quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Devo crucificar o rei de vocês?

Trechos de João 18 e 19:

"Pilatos então voltou para o Pretório, chamou Jesus e lhe perguntou: 'Você é o rei dos judeus?'
Em resposta, perguntou-lhe Jesus: 'Essa pergunta é tua ou outros te falaram a meu respeito?'
Respondeu Pilatos: 'Acaso sou judeu? Foram o seu povo e os chefes dos sacerdotes que te entregaram a mim. Que é que você fez?'
Disse Jesus: 'Meu Reino não é deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me prendessem. Mas, agora, o meu Reino não é daqui.'
'Então você é rei?', disse Pilatos.
'Você que está dizendo', respondeu Jesus, 'De fato, por esta razão nasci e para isto vim ao mundo: para testemunhar da verdade. Todos os que são da verdade me ouvem'.
'Que é a verdade?', Pilatos perguntou e saiu novamente para onde estavam os judeus [...]
'Querem que eu solte o rei dos judeus?' [...] 'Devo crucificar o rei de vocês?'"

Existem perguntas que não fazem sentido para uma experiência de Fé. "Que é a verdade?", por exemplo, é uma pergunta que não encontra espaço nas experiências cristãs. A resposta para uma pergunta como essa está escondida na ponta da língua: "Jesus". "Qual o caminho?" ou "O que é a vida?" também não fazem parte  das investigações de um cristão: "Jesus" é a resposta para essas perguntas. Aliás, na experiência de Fé cristã Ele é a resposta para todas as inquietações, para todas as angústias. Se não devemos ter preocupações que nos roubem o sono, é porque devemos entregar a Ele nossas angústias e descansar. "Jesus", a resposta pronta para a pergunta.

Tudo bem, temos uma resposta. Isso não é problema. A dificuldade está no passo verdadeiramente importante: o que faremos com ela? Agora sim encontramos uma pergunta que cabe em nossos encontros com Cristo. Pilatos sabe essa resposta, entendeu o que seria respondido na conversa com Jesus. A questão que lhe tiraria o sono era: "o que fazer com esse homem? O que faremos com o 'rei dos judeus'?". Quando ele pergunta se Jesus é rei, a resposta é maravilhosa: "Você que está dizendo...". Exatamente! A resposta já demos, o problema é: "o que faremos com ela?"

A conversa entre Jesus e Pilatos me deixou encantado, pois, antes de ser assassinado publicamente por causa da Lei, Jesus se encontra com governante que descobre em sua conversa com Cristo que suas ações tem um valor muito maior do que as justificativas dadas para elas. Jesus não tem o título de rei, mas, é reconhecido como um por como Ele vive, por quem Ele é. Jesus não precisa argumentar sobre sua inocência, pois a maneira como age é inocente. Jesus não precisa falar sobre a verdade, Ele testemunha ela. Jesus não precisa provar o que é verdade, pois, aquilo que vive é verdadeiro. Pilatos percebe essa sutileza em seu encontro com Jesus, e quando pergunta "Que é a verdade?", não quer saber da resposta - pouco importa -, ele a encontrou no testemunho de Cristo. Para Pilatos o que efetivamente tinha valor era "querem que eu solte o 'rei dos judeus'?"

A verdade estava dada, mostrada, experimentada, viva. "Devo crucificar o rei de vocês?", aí sim! Essa pergunta cabe em nossa experiência de Fé com Cristo. A reação daquele que é discípulo, que se permitiu ouvir a verdade testemunhada, é de prontamente gritar "não!". Talvez, quem sabe, até sacar uma espada e correr para cortar as orelhas daqueles que o prendem para não ouvirem a pergunta, para não tentarem crucificá-lo. E é, mais uma vez, nesse instante, que a verdade é testemunhada por Cristo: reconstitui a orelha daquele que fora ferido por seu discípulo e ensina a necessidade da liberdade, de um Reino que não se conquista lutando contra carne ou sangue, que se permite a maldade de quem deseja matar Deus. Não corte a orelha de quem me prende, mas, tente testemunhar a verdade do Reino que não é deste mundo.

As perguntas sobre a verdade, o caminho, a vida, Deus, amor, liberdade, eternidade e etc, são perguntas para as quais temos a resposta: Jesus. O fundamental da experiência com essa "resposta" é entendermos que ela não é um som ou sinais escritos, mas, uma pessoa, carne, gente. É material, usual, funcional. Pão que se come, água e vinho que se bebe. Jesus é uma experiência de vida, experiência verdadeira de Fé. Assim sendo, a pergunta que faz sentido para essa experiência é: "o que faremos com o Cristo?", "devemos crucificar nosso rei?". Nossa experiência é do Cristo vivo, e vivo não procura uma boa resposta, mas, vive aquilo que crê ser uma boa pergunta.



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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Esquecimento...

É muito comum falarmos sobre "natureza humana" ou "essência humana", "aquilo que nos faz seres humanos". Procuramos uma característica que seja extremamente específica de "humanidade" e, ao mesmo tempo, que faça parte de "todos os seres humanos". O problema de definir uma característica de "natureza" ou "essência" humana é que se escapar a alguém essa característica específica, esse alguém não será considerado humano. Assim acontece com a relação entre povos que se odeiam, etnias, racismo, machismo, disputas de gênero, sexualidade, escravidão e aí por diante. Se não há correspondência entre pessoa e característica da "essência humana", uma pessoa deixa de ser "humana".

Sem levar em consideração a própria tentativa de se definir "humano", pragmaticamente e com muito sentido, a possibilidade que minimizaria problemas de generalizações seria o abandono da tentativa de encontrar a "natureza humana". Apesar de abrir mão dessa busca, farei pretendo propor uma metáfora, quem sabe um mito, sobre a "essência humana". Nessa minha tentativa de criar uma metáfora ou mito de qual seria a natureza humana, eu afirmaria, ou melhor, afirmo: o que me fez humano é a capacidade de "esquecer"...

Diferente de máquinas, sou capaz de esquecer, perder a memória, alterar as recordações, misturar informações. Me esqueço. Não sofro de uma "perda de memória" recente ou coisa do tipo, realmente esqueço e sou capaz de esquecer. Esqueço que mulheres não tem caudas no lugar de pernas, esqueço que é absurdo um cavalo voar ou um peixe virar gente em noites de lua cheia. Esqueço até de minha habilidade de esquecer! Esqueço que não sou super-poderoso e esqueço que não sou fracote. Esqueço de quem é humano e quem não é. Esqueço do tempo e às vezes esqueço de esquecê-lo.

Esquecer; essa é nossa característica, aquilo que nos move. Saber que seremos esquecidos ou que somos esquecidos é angustiante, desesperador! E depois de minha morte? Esquecerei de minha vida? Esquecerão de minha vida? Não quero esquecer e nem que me esqueçam. Doenças que degeneram neurônios e perturbam o funcionamento da memória são o extremo dessa angústia - são a História humana encarnada: a vida construída por esquecidos.

A perfeição de nossos instrumentos, nossas máquinas, nossas crenças, religiões, filmes, trabalhos, exercícios científicos não podem esquecer, mas, nós, podemos. Aliás, o fazemos. Esquecemos. Exatamente por esse contato com o esquecimento que dependemos de experiências de Fé, de confiança em algo que não se esquecerá de nós. "Deus não se esqueceu de nós...", essa é uma mensagem de libertação, de salvação. Inclusive, como cristãos, nos relacionamos profundamente com o esquecimento. Jesus, o Filho de Deus, a experiência de que Ele não se esqueceu de sua Criação, que participa de sua História construída pelos esquecidos. "Fazei isso em memória de mim": não deixem a Mensagem de esperança na eterna lembrança de Deus morrer. Até podemos matar o Filho de Deus e nos esquecermos disso, mas, Ele, não se esquece de Suas promessas, é fiel. Então, somos convidados a sermos fiéis também: tentarmos romper com uma humanidade qualquer e experimentarmos algo divino, o não esquecimento...



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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Porque escolhi?

Ultimamente tenho pensado bastante sobre o porque escolhi o que escolhi, ou melhor, sobre o que tenho feito à partir das minhas escolhas. Especificamente, tenho pensado nas escolhas que pude fazer na tentativa de criar uma estória interessante que contarei aos meus netos sobre minha "carreira profissional". Tenho pensado muito nas funções que certas profissões exercem ou deveriam exercer, os propósitos de determinadas faculdades e disciplinas, a exploração de certos trabalhos, a apropriação de outros, a malandragem de todos, etc. Na minha caminhada, escolhi como faculdade (até agora) Ciências Sociais, Teologia e Filosofia, sendo que apenas conclui (ou estou prestes a concluir) as últimas duas. Pretendo fazer mestrado, doutorado e qualquer outro "rado" que surgir como oportunidade. Entretanto, o que tenho pensado é: "para que servem esses estudos?", "quais suas funções em minha relação com eles?"

Depois de um tempo experimentando desses estudos, exercitando meus desejos, experienciando minha caminhada com eles e suas relações com os outros, percebi algumas coisas e decidi torná-las públicas. Pois bem, quanto à Filosofia, gostei de poder compartilhar das posturas de dois caras completamente diferentes: Zizek e Rorty. Zizek disse que como filósofo, ele não poderia dar respostas, mas, corrigir as próprias perguntas que fazemos. Já Rorty colocou a filosofia de um jeito bem diferente e, recortando muito suas propostas, diria que ele coloca a razão - talvez o instrumento filosófico - como organizadora de nossas crenças para que elas tenham coerência. É, escolhi Filosofia porque quero produzir perguntas que sirvam de instrumentos úteis para nossas adaptações e para a maneira como lidaremos com nossos problemas, com nossas relações e nossa maneira de nos adaptarmos e nos relacionarmos com nossas experiências. Corrigir perguntas significa assumir a impossibilidade de encontrarmos a verdade, a resposta para nossos problemas. Significa ter que nos adaptarmos aos problemas, dissolvê-los com novas possibilidades de problemas. Significa, por fim, que precisamos reorganizar nossas crenças, corrigir a maneira como as estruturamos. Isso caminha junto com Rorty, isso me leva a outra escolha: Teologia.

Creio ter escolhido e me apaixonado por Teologia por sua função muito peculiar: partir de um pressuposto de Fé - que, no caso, seria Deus. Quando falo sobre Filosofia, reorganizo as perguntas, proponho problemas, balanço as crenças com uma coerência insuficiente - desorganizadas -, ouço a seguinte questão: "mas, e você? O que pensa a respeito?". Bem, quando alguém me pergunta o que penso a respeito de algo, eu ouço: "em que você acredita? Pois preciso acreditar em algo também...". Nem que seja crer que a crenças não fazem sentido algum nunca, parece que todos estamos sedentos por crer em algo, em alguém. Seja no Corinthians, na Igreja, no Pastor, Rolling Stones, Obama, Gandhi, Hitler, Filosofia, Razão, Buda, Absoluto, Deus, Jesus ou que é certeza que a água ferve a 100 graus Célsius ao nível do mar dentro de condições ideais de pressão e etc, buscamos alguma coisa para acreditar. Teologia parte desse ponto, aceita como máxima essa relação estranha que temos conosco ou com alguma outra coisa que dizemos não ser nós. Perceber que em diferentes circunstâncias e relações optamos por diferentes crenças e diferentes perguntas, me fascina, me enche o peito de medo, ânimo, esperança e inquietação.

Por um lado faço perguntas, por outro apelo para uma falta de "embasada" (correta) resposta. Por um lado sou movido por problemas, por outro por crença de que alguma solução é possível. Organizo, abro mão da organização. Corrijo, abro mão da correção. Acho que escolhi porque creio em mudanças. Não em solução de problemas indefinidamente, mas, em mudanças. Os problemas mudam, as soluções mudam, as relações mudam, as possibilidades mudam, minhas crenças mudam e parece que nunca será satisfatório. O importante é que será necessária uma crença, uma aposta. Escolhi porque creio, escolhi porque apostei. A pergunta que seria "qual o propósito da vida?", eu substituiria: "em que tens crido? Qual a tua aposta?"


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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Que é que tem a religião?

Tenho um amigo que diz que só existe mal no mundo porque existe gente. Não, ele não quer dizer que as pessoas são más e que o mundo sem elas seria bom, mas, que só existe a constatação do "mal" porque a "gente" é capaz de se relacionar com o mundo dizendo "isto é mal". Entende? Conosco ou "sem-nosco" (eu sei, trocadilho ruim) o mundo continuaria mundo - nem bom e nem mal, apenas mundo. A questão é que em nossas relações experimentamos o mundo e lhe damos nomes. Isso não me incomoda; o que me preocupa é quando esses nomes ganham mais vida do que as nossas relações com o mundo, quando damos mais valor para os nomes do que para a "gente".

