quarta-feira, 30 de março de 2011

A hora do banho... (A Convenção)

A hora do banho para mim é extremamente importante, é a hora da Convenção. Durante o dia converso pessoalmente com cada Chefe de Estado do meu mundo, o mundo de Bruno. Um a um, em diferentes situações do dia, os soberanos vem ter comigo na tentativa de manter legítimo e vivo o tratado de paz entre nós. Infelizmente, cada Chefe de Estado tem ciúmes das minhas reuniões particulares com os outros. Bem, faz-se necessária a Convenção. A hora do banho para mim é extremamente importante! Não tranquila, mas importante.

Os soberanos tem total controle de seus domínios, completo poder e plena lealdade de seus súditos. Embora cientes de sua soberania, sempre temem que esta seja violada ou enfraquecida pela soberania de outro. Faz-se necessária a Convenção. Soberania não restringe-se ao "total domínio dentro de seus limites", mas também é o reconhecimento de seu nome pelos outros soberanos. Todos os soberanos sabem disso, o problema é que no mundo de Bruno todos se chamam Bruno.

O mundo de Bruno é grande, gigantesco, suficientemente comprido para às vezes até ser chamado de infinito, de eterno. O suficientemente comprido para que surjam infinitos territórios com seus eternos soberanos. Quando isso acontece, é o caos! Faz-se necessária a Convenção. A hora do banho é extremamente importante para mim...

É nesta hora que recolocamos cada um em seu domínio, do qual nenhum dos soberanos tinha saído. É nesta hora que reabastecemos os rios fronteiriços, relembramos as existências dos territórios, irrigamos os campos, preparamos a terra e limpamos o que estava sujo para que reconheçamos um a soberania do outro, um o nome do outro. Fez-se necessária a Convenção. Fim do banho. Agora o mundo de Bruno está em paz, reconhece-se a si mesmo, um soberano lembra o nome do outro. O detalhe, é que no mundo de Bruno todos se chamam Bruno. A hora do banho, para mim, é extremamente importante. Estou em paz! Pelo menos agora, que acabei de sair de uma Convenção...


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segunda-feira, 28 de março de 2011

O primado do outro

Logo que nasci me dei conta de que estavam olhando para outro antes de olharem para mim. Estava feito! Sou o irmão mais novo. Por causa de 32 segundos a mais ou a menos, fiquei para trás e tornei-me irmão do outro. Levou consigo a chance de ganhar o primeiro nome, a ser chamado primeiro para as festas e até nas broncas seu nome vinha antes. Os convites remetiam-se em segundo a mim, em primeiro ao outro. Nasceu primeiro é primogênito. Primogênito é o outro.

De acordo com nossas regras familiares, o outro receberia presentes antes de mim. Seria ele quem levaria o nome da família. Ah! Seria ele também aquele que organizaria nossa casa. Se deu bem quem nasceu como o outro. Entendi bem o recado dos outros para cuidar do outro, apesar de sempre discutir comigo mesmo o porque o outro merecia o primado e o eu não. Invejei o outro. Até o dia que crescemos, eu como eu e o outro como outro, e resolvemos nos falar. Fui conversar com o outro...

Descobri que o outro me chamava de outro também! Achava que os olhos dos outros voltavam-se para o outro (eu) e nunca para ele (o outro). Cria que eu me via como o outro, que era querido como o outro, quando na verdade me achava rejeitado pelo outro. Enfim entendi que na verdade o primado sempre é do outro, não porque nasce primeiro ou segundo, não por ser melhor ou pior, não por ser mais fraco ou forte, mas simplesmente porque aquele que não sou eu é o outro. É na minha relação com o outro que me formo. É na relação do outro comigo e com os outros que o outro se forma. Só sou eu porque nasci com o outro. O outro só é o outro porque eu me vejo em relação com ele. Nunca nos esqueçamos do porque devemos amar o outro: o outro vem em primeiro lugar...

quinta-feira, 24 de março de 2011

Sem-Tempo

Na Cidade do Tempo, toda criança que nascia ganhava um relógio. Com ele, deveria marcar os dias, as horas, os meses, anos, os trabalhos, as pessoas que conheceu, as informações que recebeu e os lugares em que visitou. Uma vida boa era uma vida bem marcada no relógio; aquele que marcasse direitinho e conseguisse a maior quantidade de marcações por ponteiro até o fim da vida seria herói, teria valor, seria exaltado, nobre, o cume da "cadeia-temporal". A cidade era grande e dividida ao meio, não por uma ponte e nem por uma praça, mas por uma floresta.

