sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Falta...

Talvez por hábito demais ou desejo de menos, talvez por já termos lido demais ou sabermos das novidades ao menos, roubamos de nós nossos tempos a sós. Claro, responsabilizamos o trabalho, os estudos, a internet, o trânsito, o ônibus, o cachorro, a galinha e até a necessidade de ter que cuidar do avô. Entretanto, tanto nós quanto eles sabemos que todo tempo é tempo. Tempo não é o que se marca com o relógio, mas o que se sente na alma. Perdemos tempo não porque os ponteiros correram, mas porque nos transformamos e nem vimos o tempo passar. Nossa alma experimentou tantas coisas e mal paramos para contemplá-las. O travesseiro pode ser um grande amigo ou um maldoso passa-tempo...

Se quisermos falar com Deus, já dizia Gil, temos que desamarrar o cadarço dos sapatos. Para nós, temos também que pegar o ônibus, ir para casa ou para a igreja, fazer o almoço, cumprir as lições, executar os trabalhos, terminar os serviços, sair com os amigos, namorar, assistir televisão... Quem sabe depois disso, se quisermos falar com Deus, sentamos e nos damos um tempo?! Ou melhor, damos um tempo para Deus?! Mas, quando o fazemos, não damos o tempo da alma, entregamos a Ele o tempo dos relógios, o falso tempo; tem hora para orar, tem minuto de silêncio...

Triste: Para os apressados novos não pode haver solidão, enquanto que para os atarefados velhos não há tempo para ela. Para aqueles que entenderam que Deus é em todo tempo, não há mais a quietude e a meditação. Para aqueles que viveram na dependência de momentos com Deus, não existem mais espaços na vida para esses momentos. Ninguém canta mais para marcar o dia. Ninguém mais ora para agradecer o dia...

Sinto falta de lermos o Livro juntos. Sinto falta das conversas desconversadas do dia-a-dia que falam de Deus. Agradeço meus momentos solitários com o Livro e seu Autor. Agradeço os diálogos diários e constantes que vivem todo o tempo da minha alma, que cantam suas transformações. Mas sinto falta de depois da solidão, repartir o pão que preparei no meu quarto. Sinto falta de depois de conversar por muito tempo comigo, contar para alguém o que conversei. Sinto falta dos ouvidos sedentos. Sinto falta das bocas que falam de boca cheia. Sinto falta dos dias que se preocupam com a Criação, com a criatura e com o Criador. Sinto falta dos anos que festejamos e das eras que pranteamos. Faz falta termos um tempo. Faz falta Deus ter um tempo. Faz falta vivermos nosso tempo...


Gratis i Kristus

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Nada se cria, nada se perde... Que nada!

"Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma." - Lavoisier

Essa é a máxima da Lei de Conservação da Energia, que faz parte da coleção das poucas coisas que aprendemos no colégio. Muito provavelmente nossos professores de Física e de Química enchiam a boca para proferir o sagrado verso de Lavoisier. Muito provavelmente nós não abrimos nossos ouvidos, mas fomos muito influenciados por essas "sábias" palavras. Coloco sábias entre as irônicas e maliciosas aspas, porque essas palavras serão o ponto de partida de algumas de minhas muitas críticas àquilo que me ensinaram quando tentaram me formar (tanto na escola quanto na religião): a não pensar.

O primeiro problema é sacar da natureza o que querem dizer com "natureza": estou incluído nela? Se sim, somente meu corpo ou minha mente também? Se minha mente também, minhas idéias e tudo o que penso já existe, já está lá e mesmo que eu pense, há de se transformar e ficar diferente? Pois bem, para que pensar então? Nada se perde, nada se cria, mas apenas se reajeita numa outra disposição. Um mundo incrivelmente estagnado e sem novidades. Minhas idéias jamais serão importantes, serão apenas transformações e resultados de transformações. Aliás, as idéias de qualquer um são uma grande perda de tempo. Aprender algo novo? Criar? Jogar fora coisas que me atrapalham? Repensar minha fé? Redirecionar meu conhecimento? Jamais! Será apenas transformação de uma mesma coisa que existe desde que o mundo é mundo, desde antes da fundação dos tempos...

