quinta-feira, 29 de abril de 2010

MalkhuthaShammayin

"Arrependei-vos pois o Reino dos Céus está próximo!", assim dizia João Batista, o chamado "último profeta", que na tradição preparava o caminho para a chegada daquele que seria o Messias. Conceito estranho este de "proximidade" de um "Reino". Próximo de que? Ou então de quando? Aonde? Como? Aliás, arrepender-nos de que? Para que? Que raio de profeta é este que fala como se todos compreendêssemos do que ele está falando? Fala de um Reino de um Messias sem este nem ter surgido ainda. Pior, quem escreveu este texto provavelmente já tinha em mente que seu público leitor soubesse de que se trata a proximidade, o arrependimento e o tal Reino.

Arrependimento: "Sentimento de mágoa ou pesar por falta ou erro cometido. Mudar de procedimento, parecer." (de acordo com o Dicionário Aurélio). A imagem de arrependimento que nos é comum baseia-se num desespero, choro ou dor nostálgica gerada por culpa. Kierkegaard trata muito desta culpa e do desespero gerado em seu livro "O desespero humano". Entretanto, o "arrependei-vos" neste texto não se trata das lágrimas que rolam após uma trágica confissão e reconhecimento de um erro, mas de uma nova maneira de se lidar com a vida. Provavelmente agora, neste texto que você está lendo, essas informações parecerão perdidas, desconexas e um pouco sem função, mas é na construção da frase e na junção dos conceitos que tudo se esclarecerá, continue firme que chegaremos juntos a algum lugar. O "tempo" é importantíssimo para a compreensão dos conceitos de João Batista. O arrependimento não se refere a uma nostalgia, lembrança do passado, e nem a um futuro ilusório ou esperançoso, mas sim a uma mudança drástica de atitude no "já", hoje, agora.

Metanoiete, ou, metanóia, é a palavra utilizada por Mateus para se referir ao arrependimento. Essa expressão grega compete a um conceito de "mudança ou transformação contínua de consciência", uma "metamorfose mental ou espiritual", como queira. Seria uma transformação presente de consciência, um voltar-se para Deus, rearranjo do ser, uma nova caminhada. Para onde? Para quem? E, porque agora? A resposta dada por João é "... pois o Reino dos Céus está próximo.".

"MalkhuthaShammayin", título deste texto neste blog, quer dizer "Reino dos Céus", em hebraico. O conceito de Reino dos Céus é imprescindível para a compreensão de uma mensagem linda de esperança e fé para a salvação dos homens. Pregado por muitos como um "há de vir", um Reino para o futuro, o Paraíso do pós-morte, o Reino dos Céus perde seu sentido, sua beleza e sua essência transformadora e libertadora. A mudança de consciência (metanoiete ou metanóia) é do "já", imediato, hoje e agora, não é porque o "fim está próximo", ou se quisermos utilizar o linguajar do texto com esse objetivo, "o Reino dos Céus está próximo", caminhando a largos passos do futuro para o presente, mas porque este já se faz presente. O "MalkhuthaShammayin" não é um lugar, um espaço nem uma época, é uma CONDIÇÃO.

Uma transformação, arrependimento, da consciência traz ao homem a possibilidade de viver com os conceitos libertadores do Reino dos Céus. Hoje se faz presente em mim o Reino pois me arrependi (metanóia). "Hoje entrou salvação nesta casa", diz Jesus a Zaqueu quando este se arrepende, ou, transforma sua maneira de compreender a vida. "Dê tudo aos pobres e siga-me", era o que faltava ao jovem rico. "O Reino de Deus não está lá ou aqui, mas está entre vós", afirma Jesus quando questionado quando chegaria o Reino de Deus. E, aliás, quando questionado sobre a vinda do Reino em outra ocasião, Jesus também critica a pergunta afirmando que doentes são curados e as Boas Novas contadas aos pobres, e estes são sinais da presença do Reino de Deus, ou Reino dos Céus. Um Reino que não se espera e nem se estabelece em algum lugar por algum tempo, mas que é presente e contínuo, eterno, por ser uma condição entre os homens. A salvação que ligamos a presença de Deus no coração do homem e ao transbordar do Espírito Santo de Deus não são apenas metáforas relacionadas a uma vida religiosa ou prática de glossolaria e "poderes mágicos", mas sim a "vivência", a encarnação de um Reino dos Céus, ser condicionado pelos valores deste Reino.

