terça-feira, 26 de março de 2013

Farisaísmo às avessas!

Êxodo 20: 7 "Não tomarás o nome do Senhor em vão..."

Os fariseus eram estudiosos da Lei e dos Profetas que se incumbiam das interpretações dos textos e preservação das tradições. Jesus se opunha ao "espírito" do farisaísmo - não aos fariseus, pois com eles conversava e, inclusive, sempre estavam ao redor do Mestre -, pois sua postura oprimia o povo, separava os doutores que detinham a verdade dos "do povo" que não sabiam ler. As duas características criticadas por Jesus, a responsabilidade pela correta interpretação e a preservação das tradições, hoje não se encontram coladas uma na outra...

Não existem mais fariseus, mas o "espírito" do farisaísmo ainda pode ser reconhecido. Suas metades se separaram e ganharam vida própria: temos doutores da lei de um lado e protetores da sagrada doutrina de outro. Os opositores gastam energias em eternas querelas sobre predestinação, onipotência ou o sexo dos anjos - um não fala com o outro. Enquanto os doutores da lei estudam e determinam os bons métodos de leitura bíblica e as verdades que devem ser seguidas, os guardiões da tradição repetem ritos e decidem as verdadeiras atitudes que salvam o fiel. Jesus conta parábolas e experimenta das dores de quem é analfabeto ou não-praticante da verdadeira doutrina.

Doutores e tradicionais, apesar do "espírito" do farisaísmo, não se bicam. Uns se acham melhores por serem mais inteligentes, outros por serem mais santos. No fim, os dois são pó e passam fome, assim como os que nem caminham para um lado e nem para o outro, os que são acusados tanto por uns quanto por outros. Quando Jesus era inquirido sobre a verdadeira doutrina ou sobre a verdadeira interpretação das Escrituras, não respondia nem uma e nem outra, apenas olhava para aquilo que estava a sua volta, escrevia no chão ou mudava completamente de assunto, pois o mais importante era a Vida e a Vida Verdadeira.

Se falar sobre a Bíblia dividisse as pessoas, Jesus falava sobre filmes. Se acusar alguém de morte por causa da doutrina dividia pessoas, Jesus falava sobre o preço do pão. Se crer num Reino dos Céus fazia com que se esquecesse dos moradores da terra, Jesus falava sobre a dor de se pagar impostos. Se discutir teologia nos desperta o desejo de morte, melhor mudarmos a conversa, abrirmos mão do som articulado mais bonito  em nome de Deus, quer dizer, em nome do nome que não se pronuncia - silêncio!

Creio que Jesus tenha levado muito a sério o mandamento que começou esse texto - "Não tomarás o nome do Senhor em vão". Jesus não se gastava em nome de Deus ou pelo nome de Deus; ele era a presença de Deus. Independentemente de seu discurso, sua justificativa, era Deus presente. A abordagem de Jesus nunca foi para explicar o sistema lógico das boas sentenças sobre Deus ou os ritos corretos que devem ser seguidos para que se seja salvo, ele preferia conversar sobre o tempo, sobre o dia e, para aqueles que eram próximos, íntimos ou os que se abriam para conversas sobre "verdades", se permitia falar do nome de Deus.

Falar o nome de Deus em vão não é pronunciar uma falsidade sobre Deus - o som sobre qualquer coisa é falso. Falar o nome de Deus em vão é deixá-lo soar em oportunidades que "matam". Quando falar sobre Deus causa destruição, prefere-se o silêncio! O nome de Deus não se pronuncia, se vive... Tomá-lo com o espírito do farisaísmo - seja lá em qual de suas duas faces - de modo que oprimimos, guerreamos, abrimos espaço para o ódio, a falta de diálogo e incompreensão, é tomá-lo em vão...

Teologia ou doutrina não salvam ninguém, não convertem ninguém, não transformam água em vinho. Quem faz essas coisas é Cristo. Cristo não entra sem pedir, ele bate à porta. Cristo não se restringe às verdades, ele as atravessa e vai rumo àquilo que é eterno: trânsito, preço do frango, boas músicas, filmes, futebol, política, elogio ao belo, boas piadas... Àquilo que realmente acontece, nos faz sentir, nos faz viver. Salvação é do cotidiano, Deus participa é do cotidiano. Querer tirá-lo do mundo é tomar seu nome em vão. Em nome de Deus mudamos nossas conversas, não pronunciamos seu nome. O espírito do farisaísmo o põe em todo canto, mas não o vive, o repete, mas não se transforma. Silêncio! Se formos falar de Deus, que seja para trazer salvação aos povos, liberdade aos oprimidos. Vivamos mais, falemos menos...