Vejo muitas críticas e reclamações com o "mal do mundo" relacionando-o com a Religião - qualquer que seja. O problema não é criticar as relações justificadas pela religião, mas, lidar com a Religião como se fosse o "mal do mundo". Seria o mesmo que ler a frase que meu amigo diz e afirmar "o mundo seria muito melhor sem a gente" ou "sem humanos". É um problema sério quando nos apegamos aos crachás que as pessoas utilizam para se identificar ao invés de nos apegarmos ao próximo. Aqui caberia bem uma imagem religiosa: o samaritano ajudando um judeu na parábola cristã. Se ao invés de fazermos críticas às maneiras como nos relacionamos, nós nos preocupamos mais em levantar bandeiras contra crachás e guerrearmos em nome disso, paramos de nos responsabilizarmos pela maneira como "o mundo está" nos escondendo atrás de uma boa justificativa: a luta por uma bandeira, nossas ações chanceladas pelo Espírito, Bem-Comum, Felicidade, Deus, Razão, Absoluto ou qualquer outra palavra a qual nos apegaremos mais do que a pessoas.

Na verdade, se nos viciamos em nos apegarmos a uma palavra mais do que a uma pessoa uma vez, aprendemos a fazer sempre. Se digo que o "mal do mundo" é a Religião e sem ela o "mundo seria bem melhor", me apego à palavra Religião para lutar contra qualquer um que possuir este crachá e, ao mesmo tempo, escolho outra palavra (Liberdade, Paz, Felicidade. Deus ou sei lá o que mais) para a qual criarei uma bandeira e defenderei com unhas e dentes. O mesmo ocorre com Capitalismo, Comunismo, Burguês, Palestino, Israel e demais taxações contra as quais alguém se levanta. O problema não é a luta contra as relações que cremos fazerem mal, mas, escolhermos uma palavra "inimiga" de tal modo que aqueles que nela se encaixam são "o mal do mundo". Pode parecer bobo, mas, não existe "Religião", mas, pessoas que se relacionam e experimentam relações que categorizam como "Religião". Assim como "o mal do mundo".

Reclamar da Religião como o problema que torna o mundo ruim é muita mediocridade, medo de assumir responsabilidades e experiências próprias, frustrações, alegrias, desejos, sonhos e o que mais experienciamos. É muito pequeno agir como se o "sistema x" ou "y" sendo destruídos solucionassem-se todos os problemas, levaríamos-nos ao Paraíso. É o mesmo que afirmar que sem a humanidade o mundo estaria "bem melhor". Não estaria nem melhor e nem pior, estaria mundo e, aliás, nem teria quem dissesse "isto é mundo". É muita covardia levantar uma bandeira contra uma palavra, se apegar aos nomes e não às pessoas. É muita pequenez, farisaísmo às avessas. Podemos até afirmar não cremos nem em Deus e nem no Diabo, mas, nos relacionamos com outros termos como se fossem "deus" e o "diabo".

Criticar Religião ou outro termo carregado de identidade simplesmente pelo termo e guerrear contra ele em nome de outro é fraco, pequeno, (desculpem) imbecil. Achar que sem "Deus" o mundo é melhor ou sem Igreja o mundo é melhor é uma crença descontextualizada e tão sem sentido como crer que o mundo foi criado em 7 dias ou a partir de um encontro do Pai Céu com a Mãe Terra. O problema não é a Religião, a Economia, a Biotecnologia, a Indústria Farmacêutica, o Corinthians, Israel, a Palestina, o Homem, Deus, o Diabo ou sei la mais qual ideia podemos ter; o problema são nossas relações, a maneira como decidimos nos relacionar e experimentar o mundo. Qual o melhor jeito de se relacionar e experimentar? Isso já é um outro problema, mas, com certeza, não é fugindo de nossas relações com próximos para nos relacionarmos com nossas próprias bandeiras...


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sábado, 17 de novembro de 2012

Messias e Eternidade

Falta-nos um pouco mais de Fé; não novas experiências de culto, mas, um pouco mais de confiança na própria experiência de Fé que já tivemos. Falta crermos que um encontro já é o suficiente. Falta crermos que salvação não depende de nossas forças, mas, é dom de Deus. Falta crermos que se é necessário fazer algo, esse é algo é ter Fé.

Apesar de dizermos ter Fé em Cristo, parece que vivemos na esperança de um Messias. Apesar de afirmarmos que nossa salvação é eterna, parece que vivemos presos ao tempo. Apesar de afirmarmos que a vinda de Cristo foi de uma vez por todas e que nossos destinos não estão traçados para o futuro, parece que confiar em Cristo é pouco e viver a Vida que nos foi dada é para sempre. Falta-nos um pouco mais de Fé.

Essas frases podem estar meio sem sentido, mas, o que tento dizer é que apesar de afirmarmos confiança em nossa experiência de Fé, não depositamos Fé na própria afirmação de Fé. No caso, falo especificamente quanto a Fé que Jesus é o Filho de Deus e o único Messias e quanto ao tempo da Graça. Parece que estamos em função da vinda de um Messias e na esperança de que o amanhã já tenha sido traçado, já tenha um futuro. Depositamos nossa esperança não em Cristo e nem na eternidade, mas em algum salvador que aparecerá amanhã...

Mesmo que professemos com nossa boca que Jesus Cristo é o Senhor, cremos que seremos nós os "salvadores do mundo". Vivemos uma esperança de que ou "eu" ou um "outro" surgirá com uma nova verdade que revolucionará a cristandade, destruirá o mal do mundo e, para finalizar, expandirá a mensagem de salvação até os confins da Terra. Desacreditamos de Cristo, confiamos em nossa verdade. Às vezes, nos sentimos parte de grupos que encontraram o real sentido cristão ou a Fé da "Igreja Primitiva" ou sei lá, e nos fazemos os maiores responsáveis pela salvação do próximo - talvez até dispostos a fazer de tudo para que isso ocorra, mesmo que transgrida a própria Fé - a ponto de sermos mais salvadores que o próprio Cristo. Agimos de modo que os mensageiros são mais importantes que a Mensagem, que somos mais messias do que o Messias. Parece que a Igreja ou o grupo ao qual pertencemos é mais Cristo do que Jesus foi. Novamente, desacreditamos de Cristo, confiamos em nossa verdade, ou ainda, na verdade que algum novo nascido traga amanhã...

Amanhã, aliás, que ganha um status de esperança mais profunda do que a Fé na eternidade. Não cremos num destino traçado, mas, confiamos plenamente que o amanhã terá a verdade melhor revelada do que ontem. Se assim fosse, os que viveram com o próprio Cristo teriam tido uma Revelação menor do que a nossa e, desse modo, de que nos valeria a Bíblia e as estórias sobre Cristo? De que adiantaria a vinda de Jesus se, hoje, entendemos muito mais dele do que quando encarnado convivendo com os Doze? Não temos traçado o amanhã, mas, confiamos mais na verdade que pode chegar do que aquela que experimentamos ao nos encontrarmos com Cristo. Falta-nos um pouco mais de Fé. Parece que temos mais Fé em homens do que em Deus. Cremos mais na mensagem que decoramos com nós mesmos, mais nas nossas próprias palavras, do que no nosso encontro com Cristo. Botamos mais Fé em mensageiros do que na Mensagem. Confiamos mais que amanhã será melhor do que na eternidade que experimentamos sempre. Temos tanto medo de perder a Fé que desistimos de crer Nela.

Podemos até afirmar que "o amanhã a Deus pertence", mas, da mesma boca, ouvimos que "um homem vive a frente de seu tempo" - como se o tempo do amanhã tivesse uma linha traçada à partir desse alguém. Podemos afirmar que a salvação é dom de Deus, mas, gastamos fortunas em "cruzadas evangelísticas" ou nos martirizamos com medo de perder a salvação. Falta-nos um pouco de Fé.

Não temos a verdade "ainda não revelada", pois, se cremos em Cristo, a Verdade é Ele e não nós, os mensageiros. Amanhã não será  melhor ou pior que hoje, não teremos uma verdade melhor ou pior, pois as experiências de Fé pertencem à eternidade. A questão não é estipularmos uma certeza de Fé, mas, termos Fé em nossa experiência de Fé. A eternidade é eternidade, sempre, vivida hoje, ontem e com a possibilidade de ser experimentada no que talvez chamemos de "amanhã".

Enfim, precisamos resgatar essa confiança; não em nós, não no amanhã, mas, em Cristo, na Vida Eterna...



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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

E a Teologia?

Utilizamos alguns termos sem saber necessariamente qual sua função. "Cadeira", por exemplo, é um termo que utilizamos para nos referirmos não a uma coisa específica com forma determinada, mas, a um objeto que desempenha uma certa função de "cadeira". Criamos termos não para explicar o que são as coisas, mas, para caracterizarmos um certo papel, uma certa função; generalizarmos uma relação. Poderíamos, no português informal dizer que quando utilizamos "cadeira", queremos falar da "bacia", que não é a função de recipiente em que depositamos água ou outra coisa, mas, parte do nosso quadril, da nossa "cintura" que apelidamos comicamente de "cadeira". Quer dizer, com um termo que parece tão simples - "cadeira" - já é possível fazer uma confusão, imaginemos com outros termos que cabem a relações mais abrangentes... Que confusão podemos causar, não?!

Não me adianta querer falar do termo "teologia" - que está presente no título -, sem tentar exprimir que relação eu gostaria que esse termo taxasse. Eu poderia, por exemplo, buscar a "origem" da palavra teologia no grego ou sei la em qual outra língua para justificar a relação "correta" desse termo. Porém, prefiro não encontrar a "relação correta do termo", mas, desenvolver uma generalização do que eu gostaria que compreendêssemos do termo "teologia", qual a função que desejaria que tal termo desempenhasse.

Se Teologia tiver a função de taxar a tentativa que não-divinos fazem de explicar Deus, imagino que o termo se refira a uma relação sem-sentido, uma busca que não nos cabe pois é uma busca impossível; é repetir palavras sem as relacionar com uma função, já explicar ou procurar Deus não é função de quem não é capaz de apreendê-lo. Seria como se quiséssemos construir uma torre que chegasse aos Céus (parecido com uma estória bíblica, não?!). Aliás, se Teologia for encontrar a "correta" leitura da Bíblia ou saber desvendar a "verdade" das escrituras, os termos "exegese", "filologia", "crítica literária" e "alfabetização" caberiam melhor para essa função

Não creio  que Teologia seja um bom termo para essas funções apresentadas. Aliás, "creio" cabe muito bem na relação que gostaria de ter com Teologia. A pressuposição de Deus já é dependente de um afirmação de Fé, um ato de crença. Essa afirmação estaria baseada em que? Numa experiência que indivíduos tem em suas relações que consideram ser transformadora, transcendente e de confiança: numa experiência de Fé. Experiência é a relação existente entre os corpos, entre as coisas. Se temos uma experiência de Fé cristã, é porque afirmamos ter encontrado Jesus encarnado, Deus em pessoa, o corpo de Cristo. Se desenvolvemos Teologia, é à partir de uma experiência - relações entre corpos - que, confiando, afirmamos ser com Deus, nos entregamos à Fé. São experiências de Fé individuais - o que complica mais ainda definir uma função única para o termo.

Por alguma razão, entendemos que indivíduo é o que existe por trás dos olhos de um ser humano e comanda seu corpo, enquanto que comunidade são os outros seres por trás dos olhos de outros seres humanos que comandam seus corpos. Aqui, entenderemos indivíduo como a relação singular da infinidade de possibilidades de um momento único. Indivíduo não é um átomo isolado que se constrói solitário ou uma peça determinada pelo meio em que nasce, mas, é o termo que utilizamos para indicar a relação entre uma série de corpos - átomos, moléculas, pulsos elétricos, tecidos, órgãos, ar, comunidade, meio-ambiente e o que mais pudermos cercar que se relaciona - que é singular dentro dessa infinidade de possibilidades existentes nas experiências dos corpos em um momento, num instante que mal percebemos. Indivíduo é uma relação. É nessa relação que se dá a experiência de Fé, o encontro com Cristo. Se fosse utilizar o termo "Teologia", seria para designar a conversa sobre a abrangência dessas experiências de Fé individuais e suas implicações em uma comunidade.