E disso podemos partir para o segundo problema: a dificuldade de admirar uma criação. Uma obra de arte é apenas um tanto de tinta velha reajeitada que às vezes jamais entenderei e nunca, nunca mesmo, serei capaz de criar algo novo que seja tão novo quanto essa obra (se é que ela é nova, já que apenas uma transformação de algo). Transformação parte do princípio de que todas as coisas são parte de um "mesmo", e que esse mesmo muda de cara, mas é sempre o mesmo. Interessante, pois participamos de uma "transitoriedade monótona". Tudo muda, mas nada é novo. Desse vazio as artes se perdem, a música é desvalorizada, o velho esquecido e o novo ridicularizado. Desse vazio surgem as mais imbecis discussões fundamentais, como por exemplo, o eterno debate Evolução x Criação. Os dois se degladiam porque não querem admitir a possibilidade de uma atividade criadora: os evolucionistas enxergam a vida como uma linha que apenas cumpre o necessário e nada inventa de novo, enquanto que os criacionistas enxergam um mundo pronto que não inventa nada, mas é mantido estaticamente por Deus. Os dois esqueceram-se de dar vida à vida e a possibilidade de uma criação.

Pode ser que essa transitoriedade monótona do mesmo seja assim por não querer perder seu posto nas escolas e nas igrejas. Quer dizer, isso se quisermos pensar que as coisas podem se perder. Claro, o mesmo nunca se perde, mas e o outro? Aquilo que é sempre o mesmo, mesmo que se transformando, não desaparece. Porém, aquilo que abre a possibilidade para um outro, corre o risco de se perder ou de perder o outro. Mas o que será que esquecemos de contar para que a vida não seja eternamente um mesmo que se transforma? O que esquecemos de lembrar? O que existe que é capaz de criar e de perder? O que faz com que de uma hora para outra suma algo e surja um novo? Talvez essa resposta exija tempo...

Exatamente! O tempo! É ele o responsável pela novidade! É ele quem cria, é ele quem perde e é ele que nessa habilidade, nunca se transforma. Tempo é sempre tempo, e, com o tempo, é tudo sempre novo. Se na natureza não houvesse tempo, nada seria uma criação e nada seria uma perda, mas apenas o mesmo se reajustando. Porém, se há o tempo, tudo é sempre novo, e o que se foi jamais retornará, jamais voltará a ser como era. Nisso, o tempo não se transforma, jamais pára, jamais retrocede e é sempre o outro. A vida com o tempo ganha valor, recupera sua capacidade de criação e se preocupa consigo, pois pode perder-se a qualquer momento. Tudo torna-se breve, instantâneo, importante, fantástico e digno de ser muito aproveitado e intensamente vivido. O que penso vale e vale muito! O que pensaram vale e vale muito! Geniais são as obras de arte e suas novidades de tempos em tempos, as músicas, os velhos que perdemos, os novos que surgem, a evolução que dinamicamente some com criações e reinventa novas criações completamente inesperadas... Não somos mais o mesmo, somos outros...

Em minha formação talvez não fizesse sentido sonhar, viver os instantes, as aulas chatas de química, as missas, as reuniões de oração, a educação física, as idas ao museu, o repensar minha fé e redirecionar meu conhecimento. Mas hoje sei que sou capaz de criar, de inventar um novo. Sou capaz de perder minhas oportunidades, minhas criações, meus velhos. A vida não é uma transitoriedade monótona, é, ao contrário, uma efemeridade dinâmica. Vale a pena pensar, vale a pena inventar e vale a pena viver, pois as coisas se perdem e somos capazes de criar, não apenas transformar. Somos velhos, somos novos. Para além de mesmos, somos outros. Uma Educação não pode se esquecer de lembrar da vida.

Gratis i Kristus

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Do cárcere ao santuário

Por esses dias, conversando com uns amigos sobre práticas esportivas, ouvi um deles dizer sobre seu joelho machucado que "ele era muito problemático". Na mesma hora, uma luz brilhou bem na frente de meus olhos e minha cabeça moveu-se para trás como se tivesse levado um golpe. "Ele? Mas o joelho não é parte de você?" - perguntei. Dali em diante tenho pensado nessa outra coisa que me pertence, mas que talvez não seja eu, e se chama "corpo".

