segunda-feira, 25 de junho de 2012

A História do Sol

Esse texto é um trecho de um artigo que estou escrevendo chamado "A Origem do Fim das Espécies". Essa é a verdadeira História do Sol:

Eram dois: um menino e uma menina. Não sabiam de onde nasceram nem de quem, mas sempre estiveram juntos. Cresceram sorrindo e prestando atenção em tudo, menos um no outro. Certa vez, depois de coçar os olhos, o menino os abriu e percebeu que havia uma linda mulher à sua frente. Era esbelta, morena, cabelos escuros, rosto delicado, lábios destacados e, ao mesmo tempo, bem afilados. Tinha um olhar penetrante e um sorriso que brilhava mais que tudo. Apaixonara-se. Quis conquistá-la, mas não sabia como. Determinado em seu amor, prometeu aos Céus que se o ajudassem a encantar a moça, faria qualquer trabalho para Eles. Esticando os braços, viu que próximo dele caiu dos Céus uma flecha flamejando. Muito contente, o rapaz correu para o encontro da mulher e começou a pintar nas paredes, nas árvores, no chão, no mundo com fogo. Escreveu o nome dos dois, desenhou corações, esquentou fogueiras, criou abrigos, manteve a chama por muito tempo acesa.

Num determinado momento, preparou uma comida quente e a convidou para o jantar. O homem e a mulher estavam juntos. Abraçaram-se, deitaram-se, tocaram-se, amaram-se. Por causa desse fogo, o homem a encantou, a mulher que já o conquistara se entregou e, amando, engravidou. Os Céus, por essa hora, chamaram o homem para seu trabalho, mas, agora, o homem já não queria trabalhar, apenas amar sua mulher. Porém os Céus lembraram de sua promessa, mas, ele, se recusou a aceitar qualquer coisa, pois não poderia abrir mão de qualquer tempo para trabalhar: seu amor queria eternidade. Enfurecidos, os Céus decidiram que o homem jamais poderia tocar nos filhos que sua mulher tivesse: sempre que nascesse um e ele nele tocasse, a criança morreria queimada. E assim foi: filho à filho, tempo em tempo, todos morriam queimados. Amargurados, homem e mulher choravam.
Depois de tempos de desespero, o homem, já ficando velho, aceitou trabalhar para que seus filhos não mais morressem. Os Céus aceitaram a tristeza do homem e decidiram sua obra: o homem com o fogo marcaria o tempo. Fez-se o Sol. A mulher estava grávida e teve filhos que jamais tocariam seu pai. Triste, afastada de seu amor, queria criar os filhos, mas não gostaria de ficar tão longe de seu marido. Já ficando velha, também cansada, clamou aos Céus pedindo que pudesse olhar por seus filhos, mas junto do homem, seu amor. Os Céus foram condescendentes: colocaram a mulher para trabalhar junto com o homem marcando o tempo. De tão feliz, abriu o sorriso mais belo do mundo para iluminar seus filhos enquanto caminhava junto com seu amor. Fez-se a Lua.

Fizeram-se Sol e Lua, o nascimento dos dias, da possibilidade dos filhos contarem Histórias e marcarem o "tempo".


Gratis i Kristus

sexta-feira, 22 de junho de 2012

História e progresso.

E quantos acreditaram que a História era um progresso? Todos procuravam esperança, segurança, alguma coisa que lhes firmasse os pés. O que há de errado nisso? Nada. É mais uma crença que optamos por seguir, mais um chão que criamos para nós mesmos na tentativa de não pararmos no meio do caminho. É acho um tanto quanto arrogante crer que os mesmos pés que tentam se sustentar sejam do mesmo indivíduo que sustentará o caminho da História, que firmará o progresso. Parece que existe bastante prepotência nesse ar de auto-suficiência de um único homem. Um tanto quanto ofensivo aos demais crer que é à partir de suas mãos que a História será construída. Chego a enxergar certa idolatria narcisista: homens que adoram-se à si mesmos como deuses que impulsionam o caminho do "progresso", que depositam sua Fé em seus próprios bolsos ou em suas próprias mãos e, depois de muito vivido, se olham no Espelho já cansados de sua miséria.

História não é uma sequência de fatos. Não, não existem leis determinadas compreendidas por nós, seres superiores, e que, quando bem aplicadas, salvarão o mundo. Inclusive, chega a ser bobo uma espécie dentre bilhões de outras, frágil, sujeita à um mundo microscópio e ciente de um gigantesco universo no qual está imersa e pelo qual é engolida, sentir-se superior - mais uma crença, mais uma expressão de Fé. Qual o problema com isso? Nenhum. Exceto pelo fato de que essa Fé egoísta, egocêntrica e arrogante serve de justificativa para certos processos de destruição. Entretanto, ainda nos vemos como evoluídos, o cume do progresso e à caminho da perfeição no fim dos tempos. A História parece ser obra nossa e melhorada por nós se compararmos aos dias de nossos pais. O hoje parece muito melhor do que o ontem e, nessa lógica, provavelmente o amanhã será melhor (uma das leis determinadas que não existem).