Em Mateus 24, quando Jesus descreve a vinda do Reino em tempos difíceis, são destacadas as características daqueles que participam deste Reino (MalkhuthaShammayin), "tive fome e me deram de comer, tive sede e me deram de beber, estive preso e vieram me visitar, tive frio e me deram de vestir, estive doente e cuidaram de mim, fui estrangeiro e me acolheram em suas casas.". Uma condição de vida, uma maneira de viver. O tempo presente percorre todo o conceito de Arrependimento e Reino dos Céus. Não é uma relação de causa e efeito, "hoje faço A para amanhã acontecer B", mas sim "hoje vivo A pois desde sempre existe B". O Reino eterno de Deus é eterno e compreende a todos, o grande diferencial é a tomada de consciência deste Reino (metanóia) que possibilita a compreensão e a condição de parte do Reino. Não é a esperança de um algo que vem mais de um algo que existe. Ele é próximo, quer dizer, ele está. "... o Reino dos Céus está próximo".

Logo, concluímos que se o arrependimento não é uma nostalgia dramática, somos livres de uma culpa, pois o que fora feito está feito. A Graça que nos liberta da culpa é a mesma que nos traz luz a uma nova consciência, a de pertencente de um Reino, e agora não mais escatológico e pós-morte, mas presente e redentor. Se não haverá choro é porque hoje já cuidamos para que não haja choro. Se não haverá dor é porque no hoje já não queremos trazer a dor. O Reino é. Condição. Está. A grande questão fica no Arrependimento, se nós nos condicionamos ou não a viver em favor e cientes da presença do Reino dos Céus e seus valores. Se disser que Cristo vive em mim, é porque vivo os valores deste Reino hoje, quer dizer, busco um mundo melhor hoje. Passei por uma Metanóia, compreendi uma nova consciência, e vivo o MalkhuthaShammayin, sou condicionado pelos valores do Reino.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Fragmentos entre o medo e a paz

Porque do medo?
O medo faz parte da alma.

"A alma sabe mais do que devia, mas nunca sabe tudo o que precisa."

Luís Pondé

"A contemplar as multidões à sua volta, a encher-se com ocupações humanas, a tentar compreender os rumos do mundo, este desesperado esquece-se de si mesmo, esquece do seu nome divino, não ousa crer em si mesmo e acha demasiado ousado sê-lo e muito mais simples e seguro assemelhar-se aos outros, ser uma imitação servil, um número, confundido no rebanho."

Sören Kierkegaard

"Consequentemente, os homens só são capazes de reconhecer suas trevas raciocinando sobre desastres que não estavam previstos em seu caminho."

Thomas Hobbes

"Ninguém pode ver-se a si mesmo num espelho sem se conhecer antecipadamente, pois senão não é ver-se, mas apenas ver alguém."

Sören Kierkegaard

"Que o homem, voltado para si próprio, considere o que ele é diante do que existe; que se encare como um ser extraviado neste pequeno setor da natureza, e que da pequena cela onde se acha preso, do universo, aprenda a avaliar em seu valor exato a terra, os reinos, as cidades e ele próprio."

Blaise Pascal

"A consciência do pecado e a incerteza que nasce pelo sentido de culpa geram angústia."

Baptiste Mondin, sobre Kierkegaard

"Narrei-me à sombra e não me achei sentido.
Hoje sei-me o deserto onde Deus teve
Outrora a sua capital de olvido"

Fernando Pessoa

"Não confies em ti mesmo, mas põe em Deus tua esperança."

Tomás de Kempes

"Foi para a liberdade que Cristo nos libertou."

Paulo de Tarso

"Eu deixo-lhes a paz, a minha paz vos dou. Não a dou como o mundo dá. Não se perturbem vossos corações, nem tenham medo."

Jesus de Nazaré

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O silêncio

É muito mais fácil fechar os olhos, jogar as mãos para cima, os braços no ar e sentir o corpo pulsar acompanhando os bumbos e as batidas de uma "tecnera" bem louca do que se sentar. É muito mais fácil ver imagens, luzes, laseres e explosões em uma televisão do que parar frente ao nada. É muito mais fácil falar e estar sempre rodeado de outros seres falantes do que ouvir a própria respiração. O nada. Como é bom.

As vezes achamos que é muito mais cansativo e desgastante uma noitada arrastada aos risos e loucuras do que apenas olhar para o que se apresenta no silêncio. Não, muito mais cansativo é o olhar para o que se apresenta no silêncio. A incontável quantidade de cores absorvidas pelos olhos fixos em um ponto e os milhares de objetos que se movem e se confundem entre luzes e sombras são complexos demais e exigem muito de nossa concentração, percepção e sabedoria. Ocupam muito da nossa cabeça, é exaustivo. Ser obrigado a pensar, a perceber a realidade a ter consciencia do que está na nossa frente é duro demais para uma geração habituadas a apenas assimilar informações e não criá-las.

