quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Devo crucificar o rei de vocês?

Trechos de João 18 e 19:

"Pilatos então voltou para o Pretório, chamou Jesus e lhe perguntou: 'Você é o rei dos judeus?'
Em resposta, perguntou-lhe Jesus: 'Essa pergunta é tua ou outros te falaram a meu respeito?'
Respondeu Pilatos: 'Acaso sou judeu? Foram o seu povo e os chefes dos sacerdotes que te entregaram a mim. Que é que você fez?'
Disse Jesus: 'Meu Reino não é deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me prendessem. Mas, agora, o meu Reino não é daqui.'
'Então você é rei?', disse Pilatos.
'Você que está dizendo', respondeu Jesus, 'De fato, por esta razão nasci e para isto vim ao mundo: para testemunhar da verdade. Todos os que são da verdade me ouvem'.
'Que é a verdade?', Pilatos perguntou e saiu novamente para onde estavam os judeus [...]
'Querem que eu solte o rei dos judeus?' [...] 'Devo crucificar o rei de vocês?'"

Existem perguntas que não fazem sentido para uma experiência de Fé. "Que é a verdade?", por exemplo, é uma pergunta que não encontra espaço nas experiências cristãs. A resposta para uma pergunta como essa está escondida na ponta da língua: "Jesus". "Qual o caminho?" ou "O que é a vida?" também não fazem parte  das investigações de um cristão: "Jesus" é a resposta para essas perguntas. Aliás, na experiência de Fé cristã Ele é a resposta para todas as inquietações, para todas as angústias. Se não devemos ter preocupações que nos roubem o sono, é porque devemos entregar a Ele nossas angústias e descansar. "Jesus", a resposta pronta para a pergunta.

Tudo bem, temos uma resposta. Isso não é problema. A dificuldade está no passo verdadeiramente importante: o que faremos com ela? Agora sim encontramos uma pergunta que cabe em nossos encontros com Cristo. Pilatos sabe essa resposta, entendeu o que seria respondido na conversa com Jesus. A questão que lhe tiraria o sono era: "o que fazer com esse homem? O que faremos com o 'rei dos judeus'?". Quando ele pergunta se Jesus é rei, a resposta é maravilhosa: "Você que está dizendo...". Exatamente! A resposta já demos, o problema é: "o que faremos com ela?"

A conversa entre Jesus e Pilatos me deixou encantado, pois, antes de ser assassinado publicamente por causa da Lei, Jesus se encontra com governante que descobre em sua conversa com Cristo que suas ações tem um valor muito maior do que as justificativas dadas para elas. Jesus não tem o título de rei, mas, é reconhecido como um por como Ele vive, por quem Ele é. Jesus não precisa argumentar sobre sua inocência, pois a maneira como age é inocente. Jesus não precisa falar sobre a verdade, Ele testemunha ela. Jesus não precisa provar o que é verdade, pois, aquilo que vive é verdadeiro. Pilatos percebe essa sutileza em seu encontro com Jesus, e quando pergunta "Que é a verdade?", não quer saber da resposta - pouco importa -, ele a encontrou no testemunho de Cristo. Para Pilatos o que efetivamente tinha valor era "querem que eu solte o 'rei dos judeus'?"

A verdade estava dada, mostrada, experimentada, viva. "Devo crucificar o rei de vocês?", aí sim! Essa pergunta cabe em nossa experiência de Fé com Cristo. A reação daquele que é discípulo, que se permitiu ouvir a verdade testemunhada, é de prontamente gritar "não!". Talvez, quem sabe, até sacar uma espada e correr para cortar as orelhas daqueles que o prendem para não ouvirem a pergunta, para não tentarem crucificá-lo. E é, mais uma vez, nesse instante, que a verdade é testemunhada por Cristo: reconstitui a orelha daquele que fora ferido por seu discípulo e ensina a necessidade da liberdade, de um Reino que não se conquista lutando contra carne ou sangue, que se permite a maldade de quem deseja matar Deus. Não corte a orelha de quem me prende, mas, tente testemunhar a verdade do Reino que não é deste mundo.