Esquizofrenicamente, para justificarmos que o amanhã será melhor e que há uma lei de progresso, recorremos à História. Vamos até anteontem e resgatamos alguma  "história" que demonstre uma certa "evolução". Mas, se ontem foi ruim, anteontem deveria ser pior, certo? Esse ponto a Fé no progresso e na História, a Fé no próprio homem, se cala e desiste de explicar; apenas parte para a afirmação de Fé e convoca os ouvidos desatentos à sonhar com o amanhã. Pobres homens! Querem garantir que a gravidade que os põe no chão é obra de um progresso humano! Que voar também é. Mas, que loucura! Se é para crermos, porque cremos em nós mesmos? Insegurança por insegurança, prefiro maior ombridade de abrir mão das armas e das palavras para descansar no infinito e ouvir Deus falar no silêncio.

História não é progresso, nem regresso, nem linha, nem círculo, nem verdade, nem mentira, nem realidade, nem "Matrix". História é uma palavra. Palavras são sons que nos remetem à algum significado importante para nossa memória, nossa individualidade, nossas experiências de vida, nossas experiências de Fé. História é um som bem cantado, um conto bem contado, um mito que, por nós, pode ser encarnado. Não imito os anteriores tal qual eram, assim como meus sucessores não serão réplicas minhas. Se o forem, acabam de se tornar arrogantes o suficiente para idolatrar um homem, crer que a salvação vem de suas obras, e não do dom de Deus. Gerações respondem à suas necessidades, cantam suas músicas de acordo com as possibilidades que tem, cria indivíduos diferentes, absurdamente diferentes, que, mesmo sendo de mesma língua, falam diferente. Dividir essa História é matar as individualidades. Confundir esse conto histórico com realidade é matar a única coisa de genuína esperança: a experiência individual de Fé dos miseráveis.

Sustentar-se na afirmação de Fé da História, na própria História, colocando-a como a "verdade", é ingrato demais, malicioso demais, venenoso demais. Somos palha, somos pó. Enfiar-nos em nós mesmos é de uma covardia tremenda, destruidora, idólatra e infiel. É ter Fé sem crer. É ser louco crendo que é são. O bom ato de Fé é o silêncio - não crer nas verdades certas, mas nos contos bem contados, nas experiências individuais que transcendem a necessidade de explicações. É preciso ser iludido pela realidade, e não deturpá-la tornando o ilusório a realidade. Converter-se não é assumir um discurso, mas calar-se. Não procure na História a salvação, não creia no progresso: liberte-se dessas correntes, abandone a real ilusão de maldições hereditárias. O Reino dos Céus se faz no mundo; não por causa dos homens, mas pelas mãos de Deus, pela morte e ressurreição de Cristo. Permita-se tocar a ilusão real e fugir da real ilusão. Se, enfim, longe de todo progresso e de uma História de salvação, queremos caminhar, que seja com o Caminho, com a Verdade e com a Vida: experiência de Fé expressa em sua própria Encarnação. Cristo não é uma História contada, mas um conto vivido. Se dependemos de Fé, nos conheçamos e reconheçamos: crer não em nós, mas em Deus.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Verdade

"As pessoas"; tenho um problema sério com essa expressão. "O público", "o povo", o burguês", "a ciência", "os pastores" e "os qualquer outra coisa", são todos termos genéricos que me incomodam. Para garantir que não haja erro em minha fala e que ela tenha um valor "profundo", "irrefutável" e "universal", utilizo a indireta que esses termos genéricos possibilitam garantindo a maior abstração possível em nossa conversa e distanciando, desse modo, tanto a minha vida quanto a tua do problema que estamos tratando. Engraçado; descobri que não são apenas esses termos "gerais", mas, hoje, qualquer termo é genérico, abstrato e universal.  Nos habituamos a repeti-los sem saber seu significado, sem nos identificarmos com eles, sem termos coragem de colocarmos o nosso na reta: eu.

Tenho pesquisado muito Soren Kierkegaard (um amigo morto que me acompanha em conversas íntimas). Por esses dias, enquanto tomávamos chá e comíamos chocolate antes de cada um ir para seu próprio quarto e encontrar seu próprio travesseiro, ele me disse: "nenhum homem, nenhum, ousa dizer 'eu'". Ele me atiçou com essa constatação genérica enquanto contava que os indivíduos se acostumaram a ler e repetir expressões complexas e acadêmicas dos livros e dos jornais legitimadas por um saber "científico", uma superioridade de seus "intelectos" e de suas "lógicas". Se eu aprendesse a organizar uma oração de acordo com as regras estipuladas pelo "princípio correto", seria tido como um gênio. As conversas eram abstratas, genéricas, evasivas e repetitivas. Até a "verdade" se tornou genérica. Todos falando em nome dela, ninguém preocupado em mastigá-la e experimentá-la em sua própria intimidade. Todos falam, ninguém existe. De tudo se fala, nada existe.