Teologia não é a tentativa de desvendar o mistério transcendental, ou explicar as relações divinais, ou determinar quais as relações entre Deus e os homens ou Deus consigo mesmo. Teologia não pode ser esse emprego  de chegar ao Céu e descobrir a "verdade". Partimos do pressuposto de que encontramos a verdade: tivemos uma experiência com Cristo, sabemos a verdade e o caminho. O que podemos analisar e tentar entender são as implicações e os desdobramentos que essa experiência de Fé causa em nossas relações. Podemos desenvolver sistemas que tentem abarcar as possibilidades - apesar de que creio que esse empreendimento seja pouco, pois as possibilidades são infinitas, logo, nenhum sistema as abarca - de uma experiência de Fé e o que ela pode causar em certos contextos. Muitos já o fizeram, temos uma longa tradição teológica nesse ponto.

Aqui encontraríamos mais uma função que imagino caber ao termo "teologia": estudar os vocabulários desenvolvidos para explicar as experiências de Fé e suas implicações - as tradições teológicas - para reinterpretá-los ou, até, abrir mão de determinados sistemas que não nos auxiliam na análise das experiências de Fé que acontecem em nosso cotidiano. A busca não é pela "correta verdade", mas, sobre as implicações de encontrarmos a Verdade - que é Cristo. Certas interpretações das Escrituras e experiências de Fé justificaram matanças, guerras, preconceitos e exclusão. Outras promoveram paz, liberdade, libertação e salvação. As implicações de fazermos ceras "afirmações de Fé" são parte da função de Teologia que quero escolher.

Enfim, nessa breve tentativa de encontrar sem muitos rodeios e minúcias de explicar a função que entendo que Teologia deveria generalizar, seria a função de Teologia taxar os cuidados que temos quanto a: conversas sobre nossas experiências de Fé individuais e suas implicações, e o estudo das implicações/consequências que as várias afirmações e explicações sistêmicas das experiências de Fé que outros indivíduos tiveram em suas/nossas relações. A base da teologia é já termos encontrado a verdade: Jesus. Agora, não é desvendarmos essa verdade, pois já a experimentamos, mas, renovar seu significado, entender e trabalhar as transformações que e esse Caminho, que o encontro com Cristo, nos propôs, nos causou, pode causar. Não estamos à procura de um "certo/errado" teológico, mas, as consequências das afirmações de Fé feitas e que fazemos sobre nossas relações com Deus, sobre o que acontece em nosso cotidiano, sobre as experiências com Cristo do dia-a-dia.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Mensagem, mercado, negócios

Não gostar do processo de "seleção natural" e reclamar dele não acaba com o processo. Se quisermos transformá-lo, desenvolvemos um vocabulário que nos auxilia a manipular melhor as bases da seleção natural e nos fazemos agentes desse sistema; adaptamos nossas ciências às técnicas genéticas, por exemplo. Se não gostamos da organização democrática, falar mal de sua história e sua atuação não ajuda a redefini-la. Teríamos que adaptar um vocabulário que nos desse maior força em nossas relações políticas e nos fazermos agentes desse sistema; projetos de lei, opções eleitorais ou até mesmo revoluções que tem início em interações pela internet, por exemplo. Do mesmo modo, perceber que a religião/religiosidade/mensagem religiosa estão inseridas em moldes do sistema capitalista e desempenham papéis semelhantes aos das empresas no "mercado" e criticar isso, não muda a situação de que esse processo existe, de que as relações tem se dado assim. Se quisermos transformações, nos tornarmos agentes desse processo, temos que desenvolver um vocabulário que nos auxilie a manipular melhor a situação, fazer melhores previsões, nos adaptarmos de maneira mais eficiente às necessidades emergentes.

Sim, ao olhar para as relações religiosas, não consigo deixar de perceber um grande sistema financeiro que expõe produtos e suas "éticas de consumo"; assim como a "conduta ética da empresa". Percebo discursos "sustentáveis", benefícios-vantagem-lucro, "títulos de capitalização", cartéis, corporações e o que mais inventarmos para um vocabulário de ciências econômicas ou para o mercado de ações, sei lá. Percebo mensagens que custam mais caro, outras mais barato, umas que oferecem certos benefícios, luxo ou os valores de vaidade como produtos "cult", underground, alternativos ou até "exclusivos". Imagino grandes investidores, algumas cooperativas, pequenos/médio empresários e uma ou outra micro-empresa-individual. Encontro também alguns acadêmicos estudiosos que compram produtos, mas, reclamam de quem os compra e vivem de recriminar o sistema apesar de saberem aproveitar as vantagens do negócio - não podemos esquecer que criticar o sistema é um mercado muito lucrativo...

Não, não concordo com esse sistema de mercado e muito menos com a manutenção dele. Muito pelo contrário, sonho com as paredes desse castelo ruindo por um terremoto causado por uma reforma mal-feita de algum engenheiro desatento a mando de um rei megalomaníaco ou mesmo de um megaempresário que sente que seu bolso é maior que o mundo. Porém, não acho que reclamar do "mercado de mensagens" ajude a derrubar o castelo. Sonhar com uma ilha onde meia dúzia de seres humanos vive em paz na base da troca e da solidariedade por toda a eternidade até que falte comida para os seis, não me parece uma boa alternativa para nos tornarmos agentes dentro desse sistema. Se existe uma coisa que aprendi consumindo Cinema foi que para derrubar a Matrix, é necessário que Neo se torne parte dela. Se aprendi alguma coisa lendo o Evangelho, foi que Jesus teve que ficar 33 anos em silêncio aprendendo do mundo como as pessoas se relacionavam, como funcionava o sistema, e, à partir de então, conversar com o mundo a língua do mundo, usar contra a religião o próprio sistema da religião, contra o Império as armas do Império.

Sim, pode parecer que minha proposta seja de continuismo e manutenção do sistema - pode parecer. Mas, isso só acontece porque estamos acostumados com vocabulários que se encaixam dentro desse sistema: ou você fala "sistemês" e se faz filho do mundo, ou aprende a falar "anti-sistemês" e se torna um "contra-corrente", um underground (que, querendo ou não, é mais um setor produtivo do próprio sistema para um mercado alternativo do próprio sistema). Se tentarmos nos livrar dos vocabulários prontos e nos esforçarmos para desenvolver um que nos auxilie na manipulação das coisas e nos torne mais eficientes para nos adaptarmos às necessidades, aprenderemos como agir no sistema, não teremos medo de aumentar as fissuras pequenas que sustentam nossa prisão. Seria como se estivéssemos dentro da prisão do castelo, no subterrâneo, junto às fundações da estrutura, com a possibilidade de fazer tremer as bases, mas, com o medo de colocarmos nossa vida em risco na esperança de que um dia o mercado nos convide para sermos participantes da sala do trono.

Não, não acho que falar mal do sistema nos torne "anti-sistêmicos", apenas ilustra o desejo que temos de estar no lugar daqueles poderosos que tem dominado o "mercado das mensagens". Se temos o louco sonho de ver o castelo ruir, deveríamos aprender a nos tornarmos agentes no mercado de ações. Porque não desenvolvemos um vocabulário que nos ajude não a olhar para o mercado de mensagens, mas, a virar de cabeça para baixo suas atuações? Se é um mercado onde consumimos aquilo que estiver à disposição, porque não aprendemos a exigir outras necessidades para as quais a oferta não dá conta? Porque não aprendemos a fazer contas de custo-benefício? Porque não aprendemos simplesmente a ignorar os produtos de má qualidade e exigir ofertas mais específicas? Já vivemos uma relação religiosa de mercado em que trocamos de comunidade assim que nossos desejos não são atendidos, a questão agora é aprender a utilizarmos dessa relação de maneira ordenada, com o fim de nos adaptarmos de modo mais eficiente para nos tornarmos agentes nesse mercado, e não consumidores espectadores. O homem que produz também tem a necessidade de consumir - o cuidado que temos que ter é que uns produzem em troca de sangue, enquanto outros sangram em troca de produtos...

Sim, Malafaia, Macedo, Santiago, Soares, Silva, Batista, Constantino, Rossi, Reikdal... são mensagens, são produtos, são consumíveis. Se eu não agradar teus ouvidos, existem outras ofertas por aí. A questão é que se nos relacionamos como acionistas, porque não abrimos rombos no mercado de ações? Porque não aprendemos a inflar e/ou desacelerar produções? Porque não aprendemos a agir como consumidores e investirmos em ações? Porque ainda alimentamos a concorrência entre empresas grandes ao invés de apostarmos nos pequenos mercados, nas produções emergentes? Porque olhamos para os poucos megaempresários de mensagens e suas altas percentagens de ações ao invés de arrecadarmos outras pequenas para fazermos frente com mercados menores, barreiras econômicas, bolhas menores que fazem tremer os sistemas gigantescos?  Quando um consumidor está insatisfeito, reclama com seus amigos, faz um pacto quase que secreto de não consumir mais determinado produto - ignora-o. Porque ainda damos espaço nas mídias sociais para políticos, pastores, indústrias auto-mobilísticas ou empresários vorazes para se retratarem? No mercado de mensagens, se não nos satisfazemos com os produtos que tem se oferecido, porque não produzimos a nossa?

Não, o mercado de mensagens não é igual ao mercado comum. No mercado de mensagens, graças ao bom Deus, qualquer um pode se tornar produtor. Não nos esquecendo, claro, de que quem produz também consome, tem a necessidade de consumir. No mercado de mensagens, temos uma facilidade muito maior de nos tornarmos acionistas majoritários. Podemos inventar produtos que atendem melhor a demanda, que atuam de maneira mais eficiente dentro do próprio mercado, que podem causar uma falha monstruosa no sistema e derrubar quem estiver com "poder demais". Temos a possibilidade de rejeitar mensagens, ignorar as grandes marcas, as monstruosas empresas. Temos uma liberdade muito maior de dançar a música que nós mesmos criarmos. Conseguimos ser auto-sustentáveis por um tempo muito maior, encontrar brechas nas grandes economias, adaptarmo-nos mais rápido a novas necessidades, temos uma gama muito maior de recursos a ponto de, talvez, conseguirmos abrir mão do sistema financeiro de uma vez e jogarmos fora todo esse vocabulário econômico para falar de religião. Mas, precisamos aprender a nos tornar acionistas, a fazer das nossas ações "efetivamente ativas". Não adianta aderirmos a um discurso chamado de "crítico" se não aprendermos a manipular a língua que fundamentou esse discurso, se não aprendermos a transformar as estruturas vocabulares desse sistema, se não encontrarmos o caminho de morrer nas mãos de quem viemos resgatar e esperar os três dias para a ressurreição.

Sim, há esse mercado. Queremos destruí-lo? Encontremos as rachaduras nas fundações do castelo...


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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Somos fiéis ao tempo

Faz tempo que não escrevo (ando ocupado construindo meu castelo). Tenho lido bastante e, aproveitando esse comentário, indico alguns autores que tem me chamado atenção tanto por me encantarem quanto por despertarem em mim a necessidade de criticá-los: Richard Rorty, José Comblin, Slavoj Zizek, Friedrich Hegel e, (se parecer ridículo acho que deveria rever alguns valores...) aquele que é meu livro de Fé e de cabeceira, a Bíblia. Enquanto leio, caminho, converso, tomo café, pego trem e construo meu castelo, vivo descobrindo que "o fim está próximo". Percebi que o tempo é sempre apocalíptico e que a finalidade que entregamos para ele sustenta nossas afirmações, nossas ideias, nossas relações... Enfim, nossas crenças.

Quem tem caminhado comigo e me emprestado alguns tijolos para a construção de meu castelo sabe que, para mim - de acordo com o que creio -, nossas relações e nossa maneira de interpretar o mundo sempre parte de uma experiência de Fé; de uma crença. Usarmos a linguagem, desenvolvermos estruturas que chamamos de "mentais", depende de nossa Fé, de nossas crenças; são apostas que fazemos para suportarmos a monstruosidade de relações em que estamos imersos, que experimentamos. Emprestamos ao tempo uma crença de que ele tem um fim - um sentido, um porquê, um movimento, uma dinâmica -, cremos nisso. Não sei dizer se é isso que sustenta nossas crenças ou nossas crenças que sustentam isso, mas, independentemente da ordem, é a minha crença e a palavra que se repete em qualquer uma das possibilidades é "crença".

Seja imaginar que o tempo é cíclico, linear, progressivo, catastrófico, revolucionário, a caminho do Reino dos Céus, do Retorno ao princípio, ao auge da civilização, à perfeição intelectual humana, rumo ao Estado Comunista ou à destruição completa do mundo e da raça humana, precisamos depositar nossa confiança nalguma finalidade para o tempo. Se vamos pensar "quem são os homens", o fazemos à partir do sentido que demos para o tempo. Se vamos pensar "o que é justo", o faremos tendo nossa crença no sentido como norte. Se vamos estabelecer nossas relações, estabelecemos de acordo com o sentido que entregamos ao tempo. Tenho pensado muito nesse sentido e as implicações que resultam em nossas relações por causa das opções feitas nas crenças neles. O ponto não é deixarmos de crer, porque, quanto ao tempo, ao fim, ao sentido, apenas podemos crer. A questão é, se somos crentes, porque não abrimos mão das discussões e da necessidade de provar o que são as coisas, os homens, o justo ou como são nossas relações e nos voltamos para "o que faremos com nossas crenças"?

