sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Vem da Cachoeira ou do Rio?

Não importa o dia, de qual semana, de que mês, em qual ano e entre quais décadas, já esta história acontece em todas as florestas do mundo a cada instante.

Pois bem, em uma floresta (óbvio, devido a introdução) numa manhã com um pouco de sol depois de uma noite inteira debaixo de chuva, a lebre chega desesperada aos saltos (porque era uma lebre) gritando aos animais: "Precisamos de uma barragem! Choveu muito ontem a noite e o Rio da Curva Baixa encheu demais e agora a água está vindo toda para cá!". Enquanto isso, chegando na direção oposta, batendo as asas o mais forte que podia, o gavião gritava a todos: Precisamos de uma barragem! Choveu muito ontem a noite e a Cachoeira do Monte Alto encheu demais e agora a água está vindo toda para cá!"

Os dois seres da floresta enquanto gritavam, deram de encontro um com o outro. Com os olhos assustados a lebre diz ao gavião: "Não! Eu vi com meus olhos, a água está vindo do Rio da Curva Baixa, por isso precisamos d..." Mal terminara de falar, o gavião a interrompeu sisudo e com as sobrancelhas emparelhadas: "Eu vi tudo por cima, e a água está vindo para cá por causa da Cachoeira do Monte Alto..." Este também mal terminara a frase e a lebre olhando para os outros animais que se achegavam aos dois berrou: "Não! Está vindo para cá porque o Rio encheu! Por causa disso precisam..." Mais uma vez uma frase interrompida. Mas desta vez pelo sapo: "Afinal, vem água pra cá?"

O gavião e a lebre simultâneamente responderam que sim, só que um dizia que vinha da Cachoeira e o outro dizia que vinha do rio. Os outros animais começaram a debater de onde que vinha esta água. A preguiça, que era o animal mais sábio desta floresta, pediu silêncio, aguardou a calma da discussão e disse em voz alta: "Precisamos construir então uma barragem, já que para cá está vindo água..." e mesmo sendo a mais sábia, não era a mais respeitada, e alguns animais falaram pelos cantos "da Cachoeira" e outros "do Rio", e a algazarra recomeçou.

"Da Cachoeira", "do Rio". Intermináveis discussões. A onça, que acabara de acordar, era o mais respeitado dos animais, e com um brado forte fez silenciar a clareira. "Estamos discutindo o que afinal?" falou ela. "Está vindo água para cá, e est..." novamente a zona retorna com os mesmo gritos "da Cachoeira", "do Rio". Vendo em que ponto estava aquela confusão, com mais um brado a onça tentou organizar tudo e reuniu uma assembléia. Convocou os animais, montou as três bancadas, a direita quem estava com o gavião, a esquerda quem estava com a lebre e no meio quem não tinha ainda tomado partido.

Argumentos afiados, adeptos obcecados por provar de onde vinha água e a assembléia esquentava. "Muito mais confiável um gavião que vê as coisas do alto, por isso a água está vindo para cá da Cachoeira!", "Não, a lebre é muito mais astuta e veloz, viu com antecedência de onde vem a água, do Rio!", " Mas se a água vem da Cachoeira ela vem do leste!", "Se vem do Rio também vem do leste!", "Mas a água da cachoeira vem mais forte por causa de onde ela cai", "Não, a do Rio vem mais forte por causa da correnteza"... E por aí foi a discussão, cada vez mais complicada e com mais variantes. Até que a preguiça disse: "Precisamos de uma barragem logo..."

Nesse momento todos os animais voltaram-se para a preguiça, respiraram para recuperar o ar desperdiçado na discussão, voltaram-se para a onça e praticamente de maneira unânime falaram: "Ela tem razão, vamos fazer nossa barragem". Pronto, ficara decidido que precisava-se de uma barragem já que a água viria d... A água veio, inundou a floresta, derrubou as casas dos animais, afogou alguns e todos sofreram as consequências.