Talvez seja culpa de nossa maneira de educar as crianças, sempre dentro de padrões e paradigmas. Como um exemplo que ouvi recentemente: uma criança pinta o céu amarelo e o sol azul, é repreendida pelo professor pois o certo é pintar o céu azul e o sol amarelo. Acabamos de enterrar um Picasso ou Monet, já que agora ao invés de pintar como um desses gênios que quebram paradigmas, a criança pintará como um idiota qualquer. Sempre repita padrões, dê resultados, respostas, exprima e decore informações. Mais fácil ir ao Google para tirar a resposta da frente, apertar um botão, ouvindo uma música, falar com amigos combinando a próxima balada e sair sem nem desligar o computador ou perceber se a luz da sala ficou desligada ou acesa do que procurar bons livros, refletir sereno em algum lugar, descobrir as verdades nunca absolutas dentro de si.

Ou talvez seja a carência pelo incrível, sobrenatural o "super". Algo que me deixe entretido, vazio e estupefato sem exigir esforço. Filmes cheios de efeitos, músicas barulhentas e confusas, gritos, profecias, mantras e rituais difusos em templos e igrejas. Sem pensar, sem refletir, sem se sensibilizar com a realidade encontrar o que preencha mesmo que por pouco tempo minha ansiedade por algo maior.

Os "orientais" sempre trabalharam a importancia das meditações e do olhar para o interior. Os "ocidentais" contribuiram para a observação da realidade, do meio que os cerca, das relações com o exterior. E o que une essas duas pontas de um mesmo propósito (consciencia, conhecimento e expansão das "verdades") é o silêncio, o parar. Tirar um tempo para ouvir o que o todo tem a dizer, o que a vida tem a mostrar, o que Deus tem a falar. Sentir a necessidade e os anseios da humanidade em mim. Me sensibilizar para o outro e refletir do como posso contribuir e revitalizar o que está moribundo e em decadência. Tentar salvar em mim e no outro o que está em perigo.

Os religiosos fazem de tudo para falar com o divino. Ritos, exercícios, danças, músicas e discursos que tentam "mover" o divino em favor dos mortais que sofrem. O problema é que em todo esse trabalho não se dá atenção e espaço para o conselho e a resposta que o divino tem para dar. O silêncio de Deus não é mudo, é a resposta. O silêncio de Deus dá voz ao clamor dos homens e abre espaço para que quem sofre peça auxilio e seja socorrido por seu irmão. "O mesmo Deus que estava em Cristo está em nós", dizia Amaurico de Benna. Todos esperam pela resposta de Deus, e esta é o silêncio para que quem encontrou este Deus em si responda em Seu nome.

Jacó encontrou Deus quando lutou consigo no relato de Gênesis. Elias dentro de uma caverna viu fogo, viu terremoto, viu vendavais e furacões, mas Deus apenas foi percebido na brisa, no ar com um sutil movimento, como conta o mito dos livros dos Reis. No silêncio, no caminho para si e para o outro, na percepção da realidade, na percepção da humanidade, encontramos Deus. No sentar, no respirar, no aquietar percebemos as verdades nunca absolutas que respondem em seu tempo e seu contexto os anseios e necessidades dos homens. Mais difícil é abrir os olhos e se deixar tomar pelos pensamentos sobre a vida do que levá-la sem nunca parar. A vida bem aproveitada não é aquela cheia de compromissos e atividades, mas aquela que participa da Vida, do todo, e busca gerar mais vida, concertar o que está errado, buscar respostas e viver para o outro, não apenas para si. Pensar no outro, não pensar apenas em si. Mas para isso, é preciso ouvir e estar atento para o outro, para o que acontece, para a realidade. É preciso ficar em silêncio.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Pra quê Deus?