Sem dúvida essa é uma das primeiras constatações que fazemos quando tomamos consciência de nós mesmos: "tudo aquilo que não sou eu, é outro". Simples, prático, objetivo e direto. Mal nascemos e já podemos nos considerar geniais! Meu pai não sou eu, minha irmã não sou eu, minha bicicleta não sou eu e... essa coisa que vejo para fora de mim e se mexe quando mando...Qual o nome mesmo?... Hmmm... Mão! É, mão... Sou ou não sou eu? Existe algo em mim que vê o que está em mim para fora de mim. Encontramos nosso corpo e sua acompanhante: a alma.

Essa constatação estranha que fizemos com despertar da nossa consciência, nos fez inventar uma dicotomia entre alma e corpo. Pois bem, os filósofos gregos consideravam o corpo como sendo o cárcere da alma, a prisão finita de uma coisa que consegue imaginar o eterno. Porém, ao mesmo tempo, a cultura grega era apaixonada pelo cuidado com o corpo, pela sedução que esse cárcere é capaz de promover. Uma prisão deliciosa, gustativa, dádiva dos deuses! Um verdadeiro santuário...

Quando a cultura grega encontra o judaísmo, no tempo em que Roma se avizinha a Jerusalém, essas duas idéias são muito bem vindas e dão correntes ao cristianismo: o corpo é causa do pecado, é santuário de Deus. A prisão deve ser combatida, devemos nos libertar de suas amarras, porém, ao mesmo tempo, devemos preservá-la, já que é a obra divina, a Casa do Pai. A alma é garantia da eternidade, o corpo da perdição. Apesar de ser cárcere, o corpo deve ser purificado, e, apesar de ser santuário, o corpo deve ser "aprisionado". Maldita consciência é essa que divide as coisas! Cultura da alma e cultura do corpo... Santuário e prisão... Mesmo quando junto as coisas, ainda me vejo fora de mim.

As disputas entre o corpo e a alma fizeram de nós reféns da beleza e/ou da sabedoria. Quem nunca ouviu a frase: "Mulher bonita e inteligente é impossível! Ou uma coisa, ou outra"? Dei o exemplo da mulher não por machismo, mas pelo simples fato de admirar a beleza feminina muito mais do que a masculina. Admito, tenho atração por mulheres... O que não vem ao caso, pois o problema é estacionarmos nessa separação e primária. Ou vivemos no mundo cult, ou na geração saúde. Ou doutores, ou bombados. Ou salvos, ou perdidos. Ou tristes insatisfeitos, ou contentes satisfeitos... Apesar de todos compreendermos e sabermos que somos um, corpo que pensa e alma que vive, não nos libertamos dessas amarras. A prova disso é que provavelmente você está pensando agora: "mas então, qual o certo?", ou ainda: "vai dizer que o certo é unir os dois...".

Não! A proposta não é ser a favor ou contra, aprisionado ou livre, eterno ou finito, cult ou sarado! Continuamos presos nas divisões dicotômicas! Mesmo se quisermos "unir" as retas, já partimos que são retas e, além disso, continuarei me vendo para fora de mim. Caminhemos avante para expandirmos nossa consciência! As coisas não são boas ou más por si mesmas, como já dizia Spinoza, mas é a minha relação com elas que as definem como tais. O corpo não é cárcere e nem santuário, é a minha relação com ele que o faz ou um ou outro. A alma não é mais ou menos importante, é relação com ela que dita isso...

Bom, mas assim retornaríamos à nossa descoberta da infância: quem sou eu que não é o outro? Crescemos e descobrimos que podemos dividir nosso próprio corpo em muitas outras partes, inclusive em partes que não vemos. Descobrimos também que podemos dividir nossa alma em várias partes; em subconscientes, inconscientes, egos, superegos, id's, amigos imaginários, alteregos... E em todas elas, tantos nas partes da alma como nas do corpo,  podemos ser nós. Podemos inclusive olhar para um grupo de pessoas e dizermos dele que somos nós. Afinal, quem sou e quem é meu corpo? Continuo me vendo para fora de mim...

