós o jeito de viver.

Em minha última conversa com Jacó, lembramos das experiências que nos fizeram mudar a caminhada. Em nossa última conversa sorrimos pensando nos dias que andamos como todos sempre andaram e quão infeliz foi não aceitar ser aGraciado e assumir o jeito que andamos de verdade. Deus sempre esteve conosco, e no dia que decidimos parar de lutar por ele, contra ele, por nós, contra nós, pelos homens e contra os homens, descobrimos o quanto os homens são amados por Deus. A culpa não faz sentido e muito menos faz sentido andar de modo que agrade a todos.

Jacó começou a andar mancando e todos perceberam a imperfeição. Como andar manco? Está ferido? Não, está salvo, com um andar transformado, um andar que para outros é imperfeito, mas para Jacó é transformação. Eu comecei a ter coração fraco, que para muitos é imperfeito, mas para mim é salvação. Lutei com Cristo e com homens e venci. Não porque ganhei de todos, mas porque perdi aquele travesseiro de pedra que me servia de descanso, porque larguei da negociação que fazia com Deus, porque assumi minhas pernas, entendi minha liberdade, passei a amar e sabendo que antes de tudo, fui amado primeiro. Continuo conversando com Jacó todos os dias, ele continua mancando e eu aprendendo...


Gratis i Kristus

domingo, 12 de junho de 2011

Para almoços

Preparar almoços requer um certo trabalho. São algumas horas juntando elementos diversos num único prato. Vinte minutos depois de feito, o demorado processo de preparação desaparece em garfadas, facadas e goles. Sobra bastante louça... Longo período de produção, curto de prazer e as sobras trabalhosas. É a refeição que mais gosto do dia!

Almoços são retratos da vida; processos árduos de crescimento que nos convidam a instantes de prazer e depois nos reconvocam à labuta. Por isso amo a vida! Jamais esquecerei daqueles instantes de prazer...

Almoços são retratos das relações românticas; manhãs juntando os diferentes em um único presente, um presente de lampejos de eternidade, que quando abertos, nos lembram que as relações não são nem a produção do presente e nem o presente em si, mas são as retomadas do caminho que nos faz almoçar. Por isso amo o amor! Jamais me esquecerei de almoçar todos os dias...

Almoços são retratos do que tenho contigo; dias planejando o dia que nos veremos para curtir um fim de semana, qualquer que seja, e depois retornar para rotina, não abandonar a vida, mas tornar-te parte, a mais bela parte, dela. Por isso te amo! Jamais me esquecerei dos fins de semana fora da rotina que não abandonam a vida...

É dia dos namorados. A todos um bom almoço! E a nós, o almoço de todos os dias...


Gratis i Kristus

Para Ana Beatriz Paulichenco Tavares

terça-feira, 7 de junho de 2011

Como é a verdade?

A verdade é uma casa. Queremos muito que essa casa se abra para o mundo e que também o mundo veja como é dentro casa, quer dizer, vivemos a procura da porta. Para isso, procuramos escritores. Entretanto, escritores são homens e mulheres que abrem janelas. Pelas janelas vemos duas partes de dois mundos: uma parte de dentro do mundo de dentro e uma parte de fora do mundo de fora. Os problemas que surgem da verdade não é de quem escreve, mas de quem lê e passa a fazer de porta as janelas. Quem sai e entra de uma casa pela janela é ladrão! Ladrão não tem tempo para observar e cuidar da casa, e nem tem paciência de ficar no mundo. Vive ansioso para sair e para entrar, roubando assim a beleza da casa e fugindo da realidade da vida e do mundo. Não liga um mundo e uma casa pela janela, não é de bom tom...

Então, nós os bons leitores, continuamos a procura da porta. Vemos quartos, passamos por salas, admiramos quadros, sentimos cheiros de alimento na cozinha, as limpezas do banheiro, os novos e velhos móveis... De ambientes em ambientes, janelas em janelas, vemos o mundo de fora e o mundo de dentro, mas a porta que marca um encontro para os dois ainda não encontramos.