Talvez esse seja o tipo de pergunta que levante os cabelos dos crentes ou as saias das irmãs das igrejas mais tradicionais. "Como assim pra quê Deus? Ora! Pra tudo!". Deus hoje de fato é para tudo, funciona mais ou menos como um horóscopo ou um guru: "Que desejas saber do sábio Guru Deus, meu filho?" - "Esteja atento pois hoje perceberá uma mudança que talvez queira muito ver". Pergunta-se para Deus se é de Sua vontade que se abra um negócio ou não, se faz vestibular ou compra uma bicicleta, se se casa com Mariazinha ou Joana, e no fim com nenhuma das duas pois já estão comprometidas. O que nos leva para uma outra função de Deus, o "Atendedor", aquele que ouve nossos desejos e realiza, o gênio da Lâmpada de Alladin. "Senhor, que Mariazinha deixe Paulo pois nós dois sabemos que ela casar comigo é que é de Tua vontade...".

Deus tem ganhado muitas funções e atribuições que não lhe competem. É mais ou menos um amigo meu que estuda jornalismo a 3 anos e hoje trabalha em um jornal como estagiário, sua grande função não é acompanhar e ajudar nas editorações, edições, correções ou seja lá mais o que for, é pegar café e buscar os filhos da jornalista que o supervisiona na escola. O Deus ao qual somos gratos simplesmente por ser bom como diz o Salmista não é suficiente. Nosso Deus agora precisa de atualizações e upgrades; precisa ser ágil, ter muitos funcionários a disposição de seus clientes (os fiéis) que inclusive já não são simples clientes, mas os chefes. "Deus eu te ordeno"

Assistindo televisão vi um homem que se dizia pastor e pregador, ele é bem conhecido, parece com o Tevez, só que sem cicatriz e com os dentes mais arrumadinhos, que enquanto falava explicava a Deus onde Ele deveria colocar os anjos e querubins no templo. Claro, porque Deus deve ter perdido a prática de guerra, está desatualizado em posicionamento tático e estratégico de seus soldados para combater as forças do mal (mais uma atribuição a Deus, super-herói). Sem levar em conta que Deus não precisa de conselho e que não há essas batalhas espirituais ezquisofrenicas, é um tanto quanto petulante o Tevez evangélico querer ter o poder acima do Todo-Poderoso.

Bom, mas se Deus não for para curar, obedecer nossas orações, guerrear com o Diabo e ser forte nas batalhas espirituais, salvar seus queridinhos seguidores com exclusividade, proteger os evangélicos... Pra quê Ele serve, oras? E o interessante é que de fato Deus não cumpre com nenhum desses papéis que descrevi ironicamente. Deus não cura um e deixa de curar outro. Deus não favorece os de fé cristã e pesa a mão aos outros homens. Deus não está esperando sua oração para "agir". Deus não é adivinhador do futuro. Deus não precisa de mim nem de você. Deus não entra em desespero quando você peca. Deus não faz festa quando você não peca. Deus não está em guerra com o Diabo. Deus não está em guerra com os homens. Deus não abre porta (e muito menos onde não tem parede como diz uma música que ouvi esses dias).

Milagreiro, curandeiro, gênio da lâmpada, mago, feiticeiro, rezadeira, Zeus, Xiva, Napoleão Bonaparte, George W. Bush e talvez o Diabo façam essas coisas. Deus não, está para além disso. Daí surge a provocativa pergunta que está no cabeçalho deste texto irônico e sarcástico. Conversando com um colega de seminário, apresentando essas funções que atribuímos a Deus mas nada tem a ver com Ele, ouvi a célebre pergunta: "Então, pra quê Deus?"...

Nossa relação é tão pagã e capitalista com Deus que não percebemos outra função para Ele que não seja colaborar com nossos desejos. Se nada ganho em ser cristão e crer em Deus, se Ele não me favorece e se não interfere no mundo, pra que Deus? A pergunta feita deve ser outra: "Pra quê você?"

Imaginemos um Deus auto-suficiente, perfeito, completo, eterno, infinito criar um mundo que só o trará dor de cabeça? (Deus não tem cabeça, é uma antropomorfização de Deus para que compreendamos o conceito). Pra que que eu existo? E aí encontramos a grande resposta: "Pra que Deus? Para que eu exista". Se compreendo que existo, vivo e me movo por Ele (Paulo diz isso, é então bíblica a idéia), a Sua existência é para que eu aprenda a viver Nele. Compreenda o que é a vida e saiba vivê-la intensamente. A chamada Vida Eterna é eterna, desde sempre e para sempre. Se minha existência tem sentido é por causa de Deus, que me apresenta uma vida eterna e verdadeira que me aproxima Dele e me traz algo que é maior e melhor que tudo: Ele.