Uma históriazinha bem simples, bobinha, com bichinhos, floresta e água. Mas todos os dias em todas as florestas do mundo isto acontece. Todos os dias, mensageiros, pregadores, oradores, líderes e religiosos pregam e falam sobre o amor, paz e virtudes da humanidade, e ao invés desta voz ganhar força e criar um mundo melhor com barragens que nos protejam das águas que vem nos derrubar, ela enfraquece e fica rouca em discussões que tratam se esta água vem da Cachoeira ou do Rio. Pouco importa de onde vem, ela vem, do leste, e se não construirmos uma barragem, ela nos engole por inteiro.

70% da superfície do planeta que chamamos de Terra é composto por água, mais de 70% da população desse planeta tem sede na alma e morre afogada por não ter barragens que a protejam e tragam paz a seu coração. Já que os construtores de barragens e os mensageiros que vieram avisar sobre a enchente estão ocupados demais querendo descobrir a origem da água, e não sanar o problema.

Ontem a noite, lia um livro que considero obrigatório a todo aquele que se diz humano, o "Tao Te Ching", o livro de Lao-Tsé que é base do Taoísmo, que por um acaso não é a minha religião, e me deparei com um poema que ao ler, lembrei-me de um outro texto que conheço bem. Veja por sí mesmo:

Lucas 12: 22 - 35

22 Dirigindo-se aos seus discípulos, Jesus acrescentou: "Portanto eu lhes digo: Não se preocupem com sua própria vida, quanto ao que comer; nem com seu próprio corpo, quanto ao que vestir. 23 A vida é mais importante do que a comida, e o corpo, mais do que as roupas. 24 Observem os corvos: não semeiam nem colhem, não têm armazéns nem celeiros; contudo, Deus os alimenta. E vocês têm muito mais valor do que as aves! 25 Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida? 26 Visto que vocês não podem sequer fazer uma coisa tão pequena, por que se preocupar com o restante? 27 "Observem como crescem os lírios. Eles não trabalham nem tecem. Contudo, eu lhes digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, vestiu-se como um deles. 28 Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, quanto mais vestirá vocês, homens de pequena fé! 29 Não busquem ansiosamente o que comer ou beber; não se preocupem com isso. 30 Pois o mundo pagão é que corre atrás dessas coisas; mas o Pai sabe que vocês precisam delas. 31 Busquem, pois, o Reino de Deus, e essas coisas lhes serão acrescentadas. 32 "Não tenham medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do Pai dar-lhes o Reino. 33 Vendam o que têm e dêem esmolas. Façam para vocês bolsas que não se gastem com o tempo, um tesouro nos céus que não se acabe, onde ladrão algum chega perto e nenhuma traça destrói. 34 Pois onde estiver o seu tesouro, ali também estará o seu coração. 35 "Estejam prontos para servir, e conservem acesas as suas candeias...

Poema 13 - Atitude reta do eu para os atos do ego

Favor e desfavor geram angústia.
Honras geram dissabores para o ego.
Por que é que favor e desfavor geram dissabores?
Porque quem espera favor paira na incerteza,
Sem saber se o receberá.
Quem recebe favor também paira na incerteza:
Não sabe se o conservará.
Por isto causam dissabor
Tanto o favor como o desfavor.
Porque é que as honras geram dissabor?
Todo dissabor nasce do fato
De alguém ser um ego.
E não é possível contentar o ego.
Se eu pudesse libertar-me do ego,
Não haveria mais dissabores.
Por isto:
Quem se mantém liberto de favores e desfavores
Liberta-se da idolatria do ego.
Só pode possuir o Reino
Quem está disposto a servir desinteressado,
A esse se pode confiar o Reino.

Dois textos de religiões diferentes que apontam para o mesmo ponto. Duas lanternas que clareiam a mesma parte do caminho escuro da vida, e ao invés de serem mais fortes unidas escancarando mais ainda este segredo da vida, a simplicidade e o servir, se ofuscam e de maneira egoísta, deixam as cegas os outros que caminham na mesma escuridão. A água vem e nos afoga porque ao invés de alertarmos para contruções de barragens, discutimos de onde a água vem... no fim, todos morremos.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Jacó e seu quarto

A Bíblia conta a história de um homem chamado Jacó, que significa "enganador". Uma imagem de um alguém comum, no caso dos brasileiros, o bom e velho malandro que utiliza de seu 'jeitinho' para alcançar seus objetivos.