O problema de determinar a verdade à partir de uma crença no tempo é ter que reconhecer que não lidamos com a procura da "realidade", mas com a tentativa de encontrar e/ou construir em nossas relações nossas crenças. Nisso teríamos que deixar de lado a ideia de que temos verdades absolutas e que o mundo está certo de acordo com o que cremos, e, num outro sentido, teríamos a necessidade de nos calarmos e estarmos dispostos a reconhecer que nossos sistemas, hipóteses e afirmações de Fé desistindo de lutar por causas, mas, procurar viver efeitos, amar efeitos. Se cremos num sentido do tempo, o fazemos porque desejamos chegar em algum lugar (obter um efeito) e não explicar ou desenvolver as causas perfeitas para chegar lá. Admitir que necessitamos de Fé é crer plenamente nas dúvidas, que nada há de certo além das experiências de nossas relações onde tentamos encontrar e/ou construir nossas crenças.

Se eu fosse propor uma finalidade do tempo, um sentido, crer em algum tempo, creria no tempo da eternidade. Não vou tentar explicá-lo através de metáforas por ora. Não me colocarei na empreitada de desenvolver um sistema de crenças que traga sentido para o sentido que tenho crido. Prefiro me calar, utilizar esse termo - eternidade - e possibilitar que ele se relacione com as tuas experiências e abra um outro caminho para outras crenças que atendam as necessidades das relações em que você estiver imerso...

Somos todos fiéis...

Gratis i Kristus

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Espiritualidade

Ontem, 26 de Agosto, marquei meu aniversário de número 23. Um número, assim como qualquer outro, interessante. Senti a necessidade de escrever; não sobre a minha caminhada de 23 anos, mas, sobre o que desejaria contar para meu espelho hoje, o que tem gritado alto quando deito a cabeça no travesseiro e fico em silêncio. Bem, o que tem gritado é uma sensação de mudança, de santa crise, de benditas dúvidas - Graças à Deus...

Aprendi uma vez que entramos em crise uma única vez: quando nascemos. O problema é que, depois de "entrados", nunca mais saímos dela - pelo menos enquanto estivermos vivos. Procurei entregar um nome para essa crise, tentei descobrir um som que correspondesse ao que sentimos quando nos damos conta que o ar está entrando sem pedir permissão para os pulmões que o expulsam sem medo de deixá-lo magoado. Vida seria uma boa palavra, mas, tem perdido a graça por causa do excesso de uso. Depressão não tem feito e ainda não faz parte do meu vocabulário. Na procura pela palavra perfeita, o mais próximo desse som foi a sequência de caracteres unidos que soam assim: "espiritualidade".

Palavras que terminam com o sufixo "dade" significam o jeito de ser de alguma outra palavra. "Mortalidade", por exemplo, é o jeito de ser mortal. "Habilidade", o jeito de ser hábil. Espiritualidade seria o jeito de ser espiritual. Não que eu acredite que exista "espírito", uma entidade à parte que habita algum lugar em alguém. Não, creio que "espírito" seja uma palavra linda que utilizamos para dar esperança no que podemos nos tornar, no sonho que podemos ter. Palavras lindas, como "espírito, servem para criarmos uma crise em nós mesmos, servem para nos fazer nascer, para nos empurrar para o mundo, não desistir de viver alguma coisa que não faça sentido. Jeito de ser espiritual, "espiritualidade", é o jeito de renovar a vida, restaurar as esperanças, ressuscitar o desejo por uma paixão, dar sentido para a palavra "amor".

Como um bom cristão, ouço de Jesus o que é espírito: "O que nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito é espírito. Não se surpreenda pelo fato de eu ter dito: É necessário que vocês nasçam de novo. O vento sopra onde quer. Você o escuta, mas não pode dizer de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todos os nascidos do Espírito". O vento que refaz o nascimento, o jeito de renovar algum sentido para a vida, a respiração que tenta trazer de volta a esperança; isso é exercer da espiritualidade. Porque fazemos isso? Creio que nesse momento é que entendemos um pouco do que tentamos dizer com o termo "amor"; fazemos por nada. Que diferença fará ao mundo renovar meu sentido para a vida? Que diferença fará para qualquer sistema de interpretação da realidade minha escolha? O que de melhor acontecerá no universo se uma massa qualquer de material biológico com uma organização nervosa que possibilita uma tal de "consciência" cria esperança? Nenhuma, nada. Porque fazemos? Por uma escolha. Escolha com sentido lógico-formal? Estruturado? Funcional? Não. Escolha por nada. Escolha por amor...

É nessa hora que o jeito de ser espírito faz sentido. Amor? Outra palavra igual à espírito ou espiritualidade: um som que nos coloca em crise. É tempo de crise, é tempo de espiritualidade. É tempo de exercermos nosso sopro de esperança, renovar o vento e os ares, arejar a casa fechada a muito tempo. Casa fechada junta pó e sujeira; precisamos abrir as nossas para o vento levar esse mofo embora. Esperemos que nossos irmãos ao ouvirem as janelas e as portas se abrindo, resolvam abrir as de suas casas também. Que o vento que sopra em nossa rua percorra todos os nossos corredores e salas. Espero que a crise atinja a todos nós. Espero...

Espero que alguma metáfora tenha feito sentido. Se fez, espero que tenha despertado teu jeito de ser espírito...


Dedico à todos que tem me acompanhado, mesmo que olhando de longe, em minha caminhada. É graças aos olhos, cumprimentos, sorrisos e suspiros de vocês que redescubro a beleza de assistir o nascer do Sol de dentro de um vagão de trem todos os dias pelas manhãs...


Gratis i Kristus

domingo, 29 de julho de 2012

Tirei as sandálias

Acho que esse é um dos textos mais curtos que já postei. Isso não significa que ele não seja importante ou profundo, muito pelo contrário. Imagino que tenha se tornado curto porque as poucas metáforas que utilizei apenas são respondidas com o silêncio.

Descobri que existem solos sagrados. Descobri que existe terreno santo. Descobri que preciso tirar as sandálias dos meus pés. Sou andarilho e quem me conhece sabe que sou apaixonado por essa metáfora (inclusive escrevi um texto chamado "Andarilho" sobre isso e coloquei o link no final desse que agora escrevo). Minha casa é onde eu estiver, meu mundo é por onde eu caminhar. Amo caminhar. Tenho desdém pelas fronteiras, não ligo para as cercas. Cerco o mundo enquanto o mundo me cerca. Ando e convido outros para que caminhem comigo.

Entretanto, existe um lugar pelo qual não passo de qualquer jeito, descobri que preciso tirar as sandálias dos meus pés. Encontrei o santo dos santos, encontrei o Paraíso. Sim, eu vi no deserto a sarça ardendo e não sendo consumida pelo fogo. Eu vi nuvem do tamanho da minha mão que anunciava chuva. Eu vi toda a Criação: encontrei o coração. Não, não o meu, encontrei gente, pessoas, indivíduos. Não me atrevo mais a entrar no coração de gente assim, de qualquer jeito! Não, coração é lugar sagrado, é sacro-santo.

Descobri que acho que as pessoas são sagradas. Descobri que entrar na vida de um não é como atravessar uma trilha. Descobri que preciso tirar as sandálias dos meus pés. Sou andarilho pelo mundo, mas morador fixo de corações. Moro na vida de gente, piso nos desertos humanos, vivo ajoelhado em lugares santos. As pessoas são sagradas, terra santa. Tire a sandália dos teus pés. Adoro caminhar, mas não passarei por uma vida sem parar, me prostrar e falar com o Deus que habita nos corações humanos.



texto "Adarilho": http://brunoreikdal.blogspot.com.br/2012/02/andarilho.html

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quinta-feira, 26 de julho de 2012

É tempo de nos sentarmos

Me preocupo muito quando vejo um homem se levantar e apenas estender a mão para apontar o dedo na direção do rosto dos que estão sentados. Me preocupo mais ainda quando um grupo de homens se levantam para tal. Perco o sono quando uma comunidade inteira decide tomar essa postura. Para fechar minha coleção de preocupações, me desespero quando outro grupo se levanta para rir da cara do primeiro que se levantou. Isso apenas piora quando eu me vejo pertencente de um desses grupos.

Não gosto muito de "ismos". Legalismo, fundamentalismo, liberalismo, feminismo, machismo, colonialismo, capitalismo, socialismo... Acho que apenas com "cristianismo" me dei bem, mas não por causa do "ismo", e sim do Cristo. Ismos são generalizações, categorias, multidão sem rosto, corpo e cérebro. Grupos que se unem para chacota ou para humilhação, são  amantes dos ismos. Se encaixam, e tem orgulho de se encaixar, em alguma torcida desorganizada que não se senta para cear junto, mas fica de pé a rodear o mundo e procurar o primeiro justo que seja digno  de sofrimento.

Fico chateado com minha religião, muitas vezes ela dá mancadas com seus fiéis. Porém, sou amante  e defensor dos religiosos, dos que abraçam a Fé e, com toda simplicidade, põe o corpo no chão em silêncio para ouvir o Mestre, ao invés de se levantar e acusar os "mentirosos". A Fé não é funcionária da verdade, mas consolo de quem é oprimido. A Fé não é uma universalidade que faz todo sentido e responde corretamente as perguntas que lhe são propostas, mas um calado vento que escreve no chão as leis que os fiéis precisam ouvir para suportar a vida, aguentar as acusações.

Muita coisa não faz sentido. Provavelmente todos já ouviram falar da estória de Jesus do "quem não tem pecado que atire a primeira pedra" (João 8), mas às vezes nos escapa algumas cenas; nos preocupamos muito com as palavras e as "verdades ditas" e pouco com a Fé vivida. Nos esquecemos de quem estava de pé e quem estava no chão.

Fariseus imponentes jogaram uma prostituta mentirosa no chão. Deus se sentou perto dela. Homens de pé acusaram aquela falsa esperando capciosamente a resposta eterna que solucionaria os problemas do pecado. Deus sentado no chão escrevia na areia. Os detentores da verdade provavelmente tinham um sorriso no rosto enquanto viam aquele homem simples rabiscando qualquer coisa e uma prostituta envergonhada. Deus com seu dedo escreveu uma lei do Espírito na areia, onde o vento pode soprar e apagar o que fora verdadeiro naquele instante. Os homens de pé ouviram a lei e foram embora. Deus sentado pediu que a prostituta percebesse que o Criador estava sentado ao seu lado, no chão e não no alto. A mulher se levantou. Deus estava sentado; despreocupado com o que fora dito e na esperança dos próximos passos.

Não fez muita diferença o ismo da estória. O que transformou tudo foi o Cristo. Não fez muita diferença a lei escrita, dita ou seguida. O dedo na areia e Deus no chão sim. A verdade não se implantou no mundo por causa de uma Teologia, mas salvou uma vida colocando os pés no chão. O Espírito não sopra quando os homens se levantam, mas quando ele quer. Deus não fala quando um grupo encontra a verdade, mas quando Cristo está sentado com os oprimidos. A salvação é dom de Deus.




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terça-feira, 24 de julho de 2012

Escolha

Faço parte da liderança de um grupo de adolescentes de uma igreja e muitas vezes conversamos, discutimos ou nos aconselhamos sobre as dúvidas, crises e dificuldades que se apresentam em nossa religiosidade. Me parece que em nossa caminhada de Ministério, o grande problema é "como comprovar minha religião". Porque defender ou praticar ou se submeter a determinada Fé. Claro, se é para nos entregarmos às palavras de um grupo, que seja um grupo de confiança, que inspire certezas. O problema é encontrar um porto seguro, uma fundação sólida.

Seria justo depositar toda minha confiança num grupo que armou suas palavras de modo que um sistema de vocabulário e lógica respondem a todos os questionamentos levantados. Seria justo me agrupar com outros que, como eu, se fidelizem a conversas que soem como verdades. Seria muito justo me sentir à vontade de me unir a uma comunidade que se constrói solidamente em uma rede de textos, doutrinas e argumentação que responda aos meus desejos e afinidades. Seria justo, claro, se tal segurança fosse possível. Se o primeiro passo é me confidenciar à uma palavra ou um sistema de conversas, o dia que o significado de uma delas mudar, todo o castelo corre risco de ruir e a crise religiosa se instaura.