Pra que Deus? Por Ele. Porque o sigo? Porque Ele é Ele. Um passo de fé única e exclusivamente porque sei o quanto é bom, misericordioso e amoroso. Se existo é por causa Dele. Se encontrei a vida e a Vida, é por causa Dele. Se amo e sou amado é por causa Dele. Sou grato por Ele. Vivo por Ele. Ele por Ele. Deus por Deus. Te tenho e isto me basta...

Talvez uma origem do mal

Se Deus é o Criador, tudo se fez por meio Dele. O tudo de fato tem que equivaler a Tudo, o todo, todas as coisas. Se essa máxima for verdade, qual seria a origem do mal? Deus? Pensado isso, desviamos o olhar e negamos essa possibilidade. Pois, se Deus é bom e detesta o mal, como criaria o mal? Será que o mal é um mal necessário? Jamais. Na prática, indifere a todo ser saber a origem do mal, já que todos sofrem com o mal, tem conhecimento do mal e convivem com o mal. Na teoria, conceber um Deus infinitamente bom que cria o mal não faz sentido. Estabeleçamos então uma linha que una a prática a teoria e construa um caminho que aponte uma origem para o mal não para a construção de uma nova teologia, uma nova teoria ou um novo ritual religioso que nos afaste do mal e do sofrimento, mas para que nos ensine a lidar e ensinar o como se trabalhar o mal.

Partir do pressuposto que somos todos maus, pecadores e geneticamente "sujos" por causa de um fruto experimentado num Paraíso terrestre no princípio de tudo é ingenuidade. Primeiro por ser um mito, uma alegoria, que fora escrita para passar valores culturais e religiosos, não explicações fatídicas, jornalísticas e científicas. Segundo porque ninguém pode ser culpado de cometer maldades se estas não forem compreendidas como maldades por aquele que as pratica, quer dizer, se existe ignorância sobre um fato, não se pode culpar o ignorânte até que este tenha ciência. e uma consciência sobre bondade, maldade e pecado para que seja cLogo, nenhum homem pode ser visto como pecador e mal apenas por ser homem, precisa antes ter uma bagagem cultural onsiderado assim. Para não perder o foco da reflexão, a "origem do mal", não prender-me-ei em definir estes conceitos e nem entrar em questões morais.

Então, se aquela primeira idéia da maldade ser resultado da chamada "Queda", "Pecado Original", precisamos rever a construção teológica. Comecemos pensando no Criador; criou tudo e é em si completo, eterno, infinito, suficiente, independente, todo-poderoso, bom, fiel, justo e sempre o mesmo. Se partimos do princípio que Deus é bom e rejeita o mal, Nele não há mal. Para que haja mal portanto, é necessário que exista um espaço que Deus não interfira ou preencha. Um espaço sem Deus. Chamemos de "Espaço Ateu". Se Ele preenche a tudo, não existe este espaço. Entretanto, se nós existimos e não somos Deus, logo, Ele permitiu que existíssemos, abriu um "buraco" em si para que viesse existir o Universo. Fazemos "parte" de Deus, estamos em um lugar aberto por Deus em Deus. Nisso, o "Nele, por Ele e para Ele" ganha um novo significado. Mas sem Deus, não há vida. Logo Ele também deve estar de alguma forma dentro de sua Criação, pois se estivesse por si só não haveria vida. Resumindo: A Criação existe pois Deus abriu espaço em Si para a sua existência mas só há vida se Ele estiver de alguma forma fazendo parte dela.

A vida em si é a interação divina criadora com sua criatura. Mas o todo criado por Ele tem que ter algo em que Ele não toque para que haja espaço para o surgimento do mal. Um ser especial que seja capaz de contradizer todo o paradigma ou padrão que permeie as coisas criadas. Dentro de toda a Criação encontra-se um ser diferenciado (não por ter algo a mais, mas algo a menos: é incompleto). Não compreende o padrão e a ordem que equilibra e encaminha a vida. Tudo sempre está em equilíbrio e busca o equilíbrio, a vida sempre se renova e incentiva para que haja mais vida exceto esse ser especial, incompleto, o ser humano. Nesta criatura há o espaço que Deus não toca, que não mexe por sua própria vontade: o livre-arbítrio. A capacidade de decidir o que quer, quando quer e buscando meios de conseguir o como quer, dá ao homem a habilidade de contrariar a Deus e sua perfeição. Se há um "Espaço Ateu", capaz de gerar o oposto a Deus, o mal, é o livre-arbítrio humano.