As perguntas sobre a verdade, o caminho, a vida, Deus, amor, liberdade, eternidade e etc, são perguntas para as quais temos a resposta: Jesus. O fundamental da experiência com essa "resposta" é entendermos que ela não é um som ou sinais escritos, mas, uma pessoa, carne, gente. É material, usual, funcional. Pão que se come, água e vinho que se bebe. Jesus é uma experiência de vida, experiência verdadeira de Fé. Assim sendo, a pergunta que faz sentido para essa experiência é: "o que faremos com o Cristo?", "devemos crucificar nosso rei?". Nossa experiência é do Cristo vivo, e vivo não procura uma boa resposta, mas, vive aquilo que crê ser uma boa pergunta.



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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Esquecimento...

É muito comum falarmos sobre "natureza humana" ou "essência humana", "aquilo que nos faz seres humanos". Procuramos uma característica que seja extremamente específica de "humanidade" e, ao mesmo tempo, que faça parte de "todos os seres humanos". O problema de definir uma característica de "natureza" ou "essência" humana é que se escapar a alguém essa característica específica, esse alguém não será considerado humano. Assim acontece com a relação entre povos que se odeiam, etnias, racismo, machismo, disputas de gênero, sexualidade, escravidão e aí por diante. Se não há correspondência entre pessoa e característica da "essência humana", uma pessoa deixa de ser "humana".

Sem levar em consideração a própria tentativa de se definir "humano", pragmaticamente e com muito sentido, a possibilidade que minimizaria problemas de generalizações seria o abandono da tentativa de encontrar a "natureza humana". Apesar de abrir mão dessa busca, farei pretendo propor uma metáfora, quem sabe um mito, sobre a "essência humana". Nessa minha tentativa de criar uma metáfora ou mito de qual seria a natureza humana, eu afirmaria, ou melhor, afirmo: o que me fez humano é a capacidade de "esquecer"...

Diferente de máquinas, sou capaz de esquecer, perder a memória, alterar as recordações, misturar informações. Me esqueço. Não sofro de uma "perda de memória" recente ou coisa do tipo, realmente esqueço e sou capaz de esquecer. Esqueço que mulheres não tem caudas no lugar de pernas, esqueço que é absurdo um cavalo voar ou um peixe virar gente em noites de lua cheia. Esqueço até de minha habilidade de esquecer! Esqueço que não sou super-poderoso e esqueço que não sou fracote. Esqueço de quem é humano e quem não é. Esqueço do tempo e às vezes esqueço de esquecê-lo.

Esquecer; essa é nossa característica, aquilo que nos move. Saber que seremos esquecidos ou que somos esquecidos é angustiante, desesperador! E depois de minha morte? Esquecerei de minha vida? Esquecerão de minha vida? Não quero esquecer e nem que me esqueçam. Doenças que degeneram neurônios e perturbam o funcionamento da memória são o extremo dessa angústia - são a História humana encarnada: a vida construída por esquecidos.

A perfeição de nossos instrumentos, nossas máquinas, nossas crenças, religiões, filmes, trabalhos, exercícios científicos não podem esquecer, mas, nós, podemos. Aliás, o fazemos. Esquecemos. Exatamente por esse contato com o esquecimento que dependemos de experiências de Fé, de confiança em algo que não se esquecerá de nós. "Deus não se esqueceu de nós...", essa é uma mensagem de libertação, de salvação. Inclusive, como cristãos, nos relacionamos profundamente com o esquecimento. Jesus, o Filho de Deus, a experiência de que Ele não se esqueceu de sua Criação, que participa de sua História construída pelos esquecidos. "Fazei isso em memória de mim": não deixem a Mensagem de esperança na eterna lembrança de Deus morrer. Até podemos matar o Filho de Deus e nos esquecermos disso, mas, Ele, não se esquece de Suas promessas, é fiel. Então, somos convidados a sermos fiéis também: tentarmos romper com uma humanidade qualquer e experimentarmos algo divino, o não esquecimento...



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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Porque escolhi?