Um dia também encontramos um lugar úmido e escuro. Vemos duas antigas tábuas de madeira que a muito tempo ninguém limpava e nem mexia. Pomos nossas mãos em cima da madeira cheia de pó e teia e a forçamos! Um feixe de luz clareia o cômodo ainda não visitado. Abrimos uma nova janela de num novo quarto! Que maravilha! Fantástico! Mas ainda não é porta... Não, não é uma porta! Mais uma janela que mostra mais uma parte da verdade, mais um contato entre a casa e o mundo.

E de tudo isso, o grande problema é que estamos do lado de fora da casa...



Gratis i Kristus

segunda-feira, 6 de junho de 2011

De quem quero o que quero

Dos amantes quero aprender a sonhar, quero saber como é sofrer de saudade feliz! Já dos pedintes, quero saber como é baixar a guarda e abrir mão do orgulho. Dos andarilhos quero a força dos pés e a capacidade de ser destemido frente ao desconhecido, quero saber andar por qualquer caminho e viajar sem saber exatamente onde chegar. Dos oradores quero a preocupação com o doar de boas palavras. Dos pintores quero a preocupação com a cara das cores. Dos cantores quero a harmonia e a preocupação com a intensidade da voz. Dos atores quero a expressão. Dos dançarinos quero o movimento.

Dos vivos quero o tempo que lhes falta. Dos mortos quero o silêncio que a eles se presta. Das festas quero a alegria. Dos velórios quero as luzes das velas. Das igrejas quero os respeitos. Dos hospitais quero o cuidado. De quem quer muito quero sempre a vontade de querer. De quem quer pouco quero sempre a vontade de comedir. Dos acelerados quero a corrida. Dos calmos quero a ponderância. De Kierkegaard quero a angústia. De Rousseau quero a liberdade! De Cristo quero salvação, mas do fariseu não quero nada!

De quereres em quereres sonho com uma vida construída, uma boa vida construída. Quisera eu que todos os homens quisessem sempre aquilo que nos traz esperança. Quisera eu que os indivíduos fossem além do que quero. Que Deus nos ajude a entender que Ele quer e que não há um se antes de seu nome. Que o querer de quem quer o que Deus quer transforme aquilo que queremos...

Gratis i Kristus

Devaneio sobre o tempo (Sempre não é todo-dia)

Sempre preferi o "era uma vez", muito mais do que o "e viveram felizes para sempre". O sempre do "felizes para sempre" é uma ilusão, ele só dura até o próximo "era uma vez". Por isso gosto muito mais do "era uma vez", ele é mais real, mais regular, mais constante e menos mentiroso. Bem, sempre acontece o "era uma vez", mas o "felizes para sempre" não dura sempre, termina no próximo "era uma vez". Uma vez é sempre uma vez...

Toda essa confusão de começo e fim de contos de fada é para lembrar de um detalhe importante: sempre não é todo-dia. Quem me disse essa frase foi um amigo de faculdade, Pedro Conceição, e guardei-a comigo até este presente momento em que escrevo e espero lembrá-la daqui para frente em todo-dia. Me interessei muito por essa idéia porque ela me fez pensar que o sempre é ilusório, não convida à reflexão e engana a vida. O sempre é tradicional, não respeita realidades e nem suas mudanças. Por exemplo, a frase "sempre foi assim" só é dita quando algo sai do tradicional, do comum, quando algo muda. Sempre foi assim, mas hoje...

Hoje é um dia. Um dia não é sempre, mas só um dia. Sempre se repete um dia após o outro, até o dia que essa sucessão parar, e então o sempre morre também. Todo-dia é mais que um dia e implica em pensarmos em todas as unidades que completam um todo, finito, reflexível e não ilusório. Todo-dia não nos apresenta, como o sempre faz, um ilimitado tradicional, mas um delimitado construído. Sempre não está em nossas mãos e não é de nossa responsabilidade, mas todo-dia exige uma reflexão e o trabalho com as mudanças na realidade. A realidade não é composta de sempres, mas de dias. Marcamos nosso tempo não de sempres em sempres, mas de todo-dia esperando ou pensando, quem sabe, num sempre, que prefiro chamar de Eterno...