Na procura pela certeza e por provas, nos matamos na caça por argumentos, estruturas lógicas, discursos, esforços léxicos e um exercício constante de ignorância. Remoldamos as frases prontas e as falas para que ainda nos sintamos seguros, apesar de experimentarmos todos os dias aquele frio na barriga insistente que cresce ao depararmo-nos com qualquer vocabulário diferente. A crise está fundada na pergunta: "como é possível que eu tenha confiado nessa mentira?" - e as respostas ou são "só pode ser, então, verdade", ou, "se é mentira, porque ainda crer nisso?". Desse modo, retornamos ao primeiro problema de "como comprovar minha religião".

A questão não é respondermos como comprovar a religião ou nos desesperarmos por termos confiado numa verdade ou numa mentira. O ponto importante é pensarmos: em quem tenho confiado. O problema não é por as palavras à prova e retirar delas as verdades e destruir as mentiras, ou encontrar o lugar onde todos falam a verdade, mas, pensar se faz sentido depositarmos nossa Fé, nossa confiança, nas palavras por elas mesmas. Não percebemos que se a verdade está num som articulado que forma palavras, aquele que soar melhor, é de confiança. Todos soam e podem comprovar suas palavras com seus próprios sons. E qual o verdadeiro? Aquele que escolhermos como um bom som.

O passo de entrega e submissão à uma religião não é fundado em suas palavras ou em sua comprovação, mas, na escolha do fiel de acordo com suas experiências de Fé. Não é por uma comprovação que nos tornamos fiéis, mas, por querermos ser fiéis, que exigimos e procuramos uma comprovação. Porém, não percebemos nisso que a fidelidade partiu de uma escolha, de um depositar da confiança, de uma experiência de Fé. A caminhada religiosa não é a procura pela verdade dita, mas pela experiência de Fé vivida. Descobrimos que o porto seguro parte de uma escolha. A fundação sólida não está no discurso dito, mas no desejo fiel de pertencer à uma comunidade e partilhar de experiências religiosas.

Não, a Fé não procura explicações para o mundo. Não, não estamos esperando por uma certeza. Não, nossas crises não podem ser por causa dos vocabulários. Se tivermos dúvidas, não é porque as frases não respondem aos problemas do mundo, mas porque minha Fé não age para saná-los. O problema é em quem depositar minha confiança. Se nos sons, me desligarei do mundo para ouvir aquilo que me agrada. Se em Deus, darei todos os passos para que seu Reino se faça presente. Não confiemos nas palavras, mas em Cristo. Não confiemos em nossos discursos, mas em pessoas.




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segunda-feira, 25 de junho de 2012

A História do Sol

Esse texto é um trecho de um artigo que estou escrevendo chamado "A Origem do Fim das Espécies". Essa é a verdadeira História do Sol:

Eram dois: um menino e uma menina. Não sabiam de onde nasceram nem de quem, mas sempre estiveram juntos. Cresceram sorrindo e prestando atenção em tudo, menos um no outro. Certa vez, depois de coçar os olhos, o menino os abriu e percebeu que havia uma linda mulher à sua frente. Era esbelta, morena, cabelos escuros, rosto delicado, lábios destacados e, ao mesmo tempo, bem afilados. Tinha um olhar penetrante e um sorriso que brilhava mais que tudo. Apaixonara-se. Quis conquistá-la, mas não sabia como. Determinado em seu amor, prometeu aos Céus que se o ajudassem a encantar a moça, faria qualquer trabalho para Eles. Esticando os braços, viu que próximo dele caiu dos Céus uma flecha flamejando. Muito contente, o rapaz correu para o encontro da mulher e começou a pintar nas paredes, nas árvores, no chão, no mundo com fogo. Escreveu o nome dos dois, desenhou corações, esquentou fogueiras, criou abrigos, manteve a chama por muito tempo acesa.

Num determinado momento, preparou uma comida quente e a convidou para o jantar. O homem e a mulher estavam juntos. Abraçaram-se, deitaram-se, tocaram-se, amaram-se. Por causa desse fogo, o homem a encantou, a mulher que já o conquistara se entregou e, amando, engravidou. Os Céus, por essa hora, chamaram o homem para seu trabalho, mas, agora, o homem já não queria trabalhar, apenas amar sua mulher. Porém os Céus lembraram de sua promessa, mas, ele, se recusou a aceitar qualquer coisa, pois não poderia abrir mão de qualquer tempo para trabalhar: seu amor queria eternidade. Enfurecidos, os Céus decidiram que o homem jamais poderia tocar nos filhos que sua mulher tivesse: sempre que nascesse um e ele nele tocasse, a criança morreria queimada. E assim foi: filho à filho, tempo em tempo, todos morriam queimados. Amargurados, homem e mulher choravam.
Depois de tempos de desespero, o homem, já ficando velho, aceitou trabalhar para que seus filhos não mais morressem. Os Céus aceitaram a tristeza do homem e decidiram sua obra: o homem com o fogo marcaria o tempo. Fez-se o Sol. A mulher estava grávida e teve filhos que jamais tocariam seu pai. Triste, afastada de seu amor, queria criar os filhos, mas não gostaria de ficar tão longe de seu marido. Já ficando velha, também cansada, clamou aos Céus pedindo que pudesse olhar por seus filhos, mas junto do homem, seu amor. Os Céus foram condescendentes: colocaram a mulher para trabalhar junto com o homem marcando o tempo. De tão feliz, abriu o sorriso mais belo do mundo para iluminar seus filhos enquanto caminhava junto com seu amor. Fez-se a Lua.

Fizeram-se Sol e Lua, o nascimento dos dias, da possibilidade dos filhos contarem Histórias e marcarem o "tempo".


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sexta-feira, 22 de junho de 2012

História e progresso.

E quantos acreditaram que a História era um progresso? Todos procuravam esperança, segurança, alguma coisa que lhes firmasse os pés. O que há de errado nisso? Nada. É mais uma crença que optamos por seguir, mais um chão que criamos para nós mesmos na tentativa de não pararmos no meio do caminho. É acho um tanto quanto arrogante crer que os mesmos pés que tentam se sustentar sejam do mesmo indivíduo que sustentará o caminho da História, que firmará o progresso. Parece que existe bastante prepotência nesse ar de auto-suficiência de um único homem. Um tanto quanto ofensivo aos demais crer que é à partir de suas mãos que a História será construída. Chego a enxergar certa idolatria narcisista: homens que adoram-se à si mesmos como deuses que impulsionam o caminho do "progresso", que depositam sua Fé em seus próprios bolsos ou em suas próprias mãos e, depois de muito vivido, se olham no Espelho já cansados de sua miséria.

História não é uma sequência de fatos. Não, não existem leis determinadas compreendidas por nós, seres superiores, e que, quando bem aplicadas, salvarão o mundo. Inclusive, chega a ser bobo uma espécie dentre bilhões de outras, frágil, sujeita à um mundo microscópio e ciente de um gigantesco universo no qual está imersa e pelo qual é engolida, sentir-se superior - mais uma crença, mais uma expressão de Fé. Qual o problema com isso? Nenhum. Exceto pelo fato de que essa Fé egoísta, egocêntrica e arrogante serve de justificativa para certos processos de destruição. Entretanto, ainda nos vemos como evoluídos, o cume do progresso e à caminho da perfeição no fim dos tempos. A História parece ser obra nossa e melhorada por nós se compararmos aos dias de nossos pais. O hoje parece muito melhor do que o ontem e, nessa lógica, provavelmente o amanhã será melhor (uma das leis determinadas que não existem).

Esquizofrenicamente, para justificarmos que o amanhã será melhor e que há uma lei de progresso, recorremos à História. Vamos até anteontem e resgatamos alguma  "história" que demonstre uma certa "evolução". Mas, se ontem foi ruim, anteontem deveria ser pior, certo? Esse ponto a Fé no progresso e na História, a Fé no próprio homem, se cala e desiste de explicar; apenas parte para a afirmação de Fé e convoca os ouvidos desatentos à sonhar com o amanhã. Pobres homens! Querem garantir que a gravidade que os põe no chão é obra de um progresso humano! Que voar também é. Mas, que loucura! Se é para crermos, porque cremos em nós mesmos? Insegurança por insegurança, prefiro maior ombridade de abrir mão das armas e das palavras para descansar no infinito e ouvir Deus falar no silêncio.

História não é progresso, nem regresso, nem linha, nem círculo, nem verdade, nem mentira, nem realidade, nem "Matrix". História é uma palavra. Palavras são sons que nos remetem à algum significado importante para nossa memória, nossa individualidade, nossas experiências de vida, nossas experiências de Fé. História é um som bem cantado, um conto bem contado, um mito que, por nós, pode ser encarnado. Não imito os anteriores tal qual eram, assim como meus sucessores não serão réplicas minhas. Se o forem, acabam de se tornar arrogantes o suficiente para idolatrar um homem, crer que a salvação vem de suas obras, e não do dom de Deus. Gerações respondem à suas necessidades, cantam suas músicas de acordo com as possibilidades que tem, cria indivíduos diferentes, absurdamente diferentes, que, mesmo sendo de mesma língua, falam diferente. Dividir essa História é matar as individualidades. Confundir esse conto histórico com realidade é matar a única coisa de genuína esperança: a experiência individual de Fé dos miseráveis.

Sustentar-se na afirmação de Fé da História, na própria História, colocando-a como a "verdade", é ingrato demais, malicioso demais, venenoso demais. Somos palha, somos pó. Enfiar-nos em nós mesmos é de uma covardia tremenda, destruidora, idólatra e infiel. É ter Fé sem crer. É ser louco crendo que é são. O bom ato de Fé é o silêncio - não crer nas verdades certas, mas nos contos bem contados, nas experiências individuais que transcendem a necessidade de explicações. É preciso ser iludido pela realidade, e não deturpá-la tornando o ilusório a realidade. Converter-se não é assumir um discurso, mas calar-se. Não procure na História a salvação, não creia no progresso: liberte-se dessas correntes, abandone a real ilusão de maldições hereditárias. O Reino dos Céus se faz no mundo; não por causa dos homens, mas pelas mãos de Deus, pela morte e ressurreição de Cristo. Permita-se tocar a ilusão real e fugir da real ilusão. Se, enfim, longe de todo progresso e de uma História de salvação, queremos caminhar, que seja com o Caminho, com a Verdade e com a Vida: experiência de Fé expressa em sua própria Encarnação. Cristo não é uma História contada, mas um conto vivido. Se dependemos de Fé, nos conheçamos e reconheçamos: crer não em nós, mas em Deus.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Verdade

"As pessoas"; tenho um problema sério com essa expressão. "O público", "o povo", o burguês", "a ciência", "os pastores" e "os qualquer outra coisa", são todos termos genéricos que me incomodam. Para garantir que não haja erro em minha fala e que ela tenha um valor "profundo", "irrefutável" e "universal", utilizo a indireta que esses termos genéricos possibilitam garantindo a maior abstração possível em nossa conversa e distanciando, desse modo, tanto a minha vida quanto a tua do problema que estamos tratando. Engraçado; descobri que não são apenas esses termos "gerais", mas, hoje, qualquer termo é genérico, abstrato e universal.  Nos habituamos a repeti-los sem saber seu significado, sem nos identificarmos com eles, sem termos coragem de colocarmos o nosso na reta: eu.

Tenho pesquisado muito Soren Kierkegaard (um amigo morto que me acompanha em conversas íntimas). Por esses dias, enquanto tomávamos chá e comíamos chocolate antes de cada um ir para seu próprio quarto e encontrar seu próprio travesseiro, ele me disse: "nenhum homem, nenhum, ousa dizer 'eu'". Ele me atiçou com essa constatação genérica enquanto contava que os indivíduos se acostumaram a ler e repetir expressões complexas e acadêmicas dos livros e dos jornais legitimadas por um saber "científico", uma superioridade de seus "intelectos" e de suas "lógicas". Se eu aprendesse a organizar uma oração de acordo com as regras estipuladas pelo "princípio correto", seria tido como um gênio. As conversas eram abstratas, genéricas, evasivas e repetitivas. Até a "verdade" se tornou genérica. Todos falando em nome dela, ninguém preocupado em mastigá-la e experimentá-la em sua própria intimidade. Todos falam, ninguém existe. De tudo se fala, nada existe.