A maldade torna-se um produto única e exclusicamente humano. Agir contra a vida é uma capacidade única e exclusivamente humana. Ao passo que Deus aconselha e explica por suas pistas de bondade e vida o como manter a vida boa e sempre em ascensão, o homem cada vez mais consegue explorar sua liberdade e gerar o oposto ao divino. Entretanto isso não gera uma rivalidade entre Criador e criatura, pois o Criador misericordioso, amoroso e bom não interfere no livre-arbítrio da criatura mas sempre o incentiva a tentar expandir sua consciência e caminhar em direção ao divino e não se destruir levando consigo todo o resto (um colapso da Criação).

Uma visão dual de mundo e de divindade não se encaixa mais a este tipo de construção lógica. O mundo passa não mais a ser disputado por duas divindades ou condenado ao fim ou ainda assistido por uma divindade distante que apenas espera que tudo se acabe, mas, pelo contrário, apresenta-se agora um Deus que faz parte de sua Criação, caminha com ela e permite que ela se construa. A expansão da consciencia de suas criaturas implicaria em uma percepção do divino e a busca por um caminho que gere vida e torne a criação completamente parte do divino. O espaço aberto para a existência das coisas e o livre-arbítrio devem seguir para a sintonia com o divino e encontrar então o que é denominado Reino de Deus, estar na presença de Deus. O "Nele, por Ele e para Ele". Um Deus Imanente e Transcendente ao mesmo tempo. Apresenta-se em sua Criação mas permite que ela exista por si.

A responsabilidade da existencia do mal ser humana, compete agora que o remédio também surja ou exista a partir da própria humanidade. A natureza humana então não se define boa ou má, mas simplesmente humana. A construção e expansão de sua consciência que decidem sua natureza. O querer o bem ou o mal é decisão do homem. As relações de salvação e tudo mais tem de ser refeitas e reinterpretadas agora, pois o homem como um todo e não apenas como indivíduo tem responsabilidade para com o todo e não apenas para si. A antiga percepção de uma redenção coletiva e não individual volta a cena e monta um novo: o homem procurando Deus e este sempre estando embaixo de seu nariz. Trabalhar a maldade agora não é uma luta contra um terceiro (o velho Diabo) nem contra potestades imaginárias, mas contra atitudes e maneiras de se viver humanas, que destróem a vida e distanciam o homem de Deus.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Alice no País das Igrejas

Seguindo pela rua cinzenta e estreita de Londres, Alice com seu vestidinho branco mais avançados do que seus poucos 9 anos de idade caminhava para a padaria a pedido de sua mãe. Com o dinheiro exato para a compra dos pães, guardados em sua pequenina bolsa alva com pequenos detalhes de rosas bordadas à mão, dobrava a esquina saltitando em seu mundo infantil de imaginação que contrastava com sua vestimenta.

O vento sul soprou forte. O equilíbrio nos leves saltos ficou comprometido, as mãos foram obrigadas a segurarem a barra do vestidinho branco e o chapéu azulado saiu dançando de acordo com a música cantada pelo sopro do vento sul. Alice pôs-se a correr atrás do chapéu, como explicaria a sua mãe o sumisso deste na volta para casa? Melhor seria chegar uns minutos atrasada do que levar uma bronca de horas. Corria pulava em direção do objeto que ironicamente insistia em dançar com o vento e ao mesmo tempo brincar de pega-pega com a menina. "Esse chapéu há de ver comigo!", pensou Alice, "Ficará de castigo uma semana ou mais dentro do armário!".

Rodopiou, ascendeu, giro, planou e pousou pendendo para a direita e passando por entre duas grandes portas de vidro. Alice com os olhos tão fixados no chapéu nem reparou no único degrau que separava a porta de vidro da calçada. Deu de queixo e cotovelos no chão. Abriu os olhos e bem a sua frente estava ele, o chapéu fujão. Irritada, levantou, deu uns tapas e uma sacudidela nos joelhos e arrancou com a mão direita o chapéu do chão. Retornando os olhos para o ambiente em que se encontrava, a garotinha se viu dentro de um salão grande e retangular, com um corredor comprido delimitado por fileiras de bancos de madeira. Ao que parecia, contornavam a parte superior do salão galerias com mais bancos de madeira. "Vazio demais para ser uma casa e sem graça demais para ser uma igreja".

Alice, por curiosidade e inocência de criança, seguiu para o fundo do salão. No final do corredor, tinha um pupto de madeira, que por não saber o nome do objeto, Alice apelidou de "Mesa Para Ocupados", imaginando que só utilizaria uma mesa daquela que estivesse com tanta pressa que não pudesse contar nem com o tempo de se sentar fosse; para ler, estudar ou comer. Que dirá então conversar! Admirada com aquele espaço imenso, queria descobrir qual tipo de pessoa vivia naquele mundo.