Chamo de "Eterno" porque Eterno é maior que sempre e que todo dia, engole e engloba os dois. Eterno não está em nosso controle, não depende de nós, mas se impõe e nos convida a admirá-lo e constranger-nos. Eterno atravessa o tempo, tanto o sempre que sempre foi assim até a mudança de hoje, quanto o todo-dia que se constrói e olha para o chão e para frente. O sempre nos lembra de algo que existiu até que uma vez mudou, e o todo-dia de que algo há de existir e continuar para além de nós. Todo-dia precisamos pensar de como sempre foi e tentar imaginar do como será. Todo-dia precisamos nos conscientizar do incontrolável, do Eterno. O que foi, o que é e o que será são ínfimas partes que destacamos desse Eterno...

Sempre preferi o "Era uma vez" porque ele indica a possibilidade de mudança. Sempre preferi o "Era uma vez" porque introduz o caminho de uma nova estória. Sempre preferi o "Era uma vez" porque um dia quero saber que "Era uma vez um tempo em que pensávamos sempre ser assim, mas vivemos todo-dia, mudamos e conhecemos uma realidade que é e sempre será". Sempre não é todo-dia, mas só às vezes. Agora, todo-dia caminhamos dentro de uma Eternidade, e todo-dia será assim até o fim de todo-dia em que buscamos o Eterno.

Palhaços na Câmara - Texto de minha amiga Raphaella Burti

Normalmente não me atrevo a falar em política, mas ultimamente sequências de descaradas babaquices e hipocrisias no cenário político do meu país têm me revoltado. Ando indignado e sentindo-me curvado por causa de uma suposta placa presa ao meu pescoço onde inscreveram "imbecil". Desculpe-me pelas palavras graves que utilizei neste parágrafo, mas é por causa da revolta. Felizmente, recebi esta semana um texto de minha amiga Raphaella Burti, uma estudante de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo, que experimentou também um pouco de minha revolta. Com vocês, Raphaella...


Palhaços na Câmara



Nós, como cidadãos, acreditamos que fazemos nossa parte na democracia apenas votando para Presidente, Governador, Prefeito, Senador, etc.

Ao visitar a Câmara Municipal de São Paulo, como parte prática da disciplina de Direito Constitucional e assistir a uma Comissão, percebi, pelo menos naquele momento, que os vereadores mais encenavam do que discutiam. O Auditório Prestes Maia mais parecia um palco teatral.

Era uma Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa, com uma pauta sobre comércio ambulante na região de Pinheiros e a outra não me lembro, mas o que Srs. Vereadores menos discutiram foi a pauta. A primeira fala de um dos vereadores foi sobre a votação de outra pauta, que não foi discutida em Comissão, então se iniciou uma série de “pela ordem Sr. Presidente”, a mesa revoltou-se, todos queriam discutir a pauta de outra comissão que não foi discutida e, simplesmente, esqueceram-se da atual. Pareciam crianças mimadas falando: “Ah, Sr. Fulano falou mais que 20 minutos, eu também posso!”. Arrisco dizer que parecia proposital, discutiram tanto, brigaram tanto, inclusive dois Vereadores se retiraram da mesa, e falavam do Regimento Interno, que, por não ter sido respeitado, estava ignorando a democracia e reafirmando a ditadura, porém não seria o Regimento uma “herança” da ditadura?

O que foi apresentado é pior que ditadura, ao menos na ditadura é proibida participação ou qualquer questionamento do povo, mas na chamada democracia que vivemos, eles fingem que fazem e o povo finge que está bom. Está errado! Não basta elegê-los, tem de fiscalizá-los, questioná-los, PARTICIPAR de fato.

Em toda minha vida, essa foi a primeira comissão que participei, e me decepcionei muito. Gostaria de participar de todas, aliás, assistir a todas, porque participar mesmo, só os Vereadores e autoridades participam, o povo não tem esse direito.

O “engraçado” é observar que, quando na mesa, são inimigos, mas, fora dela são todos muito bem entrosados. Só pode ser para nos fazer de palhaços. A mesa da Comissão mais parece um circo, em que os palhaços da mesa fazem a graça e nós rimos, porque é isto que fiz a Comissão inteira, eu gargalhei com as falas dos Vereadores. Nada é levado a sério. Eles que nos fazem rir, mas, na verdade, os palhaços somos nós.

Talvez tenha me exaltado, entretanto, acredito que muitos concordam comigo. Essa farsa democrática é uma vergonha, pior ainda é o povo permitir que isto aconteça. Enfim, espero poder fazer algo pelo meu país como futura gestora de políticas públicas, e denunciando fatos como este, já é um começo.

Raphaella Burti