Assim como "as pessoas", "o povo" ou "o político", "a verdade" parece ser mais um termo, mais uma generalização, mais um nada que ocupa nosso tempo enquanto assistimos TV, lemos livros/jornais ou blogs na internet. Uns até arriscam falar que ela é provisória; mas, quando o fazem, generalizam do mesmo modo que aqueles que a defendem como única. Todos falam da verdade, ninguém existe com ela. Seja caçando para si autoridade na ciência, filosofia, acadêmia, política, estética, futebol ou religião, cada um de nós quando fala da verdade, fala como se ela estivesse em um lugar parada para ser admirada. Distante, abstrata, nos céus, na terra ou no inferno, essa estátua que, para alguns, é mutante, existe em qualquer lugar, menos em nossa existência, conosco em nossa intimidade. Parece que falamos dela, mas ela não faz parte de nós, nem mesmo de nossa fala. É uma palavra que se refere a qualquer coisa com a qual não tenho parte, mas, sabe-se lá como, consigo dizer seu nome.

Verdade: uns dizem categoricamente que não existe, outros que é uma mulher, outros um homem, outros morrem de medo e, ainda mais uns genéricos, escorregam nas orações abstratas e se contentam com afirmar sua provisoriedade. Bem, não tenho problema em dizer que ela é provisória. Nem que ela é eterna, nem que é aterrorizadora, nem que é linda, nem que é qualquer coisa; quando estamos só nós, eu e ela, dentro de quatro paredes, não há ninguém que possa dizer qualquer coisa sobre nossa intimidade... Faço miséria com essa palavra. Assim como promovo riquezas. Arrebentamos juntos. Do mesmo modo que somos destruídos pelo cansaço. A verdade existe sim, e não é nem um pouco genérica: dorme e acorda comigo todos os dias, somos uma só carne, tomamos parte um do outro.

A verdade é verdade enquanto creio nela, enquanto confio no que ela é. E o que ela é? Se depende de minha crença - confiança -, é um objeto de Fé. Sendo um objeto de Fé, uma experiência existencial e íntima minha, própria, individual, não é uma questão de exprimi-la "bem" numa generalidade qualquer para ser usurpada e estuprada por qualquer um que interprete com sua própria experiência de Fé aquilo que tive que expressar através dessas bem-mal-ditas palavras. Me arrisco a colocar em sons isso que sinto para que compartilhe com mais alguém minha verdade. Porém, são apenas sons; barulhos genéricos sem valor nenhum para outro que não eu. Talvez, esse som possa ter valor para você que me ouve - ou melhor, que me lê. Mas, apenas tem valor porque experimentou alguma vez em sua intimidade dentro de quatro paredes tuas o êxtase de Fé que é mastigar o que está por trás do símbolo exprimido nessas palavras.

"A verdade"? "O povo"? "O público"? "O burguês"? "O homem"? "O indivíduo"? "A ciência"? "A religião"? Quem? Você? Eu? Entendo muito melhor agora aquela metáfora que diz que quando falamos de alguém, falamos de nós mesmos... Entendo muito melhor agora a metáfora de Paulo Freire quando diz que existe um opressor dentro do oprimido... Entendo muito melhor a metáfora que diz: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim"... São encontros! É a intimidade! Sou eu! Existimos, existo, existe...

Nossas conversas não podem ser mais genéricas, eu não devo mais ser genérico. Existe muita vida para se viver, mas abstraímos tudo para a arrogância e a comodidade de entregarmos autoridade às palavras ou algum outro mito que não o nosso de alguém que contou algo (genérico...). É ter coragem de experimentar o próprio quarto, de fechar a porta, de experimentar a quietude e a companhia de quem se confia. São opções de Fé, experiências de crenças - não, não há segurança alguma, não há terreno estável. São mitos que nos contam e que nós, podemos ou não, acreditar. São mitos que contamos à nós mesmos e, quando colocamos os pés no chão, iremos ou não passar a confiar. Estamos montados numa rede de relações e confianças. Falar de generalizações rouba muito tempo de quem mal tem tempo de viver...

A verdade existe, é única e dependente de uma experiência de Fé. Quando contar sobre ela será por meio de um belo mito que, talvez, partilhe de algum modo da experiência de alguém. As palavras não podem ser genéricas e nem nossa existência covarde. Em vida sou herói e devo ousar em minha caminhada...


Gratis i Kristus

terça-feira, 22 de maio de 2012

Carta aos meus irmãos

Antes de qualquer coisa, gostaria de deixar claro que, assim como o dízimo, esse texto diz respeito única e exclusivamente aos irmãos de minha comunidade de Fé; os cristãos, os evangélicos, os betesdenses. Aqueles irmãos que me conhecem, sabem que não sou contente com nossas habituais práticas religiosas, as critico muito e, ao mesmo tempo, sou um apaixonado pela Igreja e por sua força motora de revoluções e transformações que expressam um sinal do Reino, um chamado da Eternidade. Sou receoso quanto à religião e não vivo sem ela. Sou um atormentado amante que vez por outra parece querer destruir sua casa e vez por outra fazer um puxadinho...

Irmãos, não tenho como dizer que religião é algo santo por si só; sei das guerras que foram feitas em seu nome, das culpas propagadas, das insanidades, dos seus ouvidos muitas vezes surdos e dos seus olhos quase sempre cegos. Porém, também não posso dizer o contrário, não posso rejeitá-la, negá-la, escondê-la ou anunciá-la como uma grande brincadeira, uma grande mentira. O que no mundo não é mentiroso? As ciências? Os amantes? Os tribunais? Os juízes? As faculdades? Todos legitimaram guerras, propagaram culpas, insanidades, foram surdos e quase sempre cegos. "Aquele que diz não ter mentido, é mentiroso". Mas, dizer isso tira a culpa da religião? Não, de maneira nenhuma. Porém, rouba dela o gérmen da maldade que uns e outros tem o hábito de colocar. Nenhuma Instituição é boa ou má em si mesma, mas o modo como ela existe em nossas existências se torna danoso ou benéfico.

Sem nenhuma Fé, temos o hábito de refletir sobre as coisas como causadoras do mal ou do bem; queridos, não existem as coisas, existimos nós, existo eu. Colocarmos na religião - ou em qualquer Instituição - a semente do bem e do mal e comer de seu fruto nos ausentando de nossa responsabilidade, me parece ser um ato um tanto quanto condenável...

É muita arrogância e prepotência discriminarmos aquele que age diferente de nós em sua prática religiosa tendo-o como ignorante. Se somos tão melhores assim, porque não nos fizemos de servos dos servos? Porque insistimos em ficar de pé apontando para a prostituta que jogamos de joelhos à nossa frente? Às vezes legitimamos nossa experiência de Fé como digna de Verdade não por seus frutos, mas porque ridicularizamos a aridez que vemos na plantação do vizinho.  Até onde sei, nossa Fé não nos convida a zombar dos campos com poucas vinhas, mas, pelo contrário, nos convida a dividir do fruto que tivermos. Se não temos nenhum fruto, então está na hora de pararmos de falar e começarmos a colocar a mão no arado.

Tomemos cuidado para não chutar os alicerces que permitiram que colocássemos nossas tendas de pé. Cuidado para não zombarmos do ancião ou das práticas antigas de nossa religião simplesmente por não serem as mais novas no mercado ou porque não satisfazem nosso intelecto arrogantemente alimentado por sua pretensão de superioridade. Não nos esqueçamos de que em sua geração, aquilo que hoje pode destruir, foi libertador e movimento a Fé de muita gente, animou os pobres, trouxe alivio aos cansados, abrigou os estrangeiros e resgatou os oprimidos. Hoje talvez não nos fale mais não porque a mensagem antiga em si mesma seja ruim, mas porque de tanto usada por nós, desgastou-se, perdeu sua força, fez-se danosa - assim como a religião, os tribunais, as faculdades, as ciências... Anos atrás nossa razão dizia que com certeza o Sol era o centro do Universo, mas, hoje, com certeza não existe mais centro. É danoso afirmarmos que o Sol é o centro? É danosa a ciência astronômica em si? Não podemos confiar mais nessas coisas? Não podemos confiar mais em nada? Não! Muito pelo contrário! A falta de sentido nos obriga a confiar. Confiar é ter Fé. Não há no mundo um só homem que não tenha Fé. Não há no mundo um só homem que não seja religioso. Por isso, cuidado! Não zombemos de nossos alicerces! Não chutemos o sustentáculo de nossas cabanas.

Temos que confiar em algo, temos que ter Fé em alguém. Os amantes mentem uns aos outros, mas, mesmo assim, dizem se amar, confiam no amor que vai além das corretas palavras que uns utilizam com outros. A religião fala, mas suas palavras não são boas ou ruins em si mesmas; mas somos nós, os fiéis, que a transformamos, que a guiamos para algum lugar. Confiemos, somos determinados a confiar! Não, não somos tão livres e auto-suficientes como pensávamos! Temos um destino: todo homem crê, todo homem confia: todo homem é destinado a depositar em algum lugar sua Fé. Não julguemos a religião por si, não julguemos o religioso, mas transformemos Eternamente nossa religião.

Poderia e gostaria de contar histórias sobre dogmas que rejeitamos e rimos, mas que, na verdade, podem ao mesmo tempo ser libertadores e sérios. Poderia e gostaria de reler algumas doutrinas que descartamos e fazemos piada como se não tivessem importância. Poderia e gostaria de mostrar que essa prepotência de imaginar que um rapaz de um quarto de parede branca de um apartamento de um prédio de uma rua de uma cidade de um Estado de um País de um Continente de um Mundo carregado com sua Biodiversidade de um Sistema de uma Galáxia de lugar algum seria capaz de ter a "grande sacada que ninguém teve", a "grande Fé que ninguém teve", é pecaminosa, perigosa, diabólica. Poderia e gostaria, mas não, não o farei - o texto ficaria maior do que já está...

Irmãos, examinemos a nós mesmos. Recordemos de nossos pais, de nossos avós, de nossa Fé, da Eternidade. Somos pó, as Instituições são pó. Somos todos religiosos, respeitemos nossas religiosidades. Se há denúncias, são contra os príncipes encarregados de promover o mal. Se há revolta, é contra o indivíduo que faz de sua vida uma destruição para o mundo, que egoisticamente se recolhe à sua superioridade e despreza o valor das vidas de seus próximos. Se vamos à luta, que seja contra Inimigos, não contra os próximos. Se os Inimigos já são vencidos, que não chutemos os cães mortos e disso façamos um espetáculo, mas, muito pelo contrário, celebremos dividindo do nosso pão e do nosso vinho a vitória que já é nossa.

Espero que as "meias-palavras" caiam nos bons ouvidos.

Que Deus nos abençoe.

Gratis i Kristus

quinta-feira, 17 de maio de 2012

"Deus está morto" - disseram ao louco.

A história de ninguém está separada da História de todos. Assim como a História de todos não pára para esperar que a história de ninguém eleve-se de tal modo que sua vida seja igual, maior ou exemplar para qualquer outro indivíduo. Não somos caricaturas da humanidade, e nem a humanidade se presta a ser molde para cada um de nós. História por história ou história por História, ou enxergamos nosso tempo como um grande mito, ou nos furtamos da Eternidade. A vida de cada indivíduo pode ser um mito para sempre. A História que elegemos como de "toda a humanidade" é um mito que se mantém enquanto cremos nele.

Deus uma vez realmente entrou na História, mas os fiéis o chamaram de "mito" e consideraram o mito da História como o real divino. Adorar o deus feito por mãos humanas é errado; não porque Deus se ire, mas porque os homens se iludem: ao criar um ídolo e o adorar, o indivíduo vê a si mesmo como maior que Deus. Chamamos nosso mito que explica as coisas de "verdade", e rejeitamos a Verdade como um mito mentiroso. A Verdade é um mito, mas um mito Eterno, um mito real - diferente da História, que é um mito com data e hora para começar e terminar...

Nietzsche, visto com maus olhos por muitos fiéis adoradores de si mesmos, constatou: "Deus está morto" - frase dita com um louco que carregava um luzeiro nas mãos. Realmente, Deus morreu no dia que os homens decidiram provar sua existência com as próprias mãos. Os esforços mentais, racionais e intelectuais de demonstrar Deus, sua necessidade, sua Vida ou até mesmo sua Inexistência, são, definitivamente, a morte de Deus. Sempre que decidimos escolher como é ou deve ser Deus, vemos que Ele nunca se conforma com nossas determinações. Sendo assim, façamos o que é digno fazer com aquele que se diz Deus mas não faz parte dos nossos modelos idólatras do divino: o crucifiquemos e guardemos numa tumba.

O exercício constante dos  homens em falar sobre o verdadeiro Deus (como se fosse possível) ou sobre a História (o divino obrado fragilmente por suas próprias mãos), é um grande jogo, uma doce brincadeira, uma maneira infrutífera de passar o tempo. É, sem dúvida, o melhor caminho para encarcerar-se na temporalidade e perder a dimensão do Eterno, a experiência da Revelação, o vislumbre da Ressurreição. Deus não entrou na História por suas palavras, mas por si mesmo. Palavras são as divisões que fazemos para tentar dominar um pouco quem Deus é. Sabendo disso, percebemos que muitas vezes corremos o risco de botar na boca de Deus criações por Ele jamais proferidas.