A floresta da Cidade do Tempo era densa, larga e muito trabalhosa de ser vencida. O melhor jeito de passar pela Floresta-da-Perda-de-Tempo eram pelos atalhos. Com o tempo as pessoas criaram atalhos que levavam de um lado para outro da cidade em menos de 2 minutos, o que economizaria uma boa quantidade de marcações. Atravessar pela Floresta-da-Perda-de-Tempo perder-se-ia tantas marcações que era impensável fazê-lo. De atalhos em atalhos, ninguém via a floresta e todos ganhavam a "vida" (as marcações). Os relógios sempre correndo e as pessoas com pressa.

Tudo era atalho, até as palavras iam diminuindo de tempos em tempos! Os tic-tacs não paravam, a correria continuava e o barulho era ensurdecedor. Ficamos cansados só de lembrar da Cidade do Tempo...

Um dia nasceu um menino. Seu pai todo orgulhoso comprou (com muita pressa, diga-se de passagem) um relógio grande e dourado, todo pomposo. Fazia um barulhão e os ponteiros eram grandes, o que facilitava na hora de fazer as marcações. O problema é que na hora de dá-lo para o menino, tomou um atalho entre o berço e a cômoda e caiu, marcando exatamente em sua vida o minuto que o relógio dourado espatifou no chão. Santo Tempo! O menino já nasceu com marcações a menos! Onde conseguir um relógio agora? Como economizar o tempo? Acho que não seria possível... Aliás, até seria, se não fosse tão valoroso o tempo das marcações ou as marcações do tempo.

O pobre menino ganhou o nome de Sem-Tempo. Sem-Tempo não tinha tempo para nada, não porque estivesse muito ocupado, mas porque nunca conseguia ou poderia marcar seu tempo. Sem-Tempo não tinha ponteiros, então não fazia sentido pegar atalhos. Era lento coitado! Em casa nunca sincronizava com sua mãe e seu pai, estes marcavam os minutos de conversas que para Sem-Tempo deveriam levar horas. Na escola não conseguiam acompanhar seu raciocínio, porque todos marcavam tantas coisas em tão pouco Tempo, que as poucas coisas que Sem-Tempo dizia não cabiam em minutos, mas levariam semanas para serem entendidas. Sem-Tempo era triste, tinha algo que os outros não tinham: um não-relógio.

Cabisbaixo, Sem-Tempo resolveu atravessar a cidade. Ia tomando seu atalho como de costume quando se questionou: "Pra que atalho se ninguém me acompanha? Já que todos passam por atalhos, vou aonde ninguém vai, vou pela floresta!". Sem-Tempo entrou naquele lugar esverdeado, brigou com espinhos, saltou troncos e encontrou a beleza... Lindas árvores! Que belas! Nunca tinha parado para reparar como voam calmas e tranquilas as borboletas... E as flores? Que cores vivas! Como dançavam calmamente sem se preocupar com o tempo da dança... Os pássaros que cantarolavam... A poeira que sobia bem devagar...

Depois de muito andar, Sem-Tempo chegou à uma clareira no meio daquele mato todo. Bem no meio da clareira que ficava no meio daquele mato todo, Sem-Tempo viu duas árvores bem próximas uma da outra. Uma das árvores era bem bonita, vistosa, cheia de charme e com frutos grandes, coloridos e em formato de relógio. Enquanto a outra era mirrada, acinzentada, com frutos escuros e franzinos, com aspecto até meio murcho. Um homem alto e forte cuidava destas árvores, era o Bom-Jardineiro.

Sem-Tempo aproximou-se do homem e, esperando que logo fosse embora marcar horas em outro lugar como os outros em todas as horas faziam, desembestou a falar de sua tristeza de ser só. Falou por horas! E o homem pacientemente continuou lá ouvindo, trabalhando e vez por outra dirigindo os olhos à Sem-Tempo e deixando escapar do canto da boca um sorriso. Sem-Tempo falou, falou e falou até cansar, até aliviar tudo o que tinha para falar, até descobrir que para tudo tem seu tempo, até para Sem-Tempo. Fez-se silêncio. O Bom-Jardineiro juntava as folhas que caíram daquela árvore mirradinha. Depois de feito um primeiro monte de folhas secas, disse:

