segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

"O mundo jaz no maligno"

Em um de seus sermões, Padre Antônio Vieira conta uma história, um mito, dos tempos de Alexandre, quando este estava navegando pelo Egeu para conquistar e pilhar algumas ilhas. A história é mais ou menos a seguinte: "enquanto Alexandre seguia pelo mar, encontrou uma embarcação pirata. Por ser um imperador moralista e exigente, cercou o tal barco, rendeu a tripulação e começou a discursar para o comandante corsário. Um sermão sobre certo e errado. Disse ao comandante que sua prática era ilícita, errada, repugnante e proibida em seu império. Em resposta, o pirata disse:

- Eu roubo pescadores e pequenas embarcações e sou considerado ladrão, pirata. Você invade cidades, reinos e nações e é imperador. Então essa é a sentença: quem rouba pouco é pirata, e quem rouba muito é Alexandre."

Desse mito de Alexandre podemos tirar várias lições e reflexões. Mas o que me importa neste texto é uma delas, a "injustiça" do mundo. A inversão de proporções de quem rouba pouco e muito com os títulos herdados da prática, pirata e imperador, refletem isso que chamamos de injustiça do mundo. Como é possível existir isso? Está errado!

Essa chamada "injustiça" é vista pelos cristãos como uma perseguição do "Inimigo" (diabo, demônio, satã, potestades do mal, anticristo e etc) que está em constante guerra com o Divino (que já falou que é vitorioso e onipotente, mas continuam a insistir que há guerra) e que consegue controlar o mundo, e tudo baseado no "mundo jaz no maligno", trecho bíblico que é somado a outros para garantir essa idéia de perseguição de todo o mundo aos cristãos por estes serem ... cristãos, logo inimigos do "Inimigo" (já expliquei o que é isso).

O problema dessa lógica genial é que não cristãos, aliás, a maioria, também sofrem com essas "injustiças" do mundo, e como fica? Bom, óbvio, a explicação clássica e tradicional é porque estes não são filhos de Deus, cristãos, nascidos de novo. Quer dizer, cristão se ferra por causa da perseguição do "Inimigo" porque tem a Deus, e não cristão se ferra por não ter a Deus, mas sem sofrer a perseguição do Inimigo. Hummmmmm.... Então, afinal, todos se ferram. Mas porque? Qual o sentido da existência dessa "injustiça"? A resolução está na base da explicação cristã, "o mundo jaz no maligno", mas, quem, o que, ou qual, seria o maligno dessa história?

Agora sim, tentemos enxergar de onde vem essa "injustiça". Se vem de um maligno, que é contrário a Deus, temos que compreender qual o objetivo desse maligno, o que o torna tão contrário a Deus que o próprio Deus o rejeita. Jesus, tido na fé como a encarnação e plena imagem de Deus, disse uma vez que o contrário do ódio é o amor, e o contrário do amor, é a indiferença. A melhor explicação para quem é Deus é dizer que "Deus é amor", o que não diz muito, porque explicar amor também não é tarefa simples. Mas pegando o gancho de que o contrário do amor é a indiferença, o máximo de contrariedade de Deus, é o indiferente. O maligno nessa história então não seria o "Inimigo", mas a indiferença.

Para quem vive no mundo, o mundo é indiferente. Não importa quem você seja, como seja, de onde seja ou a quem siga, você é mais um ser vivente no planeta. Tudo é indiferente. A aleatoriedade da vida, o chamado "acaso", é indiferente a todos. Coisas acontecem. Nesse ponto encontramos o máximo da distância de Deus, "seja frio ou quente, pois morno, vomitar-te-ei da minha boca". A indiferença, a independência de tudo, a vida vivida sem considerar o outro ou as outras coisas, indiferente a tudo, é o maligno. As "coisas do mundo" tão rejeitadas na bíblia, são coisas indiferentes que levam a indiferença, a uma vida indiferente a tudo; dor, amor, alegria, tristeza, vida, morte, sorriso, choro... indiferentes.

O sal da terra e luz do mundo é um movimento de diferença em um mundo indiferente. Fazemos diferença frente a indiferença. E quando é dito que haveria perseguição do mundo, ódio do por parte do mundo, não é porque os cristãos sofrem por serem filhos de Deus e irem a igreja, mas porque há um empurrão na indiferença, esta é tocada e gera um movimento contra ou a favor. Mas se há este movimento, significa que a função de diferença no mundo está sendo cumprida. O marco não é a perseguição em si, mas as reações geradas ao movimento contra essa indiferença.

Gandhi, Martin Luther King, Rosa Parks, Madre Teresa, Padre Antônio Vieira, Paulo de Tarso, Jesus de Nazaré, Henri Nowen, Rob Bell e muitos outros que se incluem em Hebreus 11, compreenderam e movimentaram-se contra essa indiferença. Diferente das pregações cristãs de que o mundo nos persegue por isso temos que nos enclausurar dentro de quatro paredes para adorar a Deus e viver no nosso mundinho excluído do mundo, ou de que devemos buscar o que é de nosso direito e o resto que se exploda, que são pregações que incentivam e proclamam o maligno da indiferença, devemos nos preocupar em pregar e preparar uma geração de cristãos que vivam contra isso e a favor de um movimento diferente, que incomode cuidando e amando aos outros.

Hoje fala-se muito em um reavivamento da igreja, um novo crescimento pentecostal e sei la mais o que, que faz com que pessoas escondam-se mais ainda dentro das igrejas para sentir uma transi religiosa e achar que isso é seguir a Deus, isso é um assunto para outro texto, mas, aproveitando a brecha, um avivamento seria levar a sério a amar ao próximo e derrubar barreiras entrepostas pela indiferença entre o "mundo secular" e o "mundo cristão" e começar a fazer valer uma reação pentecostal de Deus, para sermos como cristo e tenhamos em nós um Espírito Santo consolador, que console outros através de nossas vidas, que faça diferença frente a indiferença em nossas caminhadas cristãs. Um REAVIVAMENTO de verdade, que gera VIDA, e não mais indiferença.