Ultimamente tenho pensado bastante sobre o porque escolhi o que escolhi, ou melhor, sobre o que tenho feito à partir das minhas escolhas. Especificamente, tenho pensado nas escolhas que pude fazer na tentativa de criar uma estória interessante que contarei aos meus netos sobre minha "carreira profissional". Tenho pensado muito nas funções que certas profissões exercem ou deveriam exercer, os propósitos de determinadas faculdades e disciplinas, a exploração de certos trabalhos, a apropriação de outros, a malandragem de todos, etc. Na minha caminhada, escolhi como faculdade (até agora) Ciências Sociais, Teologia e Filosofia, sendo que apenas conclui (ou estou prestes a concluir) as últimas duas. Pretendo fazer mestrado, doutorado e qualquer outro "rado" que surgir como oportunidade. Entretanto, o que tenho pensado é: "para que servem esses estudos?", "quais suas funções em minha relação com eles?"

Depois de um tempo experimentando desses estudos, exercitando meus desejos, experienciando minha caminhada com eles e suas relações com os outros, percebi algumas coisas e decidi torná-las públicas. Pois bem, quanto à Filosofia, gostei de poder compartilhar das posturas de dois caras completamente diferentes: Zizek e Rorty. Zizek disse que como filósofo, ele não poderia dar respostas, mas, corrigir as próprias perguntas que fazemos. Já Rorty colocou a filosofia de um jeito bem diferente e, recortando muito suas propostas, diria que ele coloca a razão - talvez o instrumento filosófico - como organizadora de nossas crenças para que elas tenham coerência. É, escolhi Filosofia porque quero produzir perguntas que sirvam de instrumentos úteis para nossas adaptações e para a maneira como lidaremos com nossos problemas, com nossas relações e nossa maneira de nos adaptarmos e nos relacionarmos com nossas experiências. Corrigir perguntas significa assumir a impossibilidade de encontrarmos a verdade, a resposta para nossos problemas. Significa ter que nos adaptarmos aos problemas, dissolvê-los com novas possibilidades de problemas. Significa, por fim, que precisamos reorganizar nossas crenças, corrigir a maneira como as estruturamos. Isso caminha junto com Rorty, isso me leva a outra escolha: Teologia.

Creio ter escolhido e me apaixonado por Teologia por sua função muito peculiar: partir de um pressuposto de Fé - que, no caso, seria Deus. Quando falo sobre Filosofia, reorganizo as perguntas, proponho problemas, balanço as crenças com uma coerência insuficiente - desorganizadas -, ouço a seguinte questão: "mas, e você? O que pensa a respeito?". Bem, quando alguém me pergunta o que penso a respeito de algo, eu ouço: "em que você acredita? Pois preciso acreditar em algo também...". Nem que seja crer que a crenças não fazem sentido algum nunca, parece que todos estamos sedentos por crer em algo, em alguém. Seja no Corinthians, na Igreja, no Pastor, Rolling Stones, Obama, Gandhi, Hitler, Filosofia, Razão, Buda, Absoluto, Deus, Jesus ou que é certeza que a água ferve a 100 graus Célsius ao nível do mar dentro de condições ideais de pressão e etc, buscamos alguma coisa para acreditar. Teologia parte desse ponto, aceita como máxima essa relação estranha que temos conosco ou com alguma outra coisa que dizemos não ser nós. Perceber que em diferentes circunstâncias e relações optamos por diferentes crenças e diferentes perguntas, me fascina, me enche o peito de medo, ânimo, esperança e inquietação.

Por um lado faço perguntas, por outro apelo para uma falta de "embasada" (correta) resposta. Por um lado sou movido por problemas, por outro por crença de que alguma solução é possível. Organizo, abro mão da organização. Corrijo, abro mão da correção. Acho que escolhi porque creio em mudanças. Não em solução de problemas indefinidamente, mas, em mudanças. Os problemas mudam, as soluções mudam, as relações mudam, as possibilidades mudam, minhas crenças mudam e parece que nunca será satisfatório. O importante é que será necessária uma crença, uma aposta. Escolhi porque creio, escolhi porque apostei. A pergunta que seria "qual o propósito da vida?", eu substituiria: "em que tens crido? Qual a tua aposta?"


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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Que é que tem a religião?