De uma porta discreta na parede direita da grande sala saiu um homem bem vestido, engravatado com ar de imponente e nariz de importância que caminhava como que sobre nuvens. Demorou um pouco para reparar na presença da menina, mas quando a percebeu logo perguntou:
- Que queres?
- Pegar pão - respondeu Alice.
- Aqui não é padaria e hoje não é dia de Ceia. Aliás, mesmo que fosse, para participar da Sagrada Comunhão é necessário que seja membro de nossa comunidad não criança e e batizado nas águas. A meu ver, você não se encaixaria em nenhuma dessas condições.
- Que comunidade? Não vejo ninguém aqui... - indagou a menina.
- Nós nos reunimos apenas aos domingos. - retrucou o homem com pouca atenção.
- Uma comunidade que só se vê uma vez por semana... Estranho né?! O que é "Salada Comunão"?
- Sagrada Comunhão! - corrigiu o homem - É a reunião dos santos da igreja para comer o pão e beber o vinho.
- O que é um santo?
- É quem não comete pecados. - respondeu o homem com um tom "sagrado".
- E quem é que não comete pecados? - insistia a curiosidade de Alice que nada compreendera até então.
- Apenas Jesus não cometeu pecados menina, nunca aprendera nada? - perguntou o homem já impaciente.
- Então só esse Jesus é que come pão e bebe vinho? Lá em casa meus tios fazem sempre...
- Não! - interroumpeu-a severamente o outro agente da conversa - Todas as pessoas da igreja participam da ceia... Desde que sejam da comunidade, não crianças e batizadas nas águas...
- Ai! Muito confuso tudo isso. - reclamou Alice. - Mais prático o ano novo e as festas em minha família, que além de pão tem muita comida, muito doce e todos os meus tios bebem bastante vinho! É muito engraçado e divertido!
- É errado beber bebidas alcoólicas, como é o vinho. Apenas na cerimônia da ceia. - advertiu o homem.
- Não entendo...
- É muito complicado para uma menina da sua idade compreender. O seu mundo ainda é muito simples e sem problemas. Por isso não entende. - explicou o homem.
- Como assim sem problemas? - indignada por ter sido chamada de criança com um tom de ingenuidade. - O meu primo Caio esses dias derrubou todos os meus laços de cabelo dentro da lata de tinta branca! Agora fica difícil combinar minha roupa com outra que não seja branca! Sem contar os meus gatos que brigam todo o dia e a minha irmã mais velha que tem roubado minhas bonecas para me "forçar crescer". São sérios problemas! Como conseguir novos lacionhos se não trabalho? Como fazer meus gatinhos virarem amigos e serem bonzinhos um com o outro? Como conseguir brincar de boneca e ao mesmo tempo crescer? Não são coisas simples, o senhor não sabe como é!
- Sei sim. Sou pastor e aconselho pessoas com problemas iguais ou piores todo dia, minha jovem. - respondeu o homem ressaltando seu nariz de importância.
- Se aconselhar? Aqui é um consultório de piscicólogia? Minha tia é piscicóloga, não sei bem o que é isso, mas sei que no consultório dela um monte de gente vai para se aconselhar... - observou a garotinha.
- Não. Aqui é a casa de Deus, uma igreja. As pessoas vem para adorar a Deus e pedir que Ele cuide dos problemas delas.
- Elas pedem e Deus responde?
- Sim. Não é preciso de mediador nenhum agora que temos Jesus.
- Então para que o senhor aconselha?
- Porque as pessoas vem atrás de ajuda para os problemas.
- Mas elas não vem para pedir isso para Deus e Ele responde?
- É... é que... é necessário bastante fé... e eu... ajudo as pessoas em sua fé. - respondeu o homem agora sem o nariz de importância mas a sobrancelha de incerteza.
- Cada vez esse lugar fica mais confuso... - reclamou novamente Alice.
- Venha, eu vou te mostrar porque apenas palavras e raciocínios não são suficientes para a fé... existem mistérios também... - retornando o homem a um tom de sagrado.

O homem levou Alice para a porta de onde acabara de sair e adentraram num quarto cheio de muletas, cadeiras de roda e algumas fotos.