Gratis i Kristus

segunda-feira, 18 de março de 2013

Fé que nos move

Tenho escrito pouco, trabalhado um tanto, lido muito. Minhas leituras recentes tem sido sobre a "conquista" da América Latina pelos portugueses e espanhóis. Não tenho me preocupado em entender a "história" da conquista ou "o que aconteceu nesse processo". Minha atenção está voltada par ao seguinte: as estruturas de Fé que sustentaram a vinda colonizadora dos cristãos europeus para cá. Uma série de discursos teológicos justificou a escravidão e, mais do que isso, a Fé que rondava o coração de uma série de pessoas efetivava a escravidão.

A confiança de que índios não eram humanos - chegando, inclusive, a se afirmar em tratados teológicos e em diretrizes do direito canônico que eles não passavam de "animais que falavam" - era enraizada, movia as ações cotidianas de encomendeiros, fazendeiros, bandeirantes, catequistas, padres e nobres. A Fé que Deus era o responsável por essa "animalidade indígena" não era mero discurso, era prática das crenças.  O que me intriga é exatamente isso: a Fé é o que move as pessoas. O ponto não é uma disputa entre o "Mercado" e a Fé, a Razão e a Fé, o dinheiro e a Fé, a religião e a Fé, o dogma e a Fé ou a Fé falsa e a Fé verdadeira. A questão é que a Fé que comanda os dias foi orientada para a destruição da vida de outros e, com isso, justificada por discursos e leis.

O que comandou a conquista e a tirania com os índios? A Fé. O que levou, em sentido oposto, uma série de padres e nobres a se levantarem contra essa tirania? A Fé. A Fé que cria que um pedaço de pedra dourada escondida debaixo de terra vale mais do que a vida de uma pessoa liderou a conquista. A Fé de que um índio é tão pessoa quanto um europeu, despertou movimentos de libertação. O que me intriga é que é a Fé que ordena o cotidiano.

É a crença que temos no que "é o ser humano", "o que é valoroso", "quem é o divino", "o que é mais importante na vida" e etc, que serve de apoio para nossas decisões. Se cremos em metais, serão eles nossos deuses. Se cremos em um povo, será ele nosso deus. Se cremos em Cristo, será Ele nosso Deus. Dizemos que no tempo das conquistas o Estado era Teocrático porque era comandado pela "Fé". Digo que nosso Estado é Teocrático porque também é comandado pela "Fé". Antes a Fé era numa Instituição religiosa, agora é a Fé num Sistema comandado por uma "mão invisível".

Nos tempos de Cristo existia um Império. Seu povo cria que surgiria um imperador mais poderoso do que César: o Messias - que viria para implantar o Reino dos Céus. Esperava-se que dos Céus viesse um poderoso exército para dominar aquilo que fora dominado pelo Império Romano. Cria-se na força, cria-se na Lei. A Fé se voltava para articulações políticas sustentadas por Deus fortes o suficiente para tirar inimigos do poder. A Lei e a Política eram mais importantes do que o resto. Ter um cargo era fundamental, ter o Messias que entregasse ao povo os cargos de poder, seria a salvação.

Jesus ao invés de nascer na Fé em reis, nasceu na Fé de pastores e magos. Ao invés de nascer na Fé de palácios, nasceu na Fé de pessoas - e pessoas excluídas, desacreditadas. Ao invés de nascer na Fé de conquista de reinos, nasceu na Fé de construção do Reino. Ao invés de nascer na Fé de tornar inimigos escravos, nasceu na Fé de amar inimigos a ponto de libertá-los. Ao invés de nascer na Fé de matar o outro, nasceu na Fé de morrer por alguém. Ao invés da Fé nas moedas, teve Fé em pessoas...

Fé temos, a questão é para onde a direcionamos, para onde a orientamos. A Fé não é justificativa para algo, é a motivação. Os discursos tentam justificar nossas ações, mas é a Fé que nos move. Por isso, o encanto da conversão não é aprender uma nova pregação, mas reorientar, redirecionar, converter nossa Fé para algo que seja Eterno...



Gratis i Kristus