- Sem-Tempo, a muito tempo eu plantei estas duas árvores no meio desta grande floresta. Trouxe para cá amigos para serem livres e viverem em paz. Quis que todos descobrissem a boa vida que tenho aqui, encontrassem a liberdade e o Verdadeiro Tempo: a Vida. O problema é que nenhum deles tinha paciência de ser livre, dava muito trabalho. Nenhum deles queria o Verdadeiro Tempo, era muita responsabilidade a Vida. Então fizemos um combinado, que todos poderiam viver em paz mas não deveriam comer desta árvore bonita aqui, essa com frutos em formato de relógio. Entretanto, como é de bom grado para aqueles que não são pacientes para a liberdade, comeram e ganharam uma energia absurda! Começaram a fazer tudo rápido, correr mais que o tempo, trabalhar muito e colher pouco, não querer andar todo o caminho, procuraram atalhos, um queria chegar antes que o outro, deram valor à velocidade... Se prenderam tanto ao fruto que comeram que descobriram o fim: a morte. Começaram a fazer tudo tão rápido que começaram a morrer muito rápido também. Lembraram-se então desta outra árvore aqui, que ninguém queria comer porque era feia, a árvore da Vida. Quem come desta árvore vive pra sempre. Mas eles não queriam esta árvore para viver para sempre, para desfrutar da vida para sempre, mas queriam correr pra sempre, marcar para sempre, prender-se ao tempo para sempre. Seria uma angústia eterna! Todos querendo marcar mais que os outros por toda a eternidade!

Pois bem, tirei todos daqui da floresta e escondi a árvore. Criaram em volta disso a Cidade-do-Tempo, onde você nasceu. Tinham tanta pressa que pararam de passar pela floresta e começaram a criar atalhos. Fazem tudo rápido demais! Logo não precisei mais guardar a árvore. Mesmo que coloque no meio da cidade todos passarão por ela sem nem se dar conta de algo novo. Ninguém a verá! Talvez por isso você tenha chegado até aqui! Porque ninguém anda com você, e se ninguém a vê, você também a vê! Teu relógio quebrou quando nasceu, então você teve tempo para encontrar a vida. Se as pessoas parassem um pouco e deixassem de correr contra o tempo para fazer marcações, talvez encontrassem o que de fato vale a pena, o que de fato gera vida, o que tira o Marco da morte. O que valeria não seriam então as marcações da vida, mas a vida em si, todos encontrariam esta árvore mirradinha velha aqui e descobririam o fruto da Vida. Viveriam como você, que agora pode desfrutar se quiser dessa floresta comigo, degustar todas as sensações que teve tempo de degustar no percurso até a clareira. Venha... Coma do fruto franzino e viva eternamente, Sem-Tempo...




O Sentido da Vida é um Segredo. O Valor da Vida é um Mistério. Mas, independentemente de ser impossível conhecê-lo, percorrer a vida guiado por Ele é o que nos traz sentido, Vida Eterna.


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terça-feira, 22 de março de 2011

Um Tema?

Texto que utilizei no Curso Básico de Preparação de Professores do DAC (Deus ao Alcance da Criança - Ministério Infantil da Igreja Betesda de São Paulo)

“Às vezes eu penso que o que as escolas fazem com as crianças é tentar forçá-las a beber a água que elas não querem beber... [Os mundos das crianças são imensos! Sua sede não se mata bebendo a água de um mesmo ribeirão! Querem águas de rios, lagos, lagoas, fontes, minas, chuva, poças d’água...”

(Rubem Alves, O desejo de ensinar e a arte de aprender)

Quando crianças temos um Paraíso a nossa volta, um mundo lindo e cheio de vida. Animais que falam, leões mansos, rios que correm pra cima, fogo que não queima, frutas mágicas! O problema é que crescemos, e nossos mais velhos nos fazem conhecer o que não queremos, comer o fruto que não nos cai bem, além de nos levarem para um deserto árido, morto, com animais ferozes e obstáculos intransponíveis que nos obrigam a suar para conseguir o pão e sofrer para dar a luz. Nossa sede se contenta com qualquer água e a fome com qualquer pão. Mas quando crianças não! O mundo ainda é grande! O desejo pelo novo, diferente, belo ainda se faz presente, a eternidade se faz presente. Infinitos sonhos e interminável terra.

Como nós, os mais velhos, podemos encontrar um assunto para tratar com as crianças se nossos mundos são pequenos e sem vida, enquanto que os delas são gigantes e dinâmicos? Precisamos de um TEMA. Mas não um tema tirado daqueles desertos, e sim destes Paraísos que nos oferecem muito mais possibilidades. Quando queremos expressar nosso amor à amada ou ao amado, procuramos conhecer seus gostos, os filmes que assiste, livros que lê, esportes que pratica e ainda tentamos adequar nossa linguagem para manter contato, despertar interesse, aproximar a relação e abrir um DIÁLOGO. Porque em nossas igrejas, quando nos propomos a falar de amor, do Amor, não fazemos o mesmo?