- Está vendo menina? - perguntou o homem com o ar de imponente.
- Sim. Parece um estoque de hospital! Uma vez tive que usar muleta por um mês quando quebrei a perna...
- Pois essas muletas ai são de pessoas que foram curadas de seus problemas por Deus e deixaram ai.
- Problemas? Mas as muletas ajudam muito! Eu sem elas com a perna quebrada não conseguiria caminhar nem andar, e depois de um mês já estava bem de novo... nem precisei vir aqui. - sorriu a criança.
- Estas são de pessoas que nunca puderam andar ou estavam com graves doenças menina! Coisa séria! Milagre que Deus faz!
- Mas a maioria parece estar nova senhor... Não era melhor ajudar pessoas que precisam destas coisas? Entregar essas coisas num hospital ou algo assim para distribuirem para quem precisa sabe?!
- Não garota, o idela é que ninguém mais usasse coisas! Ai estaria o milagre! - bradou com orgulho o homem.
- Mas se ninguém mais usar, quem precisa não poderá andar! Como ficarão os doentinhos? E eu se quebrar a perna de novo? - refletiu a menina.
- Você não compreende o Poder de Deus!
- E como funciona?
- É simples. Se você é fiel, tem uma vida certinha, segue os Caminhos do Senhor e entrega uma parte do seu dinheiro para Deus todo mês, tudo na vida vai bem e começa a fazer parte do Reino de Deus!
- Ah! Estou começando a entender! Se agente promete fazer parte da comunidade e não sai dela, ai faz o que ela pede, paga o aluguel para o dono do salão que é esse tal de Deus, ele paga as nossas contas e as consultas no médico! O senhor fala bastante por "metáforas" né?! Eu ainda sou novinha para compreender essas linguagens esquisitas, mas sou esperta e consigo decifrar esses enigmas! É que leio bastante. Ah! E sem falar no pão e no vinho (que não pode beber). - exclamou Alice com entusiasmo.
- Menina, acho que já deu o seu tempo aqui! Está já a profanar e insultar a igreja do Senhor! Vá-te embora comprar teu pão na padaria e só volte o dia que for se arrepender dessas idéias e da sua petulância! É pecado dizer o que disse! Vá-te comprar teu pão!

Alice se lembrou que deveria ter comprado pão. Saiu correndo assustada pela cara feia que o homem lhe fizera e principalmente pela cara feia que sua mãe faria quando chegasse muito atrasada em casa. Passou pela porta de vidro, saltou o degrao, dobrou a direita e segui rápido para a padaria. Chegando lá, entrou na fila do pão, suspirou e refletiu: "De todas as minhas aventuras e países que conheci acho que este foi o pior. Não sei se porque este fora real ou porque fora tão imaginário que não compreendera o porque estivera lá. Ou pior, o porque ainda pessoas vão lá."

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Música - Pela ceia

Se hoje sou grato é por causa de Cristo
O Verbo encarnado pelo qual existo
Deus esvaziado, humano comum
Crucificado sem pecado algum

E hoje todos nós
Em uma só voz
Viemos celebrar
E em Cristo sim cear
Num Corpo só

Manifesto de minha contribuição (Máximas de Nietzsche II)

O dia em que pararmos de nos perguntar "até onde vai a liberdade?", saberemos o que é liberdade. Se Nietzsche estivesse vivo, diria que esta geração começou a compreender este conceito, pois, como cita em seu livro "Para Além do Bem e do Mal", "Aquilo que é feito por amor, faz-se para além do bem e do mal".

Na procura do certo e errado, do "pode e não pode", criamos muros e cabrestos que não geram vida, mas aprisionam corações. Quadraro, gélido e pretrificado fica o ser, sempre acorrentado à regras que se dizem de "boa fé", "bons costumes".

Mas, se foi para a liberdade que Cristo nos libertou, não faz sentido carregar fardos que não competem a ser livre. Se o conjunto de leis que chamamos de doutrina (e às vezes até adjetivamos de "sã") são capazes de nos dar a Vida, onde se encaixa pela graça sois salvos? Ou sua fé não vem por obras mas é dom de Deus? Simples resolução: a letra mata, mas o Espírito vivifica...

E é nesse Espírito, livre, que encontro minha contribuição: ser servo. Numa geração livre, num amor que vai além do bem e do mal, do certo e do errado, e se encarna para nos dar a Vida. Servo de Cristo, que foi livre, ser humano, tão humano que se tornou divino.

Servo como Paulo, a ponto de servir minha geração ousando dizer: "Sede meus imitadores como sou de Cristo". Servo de um amor que gera fé, esperança. Uma fé madura, que cresce com a liberdade ao invés de morrer dentro de quatro paredes doutrinárias.