Enquanto nos prestamos à busca de nossa verdade, não da Verdade, guardamos Deus em seu sepulcro e afirmamos sua morte - mesmo quando falamos que ainda procuramos por sua vida. Somos como os sacerdotes que enterram Cristo e retornam ao templo para adorá-Lo (?). Nos readaptamos a rezar, orar, fazer milagres e esperar o próximo ídolo que chamaremos de Deus. "Deus está morto" - certo estava Nietzsche.

Porém, graças ao próprio Deus por aqueles que se resguardam! Que angustiados retornam às suas casas em desânimo. Graças à Deus pelos que se silenciam, que se entristecem, que sabem terem encontrado Deus pois andaram com Ele! Graças à Eternidade pela paciência desses desanimados, desses homens sem alma, desses que desistem dos exercícios da alma para compreender Deus, já que comeram de seu pão, experimentaram seu vinho, dividiram o peixe, as redes, as noites, os dias... Graças à Deus pela fidelidade dos discípulos - não a dos sacerdotes. Pois se Deus esteve morto por um dia, para aqueles que se calaram,  três dias depois foi vista sua Glória, desfrutada sua Ressurreição!

Para que Deus esteja morto, basta um são dizer saber quem Ele deve ser. Para os loucos que confiam em sua Eternidade, basta seu silêncio, já que não fazem a mínima ideia de quem Deus deve ser, pois caminham com Aquele que É. Sim, Deus morreu - para aqueles que O procuram em sua(s) História(s). Ou não, não morreu - para aqueles que deixaram de procurá-Lo nos ídolos e nas imagens para caminhar com Ele pela Eternidade...

As verdades que mais me dão medo são as proferidas por aqueles que temem a mentira...



Gratis i Kristus

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Um conto simples

Um casal apaixonado que foge da chuva em direção à uma casa no interior e, com risos e carícias, se dividem em dois corpos completamente diferentes que se amam e se tocam enquanto brincam de amar no tapete do chão próximo à lareira... Um jovem estudante que vorazmente acaba de ler um livro e caça dele uma santíssima ideia com o propósito de passá-la a alguém... Amigas que se encontram e dão o abraço mais forte que o mundo já viu num silêncio que quebra as palavras trocadas à distância há três anos... Um fiel que canta uma música que expressa sua experiência de Fé... Uma família que se reúne aos domingos para comer o prato feito com todo carinho pela vó e temperado pelas risadas e piadas dos sobrinhos, netos, tios, primos, pais, namorados e namoradas...

Existem experiências que não cabem em palavras. Existe um conto que vai além deste que contei. Um conto muito maior, um conto muito mais simples. Existem dois textos aqui escritos: o das letras e o das vidas. Pois leiam o das vidas. Para tal feito, não precisam entrar em meu blog, mas basta o silêncio, o amor e a paixão pelo dia-a-dia...

Sou um apaixonado! Vivo apaixonado! Cada dia me encanto e perco o sono sonhando com minhas paixões...

Amo.


Gratis i Kristus

segunda-feira, 9 de abril de 2012

E se a Eternidade for uma Bailarina?

Eclesiastes 3: 9 - 13 "O que ganha o trabalhador com todo o seu esforço? Tenho visto o fardo que Deus impôs aos homens. Ele fez tudo apropriado ao seu tempo. Também pôs no coração do homem o anseio pela eternidade; mesmo assim ele não consegue compreender inteiramente o que Deus fez. Descobri que não há nada melhor para o homem do que ser feliz e praticar o bem enquanto vive. Descobri também que poder comer, beber e ser recompensado pelo seu trabalho é um presente de Deus."

Não sei dançar. Peça um poema, uma música tocada no violão, um livro, um bom chute num jogo de futebol, aprender uma nova língua, um desenho, um gesto de amor ou um beijo, mas não me convide para uma dança. Tenho pés leves para jogar bola, mas tábuas secas para a dança. Mas, e se a eternidade for uma bailarina? Como acompanhá-la? Como conhecê-la? Como experimentá-la? Como vivê-la? Como amá-la?

De que adianta o esforço de meu trabalho para pensar a eternidade? De que adianta todo o trabalho debaixo do sol se não compreendo o Deus que se fez carne e mostrou seu rosto? De que vale me esforçar para compreender? De nada! Tenho corrido atrás do vento. Enquanto desenho e esquadrinho a bela moça que salta, não a vi num leve rodopeio que culminou em seu gracejo de desviar o rosto do público e mirar a leve e delicada mão suspensa... Não sei dançar. A Eternidade me escapa.

 Falo, discurso, escrevo. A Eternidade... A Bela Eternidade... A Bela Bailarina... Perdi novamente todas as minhas letras, sumiram os papéis, joguei fora tinta a toa. De que vale tanto esforço? Não entendo! Desejo e anseio pela Eternidade, porém, Deus me impôs o fardo do trabalho finito de todos os dias. Trabalho insuficiente, trabalho inútil. A Bailarina continua sua dança e eu perco meu compasso... Já não esquadrinho tão bem a Fé que achei que tinha.

Não entendo porque falo demais. Não me rendo porque danço de menos. Ah, se eu soubesse dançar! Saberia da Bailarina seus sonhos, viveria a Eternidade! Mas não, continuo a esperar o dia que completarei meu quadro, pintarei meu texto. Chega! Deixo de lado os papéis, abandono o discurso! Descobri que a Eternidade dança agora, a música não parou de tocar e milhares de notas com infinitos passos doces e excitantes brilham à minha frente... A música não se deixa esquadrinhar, a Bailarina não permite ser congelada. Se é feliz e faz o bem quando ouve-se e admira a dança hoje...

Sou vivo. Posso comer, beber e trabalhar. Sou agraciado por Deus! Ouço a orquestra e vislumbro a Beleza! Não mereço tamanho presente! Não sei dançar... Mas admiro tão bela dança! Não posso ser o par... Mas sou um espectador apaixonado! Se a distância entre minha finitude e a Bela Eternidade for uma dança, me calo e deixo que a música toque, admiro a Bailarina e sonho um dia aprender a dançar...

Ah, Bela Bailarina... Quem dera soubesse dançar hoje! Seria Eterno, iria para além das letras e dos papéis. Teria tua companhia, experimentaria Deus face a face... Quem dera! Mas, enquanto não sei, que maravilhoso é poder sentir teus encantos, cair em teus cantos e me deixar levar pela melodia... É um presente de Deus! Sou feliz e faço o bem enquanto vivo. Que bela dança! Que lindo som! Bela Bailarina... Um dia aprenderei a dançar...

E se a Eternidade for uma Bailarina?

Sou o mais apaixonado e amante dos admiradores! Falta-me aprender a dançar...


Gratis i Kristus

terça-feira, 3 de abril de 2012

A vida é um jogo de pôquer.

Passei a ver meu dia-a-dia como um jogo de cartas. Somos todos homens e mulheres sentados em uma mesa circular com os olhos fixos uns nos outros. As luzes do salão são fracas, a mesa é carpetada de verde e o crupiê tem em seu crachá dourado gravado seu nome e sobrenome: "Sr. Acaso Necessário". As cartas são embaralhadas, distribuídas e organizadas na mesa. Cada homem e cada mulher deve ter coragem para observar atentamente as suas "armas" e, ao mesmo tempo, as que possibilitam e dão o tom do jogo. A vida é um jogo de pôquer de apostas altíssimas...

Dependemos uns dos outros e, por alguma razão, estamos uns contra os outros. Por isso, fazemos corporações, negociamos apostas, falamos durante toda a partida, jogamos "um verde", piscamos, flertamos, mandamos beijos, trememos as mãos, cochilamos, nos defendemos e atacamos. Uma piscada a mais e ruímos, mesmo que municiados com boas cartas na mão. A vida é um jogo de pôquer de apostas altíssimas e conversas futilmente vitais...

Para nos mantermos alertas e jogando, precisamos de água, álcool, comida e uma bela companheira bem vestida em pé ao nosso lado ou um musculoso acompanhante que mantenha a mão no ombro da jogadora para satisfazer os prazeres e distrair os adversários. Todo o tempo o jogo é tenso, toda tensão nos põe um instante mais próximos do fim da partida. O incansável crupiê constantemente reembaralha, redistribui e reorganiza as cartas. Os hábeis e os imbecis jogam pela vida e armam instrumentos que permitam estar um passo a frente dos outros. As corporações e os negócios passam a ser regrados pelos jogadores. Uns falam com outros, armam-se para aumentar as apostas e vencer os demais. A vida é um jogo de pôquer de apostas altíssimas e conversas futilmente vitais que regem e determinam o tempo dos jogadores no próprio jogo...

Para provar que um pode ajudar o outro, os jogadores pedem que os adversários dêem suas palavras. Pois bem, basta que um blefe para que todos caiam. Se esperarmos dos homens que se provem por argumentos, a primeira cartada de um mentiroso levará embora todas as nossas apostas. No desespero, os homens confiam na boca dos outros, entregam-se às mentiras e à superstição. A vida é um jogo de pôquer de apostas altíssimas e conversas futilmente vitais que regem e determinam o tempo dos jogadores no próprio jogo de acordo com os critérios que utilizam para confiar em suas conversas...

Se o jogador esperar do crupiê uma boa organização das cartas, correrá riscos demais e sucumbirá. Porém, por outro lado, as jogadas só são realizadas de acordo com as possibilidades entregues pelo crupiê; não há um milagre no carteado. As chances só aumentam quando os jogadores conversam uns com os outros. Entretanto, se houver um mentiroso, os honestos caem. Se as conversas dependerem da fala e dos argumentos, os ardilosos garantem a queda do "Reino dos Céus". Agora, se os jogadores estabelecem como critério para as conversas a carne do adversário, encurta-se o espaço da mentira. A carne não guarda segredos, expõe feridas. Os jogadores que desacreditam das palavras e tem Fé na carne e nos encarnados, nunca ganharão as apostas, nunca desbancarão o jogo. Porém, também nunca sairão da partida antes de seu tempo...

A vida é um jogo de pôquer. Qual será nosso critério para jogarmos? Meu dia-a-dia é um jogo de pôquer. Meu critério e experimentar de tua vida, não mentir quanto à minha e desistir de ganhar o mundo, preferindo não perder minha alma.



Gratis i Kristus

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Silêncio! Deus é.

Provérbios 25: 2 - "A glória de Deus é ocultar certas coisas; tentar descobri-las é a glória dos reis."

Lewis Carroll é o autor de Alice no País das Maravilhas e Alice no País do Espelho. Mas, na verdade, esse não era seu nome. Lewis Carroll chamava-se realmente Charles Lutwidge Dodgson. Charles criou um pseudônimo: Lewis. Pseudônimo é mais ou menos um nome que, na verdade, não é nome, pois não remete à uma pessoa, mas à uma pessoa que uma pessoa inventou.

Em seu segundo livro, Charles, ou Lewis, não sei, conta uma estória em que Alice encontra-se com Humpty Dumpty; uma personagem que dá para as palavras o significado que ele quiser. Em certo momento da conversa, Humpty Dumpty utiliza a palavra "glória", num contexto que nada teria a ver com seu significado. Alice fica curiosa e pergunta à Humpty o que ele queria dizer com "glória", e ele responde que para ele significava um "argumento irretorquível". Mas teria ele o direito de fazer isso? Como poderia dizer algo que não era o mesmo para as pessoas? Assim perguntava Alice. Em resposta, a outra personagem diz: "A questão não é essa! A questão é quem é que manda aqui. Só isso." - seriam as palavras nos falantes, ou os falantes nas palavras? Quem é que manda? Isso, Humpty disse sobre glória. E o que ele diria sobre Deus?

Escolhemos um nome para Deus: Deus. Porém, esse nome era grande demais; precisávamos especificar mais coisas sobre Deus. Demos, então, novos nomes para Deus: protetor, amoroso, misericordioso, bom, justo, eterno, Insondável, inefável, santo, digno, Senhor, salvador, rocha, rei, libertador... E quantos atributos seremos capazes de a Ele empregar. "Atributos", os nomes de Deus. Construímos para Deus um castelo de pseudônimos, assim como o de Charles: nomes que não são Deus, não definem nem limitam e nem estão ligados ao próprio Deus, mas, de alguma forma, estão ligados à Deus. A glória de Deus foi esconder, a nossa, dos "reis", é descobrir...