Assim como "as pessoas", "o povo" ou "o político", "a verdade" parece ser mais um termo, mais uma generalização, mais um nada que ocupa nosso tempo enquanto assistimos TV, lemos livros/jornais ou blogs na internet. Uns até arriscam falar que ela é provisória; mas, quando o fazem, generalizam do mesmo modo que aqueles que a defendem como única. Todos falam da verdade, ninguém existe com ela. Seja caçando para si autoridade na ciência, filosofia, acadêmia, política, estética, futebol ou religião, cada um de nós quando fala da verdade, fala como se ela estivesse em um lugar parada para ser admirada. Distante, abstrata, nos céus, na terra ou no inferno, essa estátua que, para alguns, é mutante, existe em qualquer lugar, menos em nossa existência, conosco em nossa intimidade. Parece que falamos dela, mas ela não faz parte de nós, nem mesmo de nossa fala. É uma palavra que se refere a qualquer coisa com a qual não tenho parte, mas, sabe-se lá como, consigo dizer seu nome.

Verdade: uns dizem categoricamente que não existe, outros que é uma mulher, outros um homem, outros morrem de medo e, ainda mais uns genéricos, escorregam nas orações abstratas e se contentam com afirmar sua provisoriedade. Bem, não tenho problema em dizer que ela é provisória. Nem que ela é eterna, nem que é aterrorizadora, nem que é linda, nem que é qualquer coisa; quando estamos só nós, eu e ela, dentro de quatro paredes, não há ninguém que possa dizer qualquer coisa sobre nossa intimidade... Faço miséria com essa palavra. Assim como promovo riquezas. Arrebentamos juntos. Do mesmo modo que somos destruídos pelo cansaço. A verdade existe sim, e não é nem um pouco genérica: dorme e acorda comigo todos os dias, somos uma só carne, tomamos parte um do outro.

A verdade é verdade enquanto creio nela, enquanto confio no que ela é. E o que ela é? Se depende de minha crença - confiança -, é um objeto de Fé. Sendo um objeto de Fé, uma experiência existencial e íntima minha, própria, individual, não é uma questão de exprimi-la "bem" numa generalidade qualquer para ser usurpada e estuprada por qualquer um que interprete com sua própria experiência de Fé aquilo que tive que expressar através dessas bem-mal-ditas palavras. Me arrisco a colocar em sons isso que sinto para que compartilhe com mais alguém minha verdade. Porém, são apenas sons; barulhos genéricos sem valor nenhum para outro que não eu. Talvez, esse som possa ter valor para você que me ouve - ou melhor, que me lê. Mas, apenas tem valor porque experimentou alguma vez em sua intimidade dentro de quatro paredes tuas o êxtase de Fé que é mastigar o que está por trás do símbolo exprimido nessas palavras.

"A verdade"? "O povo"? "O público"? "O burguês"? "O homem"? "O indivíduo"? "A ciência"? "A religião"? Quem? Você? Eu? Entendo muito melhor agora aquela metáfora que diz que quando falamos de alguém, falamos de nós mesmos... Entendo muito melhor agora a metáfora de Paulo Freire quando diz que existe um opressor dentro do oprimido... Entendo muito melhor a metáfora que diz: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim"... São encontros! É a intimidade! Sou eu! Existimos, existo, existe...

Nossas conversas não podem ser mais genéricas, eu não devo mais ser genérico. Existe muita vida para se viver, mas abstraímos tudo para a arrogância e a comodidade de entregarmos autoridade às palavras ou algum outro mito que não o nosso de alguém que contou algo (genérico...). É ter coragem de experimentar o próprio quarto, de fechar a porta, de experimentar a quietude e a companhia de quem se confia. São opções de Fé, experiências de crenças - não, não há segurança alguma, não há terreno estável. São mitos que nos contam e que nós, podemos ou não, acreditar. São mitos que contamos à nós mesmos e, quando colocamos os pés no chão, iremos ou não passar a confiar. Estamos montados numa rede de relações e confianças. Falar de generalizações rouba muito tempo de quem mal tem tempo de viver...

A verdade existe, é única e dependente de uma experiência de Fé. Quando contar sobre ela será por meio de um belo mito que, talvez, partilhe de algum modo da experiência de alguém. As palavras não podem ser genéricas e nem nossa existência covarde. Em vida sou herói e devo ousar em minha caminhada...


Gratis i Kristus