Carregado de malandragens e artimanhas, numa mistura de Tom Sawyer com Rumpelstilskin e Zé Carioca, Jacó consegue passar a perna em toda a família e deixa furioso seu irmão, Esaú, ao ponto deste o procurar para matá-lo. Como todo bom esperto, na hora que o cerco aperta, Jacó foge e continua sua caminhada de esperteza. Encontra-se com um tio, que assim como ele não era dos mais confiáveis, é enganado, engana, trapaceia e tem que fugir de novo. Uma vida cheia de aventuras, jeitinhos e fugas.

E esta vida passa. Com ela as pernas já não acompanham a velocidade da mente, as fugas parecem cada vez mais complicadas e no meio de uma de suas peregrinações, descobre que a trilha de sua caravana vai de encontro para a de seu irmão, Esaú, que ficara furioso por causa da traição de Jacó ao ponto de o procurar para matá-lo. Mais uma oportunidade de fuga, de uma escapada louca e sem rumo para não enfrentar as consequências da vida.

Quer dizer... seria mais uma oportunidade, mas, dessa vez, Tom Sawyer talvez crescera, ralvez tivessem descobrido o nome de Rumpelstilskin ou Zé Carioca deixou a rede e encontrou um emprego. Não sabemos qual das opções, mas as pernas que já não aguentavam mais correr junto a mente, decidem seguir em frente.

Jacó fica sozinho a noite, preparando-se para o encontro com Esaú. Entra em desespero. Precisa de alguém, precisa de apoio, já que dentro de si, nada encontra que valha a pena para acalmar a culpa de uma vida malandra. Nesse quadro, surge do meio das sombras um homem que começa a lutar com Jacó. Os dois varam a noite em combate até que o homem que surgira pede para ir embora pois o dia desponta, e Jacó angustiado implora para que este antes de ir o abençoe. Uma cena louca, insana. O malandro só, puramente sendo ele mesmo, em conflito, pede a seu adversário que este o abençoe. Este homem no decorrer do texto, entrelinhas diz ser Deus, e abençoa Jacó mudando seu nome, de enganador, para Israel, pois lutou com Deus e com os homens e venceu. O dia amanhece, preparado para seguir seu caminho e enfrentar a vida pela primeira vez, sai mancando pois fora ferido na coxa. As jovens pernas que antes corriam para fugir, agora amadurecidas mancam para enfrentar a vida.

Não sei se de fato Jacó luta com Deus, se o viu face-a-face, mas sei que antes era inimigo de Deus, levava uma vida completamente irresponsável e fugia do crescimento e da maturidade. Contentava-se com a vida que levava e acostumado com a enganação não vivia, mas se escondia. Decide em uma noite finalmente crescer e encarar os fatos, eu tenho que viver o que há para se viver, inclusive os desdobramentos de minhas escolhas. Fala com Deus, briga com Deus, discute com Deus e chora com Deus. Ao fim de tudo sai mancando, machucado, mas renovado, como mais velho, mais sério, mais maduro. Jacó vence. Não a luta, não a Deus, não aos homens, vence a si mesmo. Sai como o ganhador da vida, conquistou sua "salvação". Livrou-se do que o impedia de viver e mais leve manca, dá passos mais lentos aproveitando mais cada momento.

De inúmeras lições aprendidas com uma história simples como esta, destaco uma, o modo que Jacó encontra e fala com Deus. Quando Jesus fala sobre oração (que na nossa cabeça automaticamente ligamos ao "falar com Deus"), ele ensina assim: "Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está em secreto. Então seu Pai, que vê em secreto, o recompensará.".

Aprendi nessas férias com um cara chamado André, que a palavra quarto está no sentido do lugar mais íntimo imaginável. O lugar onde você é você mesmo, onde você está nú, puro, exposto por inteiro. Jacó está nu, puro, exposto, sem escudos e preconceitos, simplesmente é ele mesmo, e quebrantado, luta consigo e com Deus para definir enfim qual seria seu rumo. Entra no quarto de seu coração o destrói por inteiro, fica marcado e inicia a redecoração, agora não mais como Jacó, seu nome original, mas agora como Israel, seu novo nome, pois lutou com Deus e com os homens e venceu. Manco, velho, cansado... finalmente vivendo.