Mas, assim como Humpty Dumpty faz com as palavras, que significados damos aos nomes que atribuímos à Deus? O que fazemos com essas palavras? São elas que "mandam" em nossas conversas e nossas orações, ou somos nós que utilizamos delas para falar o que experimentamos de Deus? Ao que me parece, algumas dessas palavras ganharam vida, deixaram de ser pseudônimos e tornaram-se seres com vida própria. Algumas palavras abandonaram as letras e se tornaram, para nós, literais, reais. Os dragões, as fadas e as princesas saíram dos contos para viver em nossa pseudorealidade de reis - nossa pseudorealidade "real".

Atribuímos à Deus, por exemplo, "Senhor", uma palavra que significaria nossa experiência de Fé da presença e liderança divina em nossa vida. Porém,  ela ganhou vida própria e tornou-se um dragão, fez-se um conceito: Senhor passou a ser uma entidade (ir)real que controla e domina tudo. Deus tornou-se déspota e nossa experiência viva foi transformada em lei - palavras com vida própria. Deus passou a ter o controle de tudo. Se alguém morre, está no controle de Deus. Se alguém vive, foi graças à Deus! Se uma pessoa nem morre nem vive... Deve ser diabólico...

A palavra quando ganhou vida nos aprisionou em seu mundo real. Nos tornamos reis descobridores destronados e desistentes. Nada mais descobrimos, nada de real temos. Uma Majestade nada majestosa. Precisamos, para nos libertar, abandonar a lei da palavra e buscar uma nova experiência de Fé, uma nova significação.  (Re)Descobrimos a Graça. Maravilhosa Graça! Nos soltamos, relaxamos e determinamos os novos passos... Determinamos? Sim, elegemos um novo nome, um novo atributo, uma nova cadeia, um novo monstro que saiu dos livros e ganhou vida própria. Charles realmente se tornou Lewis...

Nós, reis que fazem de seus sonhos reais, encaixotamos novamente Deus. Decidimos que, de agora em diante, Deus não controla mais nada. Pois bem, toda e qualquer experiência de Fé que fugir do "controle" da Graça, deve ser rejeitada e enclausurada, pois vai contra nosso  último atributo eleito. Quais serão os argumentos que os defenderão? Que significado daremos para as palavras? O que faremos com "glória"? E com "Deus"? Em Humpty Dumpty está, talvez, a nossa salvação: "A questão é quem é que manda aqui. Só isso."

Pode ser que numa mesma situação, num mesmo dia, envolvendo as mesmas vidas, Deus esteja no controle e não. Pode ser que num mesmo momento, Deus seja gracioso e não. Pode ser que numa noite escura, eu durma em paz ou não. As experiências da vida não são feitas com argumentos, são feitas de vida. As experiências de Fé não são feitas de palavras, mas de Deus. Quem disse que Ele cabe em meu vocabulário? Quem disse que há um nome que o defina? Quem disse que um pseudônimo é suficiente? Um atributo? Não! Deus se experimenta e se faz na Vida. Sabe o que acontece? Deus se encarna...

O nome não é Jesus, é Messias. Aliás, não é Messias, é Cristo. Desculpe-me, é Filho de Deus. Não, Filho do Homem... Não! É Vida! É Deus que se faz vivo, se faz presente, se expressa e manifesta de modos indescritíveis, incompreensíveis, invisíveis, inaudíveis, milagrosos. É o Deus que não se sonha, se encarna. Os reis descobridores o descobrem enquanto reis, enquanto vivos, enquanto reais. Deus esconde, Deus oculta. É eterno. Da eternidade não se fala. De Deus não se fala. O nome nem deve ser escrito! Porque Deus é o Princípio, é o Fim, Alfa, Ômega, Verbo, Amor, Espírito, Liberdade... Deus é! Deus somente é...

Não vale a palavra certa, o nome certo ou a doutrina certa. A Vida é única, a experiência de Fé é silenciosa, experimentada. Quem é capaz de desvendar e compreender Deus? Quem diz do mistério? Quem crê ser capaz de esgotar o oculto? Silêncio! Silêncio! Silêncio! Ouço barulho demais, ouço nomes demais.

Deus é.

Deus.

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Gratis i Kristus

segunda-feira, 26 de março de 2012

Sem o "Senso", somos comuns!

I João 3: 18 - 20 "Filhinhos, não amemos de palavra nem de boca, mas em ação e em verdade. Assim saberemos que somos da verdade; e tranqüilizaremos o nosso coração diante dele quando o nosso coração nos condenar. Porque Deus é maior do que o nosso coração e sabe todas as coisas".


A escravidão deixou suas marcas: vivemos na espera de alguém que nos entregue a alforria. Nos acostumamos a ensinar nas escolas que europeus pensaram (teorizaram) o modo de organizar nossa libertação, de estruturar nossa liberdade. O tempo passa e continuamos a espera de algum novo estrangeiro que traga uma nova mensagem. Por que não produzimos a nossa? Porque nos consideramos escravos - e escravo não pensa.

Deixamos de ser colônia a um bom tempo, mas ainda cremos que quem pensa são os senhores, enquanto que quem trabalha são "apenas os escravos". Meros escravos! Sem estudo, sem conhecimento, sem sabedoria. Melhor deixarmos para que outros pensem por nós enquanto trabalhamos, pois quem trabalha parece que não pensa...

Mentira! Maldita mentira! Essa é a corda que substituiu as correntes! Assim como o elefante de circo, que quando novo é preso com correntes que o machucam e, de tanto se machucar, pode depois de velho ser preso apenas com um cordãozinho, somos nós os "trabalhadores". Damos mais valor aos letrados que aos mecânicos. Porque? Uns pensam, outros não. Mentira, mentira, mentira! Isso é um levante anticristo que pretende destruir nossa vida, nossa liberdade.


Não, não precisamos de uma nova teoria. Não, não precisamos de um novo pensamento. Não, não precisamos de um novo discurso. Quem espera que a mudança venha de uma nova idéia fruto de um jardim sujo e mal cuidado de alguma Universidade, espera o Sebastião voltar para salvar Portugal! Ainda anseia pela vinda do Messias, enquanto que ele já se fez carne e habitou/habita no meio de nós. O Cristo, a mudança, a salvação não depende de uma nova proposição, de novos argumentos; Cristo vive quando é encarnado! A mensagem cristã é reconhecida como tal quando prega o Cristo ressuscitado em carne e osso. A mudança, a liberdade, a libertação acontece quando a Vida age, quando as pessoas vivem, quando o trabalhador se vê como real produtor de mudança, e não quando o pensador existe como virtual escritor de teses.

A questão não é se temos uma Filosofia, uma Ciência ou Senso Comum, o ponto de partida é retirar o "Senso" e entender que todos somos "Comuns". Se elaboramos teses baseados em Platão ou se concertamos pias para garantir o sustento de casa, somos comuns, somos viventes produtores de vida. E aquele que transforma a vida não é o que a pensa, é o que a vive! A vida é ação, encarn-ação...


"Não amemos de palavras nem de boca, mas em ação e em verdade". Nossa verdade não é uma junção de argumentos que validem uma revolução; nossa verdade é a prática de vida, a existência que se dá no dia-a-dia. Não nos condenemos e nem sejamos condenados por não termos "permissão para pensar" (não sermos da academia), mas fiquemos em paz, nos tranquilizemos, pois Deus é maior e sabe de todas as coisas. Somos escravos? Trabalhadores? Somos Vivos! Diferentemente dos que abrem mão do dia para morrerem nos sonhos da noite, somos os que de Sol a Sol suam e sangram. Somos nós que mudamos, somos nós que vivemos, somos nós que nos libertamos! Somos nós que suportamos a vida; somos nós que promovemos a Salvação...

Somente os vivos são os que amam...


Gratis i Kristus

sexta-feira, 23 de março de 2012

A Senhora linguagem

Êxodo 20: 7 "Não tomarás em vão o nome do SENHOR, o teu Deus".

Depois que aprendi a falar, não consigo mais pensar sem palavras. Como pensava antes? Será que quando pequeno eu não pensava? Aliás, assim como o ovo e a galinha, o que veio primeiro: a palavra ou a experiência? Para fugir do caminho de um ou de outro, aceito ser controverso: primeiro veio a Vida.

Acho sensacional nossa capacidade de falar; somos aptos para discutir a mesma coisa com dois discursos diferentes que querem "dizer" o mesmo. Já percebi que muitas vezes entramos em embates épicos por absolutamente nada. Desferimos golpes certeiros com nossos argumentos afiados, nos protegemos nas estruturas da linguagem e, principalmente, na crença que nós e os "outros" temos de que as palavras são reais. Damos mais valor às palavras do que à boca que as profere. Por muitas e muitas e muitas vezes, nos digladiamos em conversas que, no fim, chegam, pelos dois caminhos discursados, ao mesmo lugar...

Provavelmente nos adaptamos bem demais. Desenvolvemos com destreza um instrumento que nos ajuda a suportar a existência: a linguagem. Enquanto o camaleão foi agraciado com seu dom adaptativo de disfarce para conseguir se alimentar e fugir de predadores, nós, sábios humanos, fomos presenteados com uma ferramenta espetacular que nos permite produzir matérias para nós mesmos, expressar nossas experiências e viver em sociedade. Aprendemos a falar e a organizar nossos discursos. Passamos, com isso, a existir de um modo diferente, experimentar a Vida de um jeito diferente.

O problema, entretanto, é que nosso instrumento parece ter começado a ganhar vida própria. Criamos um robô com um germe de inteligência artificial que trabalharia a nosso favor. Porém, tempo passou e o robô, que seria nosso funcionário, assumiu as rédias de nosso cotidiano e fez-nos de escravos. Trabalhamos em função de nossa linguagem, pensamos estruturados em nossa linguagem, damos menos importância à vida do que damos a nossa linguagem. Nosso instrumento de trabalho existencial transformou-se em um paradigma , uma barreira que nos prende à uma cidade fantasma onde a vida não é bem-vinda. Somente aceitamos propostas se estiverem carregadas de argumentos, apenas consideramos as experiências válidas se trouxerem consigo marcas dos espéctros invisíveis que a linguagem nos ensinou a adorar.

Estamos tão presos à linguagem que cremos que ela seja uma tentativa possível de alcançar o eterno. A linguagem tomou o lugar de Deus. Colocamos em sua conta a função de explicar a vida. Antes perguntávamos as dúvidas para o Xamã, hoje para os que melhor utilizarem do instrumento "linguagem". Mas a vida não é explicada ou feita pela linguagem; as palavras são nossas servas, não senhoras. A vida está "para muito além" de um instrumento. Se nos fizermos senhores das palavras, a linguagem retoma seu lugar de instrumento e nos serve não para demonstrar a vida, mas para transformá-la.

Piamente nos tornamos devotos dos deuses do discurso. Cremos que como "sacrifício vivo" devemos explicar tudo e nomear a todas as coisas  para satisfazer as alegrias do nosso panteão. Instituímos filosofias, ciências, pedagogias, psicologias, teologias e religiões. Tentamos dar "razão" ao mundo, obedecer os robôs que nos comandam. Não! Jamais! São nosso instrumento, são mero instrumento. A vida não pode ser vivida em discursos, não pode ser explicada pela linguagem. Vida não é demonstrável, é mostrada, somente vivida. Deus não é demonstrado, apenas mostrado, experimentado, vivido. Já nos alertaram: não pronunciemos o nome de Deus em vão...

A linguagem não é uma corrida atrás do imediato. As palavras não são as justificativas para a Fé. Aliás, a "Fé vem pelo ouvir", e, para isso, precisamos ficar calados. Independentemente do que eu pense ou fale sobre a vida, ela vive. Inútil é nos prendermos às palavras, crermos que elas tem poder. A vida é muito maior, Deus é eterno! Se nos furtarmos de conhecê-las como instrumento, tornamo-nos escravos. Não escravos uns dos outros, mas dos discursos dos outros. Nós tornamo-nos gladiadores: escravos que lutam para satisfazer os prazeres de seus senhores...

Para aprendermos a fugir das armadilhas que criamos para nós mesmos com nossos instrumentos adaptativos, precisamos começar a dar mais valor para a boca do falante do que para suas palavras. É necessário compreender que verdades não são feitas por hormônios e impulsos elétricos que perpassam pelos cérebros dos homens, mas em suas mesas na hora de cearem juntos. O nome de Deus não pode ser dito em vão. O nosso Senhor está para além da linguagem, é muito maior do que nós, eternamente mais profundo do que nosso instrumento. Primeiro veio a Vida. A verdade não foi proclamada quando um homem falou, mas quando o Filho de Deus partiu conosco sua carne...




Gratis i Kristus