Quando olho para o Sol, o vejo muito menor do que ele é, imagino que esteja a uma distância menor do que a que ele está e acho que é ele quem gira em torno da Terra. Porém, quando descubro que ele é muito maior, está a uma distância gigantescamente maior e  parado enquanto é a Terra que gira em torno dele, continuo vendo-o pequeno, bem próximo e se movendo, mas minha relação com ele muda. Quando descubro que posso dividir-me em muitas partes, em muitos corpos e em muitas almas, continuo me vendo de dentro de um corpo, ainda percebo uma diferença, porém, minha relação com essa diferença muda. Cárcere? Santuário? Alma? Minha relação com eles muda. Em certos dias meu corpo é prisão que me faz fazer aquilo que não queria. Em outros, é um santuário magnífico onde Deus habita. Em momentos minhas relações com minha alma são de unidade, em outros de guerra e confusão. Tem dia que sou um ser uno, tem dias que sou mais que múltiplo...

Não podemos parar na primeira experiência da consciência, mas devemos avançar e descobrir os instantes de unidade e diferenças que há nas relações vividas entre corpo, alma, eu, eu mesmo e qualquer outro. Relações afetivas e cognitivas experimentadas por muitos inteiros e divididos relacionados. Os problemas que surgem no desenrolar desse pensamento são muitos, mas deixemos para a expansão de nossa consciência ver mais tarde...



Gratis i Kristus


PS: Deus não habita em santuários construídos por mãos humanas... Cuidado com as plásticas e os vícios de academia!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Pedido de um novo

Destruir é muito fácil. Jogar na defensiva, marcando o adversário, é muito mais simples do que inventar uma jogada, criar um ataque ordenado. Estragar um quadro é simples, ser Van Gogh dá trabalho...

Desfazer não é trabalho das novas gerações, é uma reação traumática das mais velhas. Não tenho em mente e nem acredito que o novo seja melhor que o velho, e muito menos que o passado deve ser deixado de lado e visto como desperdício ou tranqueira pesada que não precisamos carregar. Muito pelo contrário! Sou daqueles que não despreza a tradição e muito menos vira as costas para os que me trouxeram até aqui. Porém, também não sou saudosista escravo da tradição e amante dos dogmas. O que posso dizer é que sou novo, sou presente, consciente daquilo que me fez e sonhador daquilo que farei. Apenas afirmo que desconstruir é exercício de quem já construiu, já realizou o sonho...

Acabei de vir ao mundo e já querem me dar uma tocha na mão para queimar o quadro pintado em outra era. Não fiz o quadro! Não conheci o pintor! Não tive tempo de admirar o mundo para concordar ou discordar da obra! Por favor, deixem-me viver! Se num futuro eu rejeitar minha mensagem de hoje, confiem e acreditem que eu mesmo a destruirei, porém, não por medo de suas consequências, mas para que as próximas gerações estejam protegidas de ter que tomar decisões que não as pertencem, para que elas possam por si mesmas serem inovadoras e criativas. As possibilidades estão nas mãos daqueles que ainda não vieram, portanto, devemos deixa-las abertas e infinitas como ainda são e não decidir por elas como elas devem ser.

Talvez por vício e por segurança, tentaram predizer o que eu deveria dizer. Premonições, previsões, prenominações. Escolheram meu nome, escolheram meu signo, escolheram minha religião, escolheram meu país, escolheram minhas escolas e escolheram o que nelas eu deveria aprender. Escolheram minha mensagem! Nunca devemos escolher por alguém sua própria mensagem! O problema não é o burguês e nem a religião, a escravidão está na desproteção dos indefesos, na falta de muros que cerquem os mais novos, na impossibilidade de decidirmos que mudanças podemos fazer. Já escolheram por nós o caminho que devemos trilhar, as transformações que devemos promover...

Convoco minha geração para fugir das repetições, para correr das ordens e para impedir a nós mesmos que decidamos quais sonhos os próximos devem seguir, quais planos devem aderir e quais obras devem destruir. Que nos dias de nosso vigor possamos criar nós mesmos nossas músicas, pintar por nós nossos quadros, escrever nossos textos e produzir por nós mesmos nossas mensagens! Não destruamos, não repitamos, não abandonemos: criemos!

O passado nos empurra para frente, o futuro não nos deixa voltar atrás... Precisamos que os velhos nos protejam e os novos inovem!



Gratis i Kristus