Tenho um amigo que diz que só existe mal no mundo porque existe gente. Não, ele não quer dizer que as pessoas são más e que o mundo sem elas seria bom, mas, que só existe a constatação do "mal" porque a "gente" é capaz de se relacionar com o mundo dizendo "isto é mal". Entende? Conosco ou "sem-nosco" (eu sei, trocadilho ruim) o mundo continuaria mundo - nem bom e nem mal, apenas mundo. A questão é que em nossas relações experimentamos o mundo e lhe damos nomes. Isso não me incomoda; o que me preocupa é quando esses nomes ganham mais vida do que as nossas relações com o mundo, quando damos mais valor para os nomes do que para a "gente".

Vejo muitas críticas e reclamações com o "mal do mundo" relacionando-o com a Religião - qualquer que seja. O problema não é criticar as relações justificadas pela religião, mas, lidar com a Religião como se fosse o "mal do mundo". Seria o mesmo que ler a frase que meu amigo diz e afirmar "o mundo seria muito melhor sem a gente" ou "sem humanos". É um problema sério quando nos apegamos aos crachás que as pessoas utilizam para se identificar ao invés de nos apegarmos ao próximo. Aqui caberia bem uma imagem religiosa: o samaritano ajudando um judeu na parábola cristã. Se ao invés de fazermos críticas às maneiras como nos relacionamos, nós nos preocupamos mais em levantar bandeiras contra crachás e guerrearmos em nome disso, paramos de nos responsabilizarmos pela maneira como "o mundo está" nos escondendo atrás de uma boa justificativa: a luta por uma bandeira, nossas ações chanceladas pelo Espírito, Bem-Comum, Felicidade, Deus, Razão, Absoluto ou qualquer outra palavra a qual nos apegaremos mais do que a pessoas.

Na verdade, se nos viciamos em nos apegarmos a uma palavra mais do que a uma pessoa uma vez, aprendemos a fazer sempre. Se digo que o "mal do mundo" é a Religião e sem ela o "mundo seria bem melhor", me apego à palavra Religião para lutar contra qualquer um que possuir este crachá e, ao mesmo tempo, escolho outra palavra (Liberdade, Paz, Felicidade. Deus ou sei lá o que mais) para a qual criarei uma bandeira e defenderei com unhas e dentes. O mesmo ocorre com Capitalismo, Comunismo, Burguês, Palestino, Israel e demais taxações contra as quais alguém se levanta. O problema não é a luta contra as relações que cremos fazerem mal, mas, escolhermos uma palavra "inimiga" de tal modo que aqueles que nela se encaixam são "o mal do mundo". Pode parecer bobo, mas, não existe "Religião", mas, pessoas que se relacionam e experimentam relações que categorizam como "Religião". Assim como "o mal do mundo".

Reclamar da Religião como o problema que torna o mundo ruim é muita mediocridade, medo de assumir responsabilidades e experiências próprias, frustrações, alegrias, desejos, sonhos e o que mais experienciamos. É muito pequeno agir como se o "sistema x" ou "y" sendo destruídos solucionassem-se todos os problemas, levaríamos-nos ao Paraíso. É o mesmo que afirmar que sem a humanidade o mundo estaria "bem melhor". Não estaria nem melhor e nem pior, estaria mundo e, aliás, nem teria quem dissesse "isto é mundo". É muita covardia levantar uma bandeira contra uma palavra, se apegar aos nomes e não às pessoas. É muita pequenez, farisaísmo às avessas. Podemos até afirmar não cremos nem em Deus e nem no Diabo, mas, nos relacionamos com outros termos como se fossem "deus" e o "diabo".

Criticar Religião ou outro termo carregado de identidade simplesmente pelo termo e guerrear contra ele em nome de outro é fraco, pequeno, (desculpem) imbecil. Achar que sem "Deus" o mundo é melhor ou sem Igreja o mundo é melhor é uma crença descontextualizada e tão sem sentido como crer que o mundo foi criado em 7 dias ou a partir de um encontro do Pai Céu com a Mãe Terra. O problema não é a Religião, a Economia, a Biotecnologia, a Indústria Farmacêutica, o Corinthians, Israel, a Palestina, o Homem, Deus, o Diabo ou sei la mais qual ideia podemos ter; o problema são nossas relações, a maneira como decidimos nos relacionar e experimentar o mundo. Qual o melhor jeito de se relacionar e experimentar? Isso já é um outro problema, mas, com certeza, não é fugindo de nossas relações com próximos para nos relacionarmos com nossas próprias bandeiras...


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