Ter um diálogo pressupõe que duas partes de uma relação comunicativa utilizam da fala. Como é possível falar de algo que não se conhece? Não se pode. Pois bem, nosso tema deve ser conhecido por nós e pelas crianças, para que estas duas partes possam falar sobre ele. O pedagogo Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia, diz que ensinar não é transmitir conhecimento, mas construir junto com educandos um conhecimento, a partir daquilo que é sabido e da realidade dos educandos em contato com aquilo que é sabido e da realidade do educador. Há a necessidade de aprendermos com seus brinquedos, gostos, desenhos e heróis antes de querermos imprimir um conceito cru em suas cabeças.

Reconhecida e respeitada esta realidade da criança, precisamos contemplar sua curiosidade insaciável, sua exigência pelo novo. Em uma era tecnológica provavelmente podemos ser enganados pela cultura da novidade, da “última geração”. Novo não é a última música lançada, o último filme, o lançamento de um brinquedo, efeitos especiais ou um celular futurista. Isto é o recente, ou o mais recente. Aqui o novo e muito mais novo do que qualquer outra coisa, é a boa nova da imaginação! Nada mais fantástico do que uma criação própria, uma idéia, imagem ou estória que a criança acaba de gerar em seu Paraíso! O fruto de sua imaginação, um DESCOBRIMENTO! A saga para o tesouro de nosso tema tem que passar pela ponte da novidade, a trilha da imaginação e o chamado do descobrimento. E aqui encontramos o mais difícil de nossa jornada: desvendar uma mensagem nova, um descobrimento.

Falar aquilo que a criança já sabe é como expressa Rubem Alves no excerto que introduz este texto; é levá-la para tomar água num lugar em que ela já bebeu. Para uma sede insaciável e ávida pelo novo, por outros rios e lagos desconhecidos, isso nada tem valor. Perguntar o certo e errado, tematizar apenas questões religiosas, repetições e “decorebas” não geram o nosso tema, não produzem descobrimento e não dialogam com a realidade da criança. Livros e apostilas como base não o fazem também. Como é possível que uma apostila feita em São Paulo, em uma igreja de um bairro de centro e frequentada por pessoas de classe média, possa também tematizar a vida de crianças de uma igreja periférica, de uma cidade no interior de Minas Gerais e frequentada por cortadores de cana? Em uma geração formada numa sociedade cristã, conhecedora do “certo e errado” e que tem consigo tudo pronto (filmes e desenhos que apresentam efeitos especiais fenomenais), qual a novidade que podemos apresentar? Crianças que acessam a internet e tem respostas em suas mãos? O tema tem que ir além de nossas tradições. Os suspiros de uma geração não podem amassar e sufocar as aspirações de outra.

A escolha de um tema tem que partir das necessidades das crianças e de suas realidades conhecidas somados à sensibilidade de nossos corações. Esta relação educador/educando para a construção de conhecimento será mediada pelo desejo de transformar o mundo. Em nosso meio cristão, será mediada por nossa missão de amor a Deus e amor ao próximo. Precisamos ouvir aquilo que nos é soprado pelo Espírito ao estabelecermos diálogo com essa geração. Se pregamos um mundo novo, um mundo melhor onde não há choro e o leão anda ao lado do cordeiro, porque destruímos e congelamos um dos poucos lampejos deste mundo que conhecemos hoje: o Paraíso da criança? Precisamos através dessa eternidade que se faz presente incentivar a busca pelo Reino e saciar através de nosso tema o beber da Água da Vida, a qual quem bebe nunca mais tem sede pois sempre tem em si um rio novo. As crianças anseiam por uma Água Viva, por um Pão da Vida, experimentam isso em seu Paraíso, pois encontremos isto e que este seja nosso tema.


Gratis i Kristus

segunda-feira, 21 de março de 2011

Gigantes e Almas

Todo homem quer se agigantar. Arranha-céus, palácios, edifícios, estádios, aviões, foguetes espaciais, dinheiro, riqueza, conhecimento... um monstro chamado Ego. Se todos os admirarem debaixo para cima , os gigantes são sonhos, são heróis. Estes gigantes chamados Ego querem ganhar o mundo, querem crescer fora de si, estender seus domínios. Não querem ser livres, querem escravizar. Estes gigantes dão largos passos e logo o mundo fica pequeno, logo voltam para onde começaram, logo a vida perde sentido e o agigantar-se se transfigura em desespero. Mas é preciso crescer, nem que seja a custa de diminuir os outros. Então ao invés de agigantar-se, pois não dá mais, diminuamos os outros.

Homens monstruosos. Corações desconhecidos. Cresceram tanto para fora que mal sabem a eternidade que há dentro de si. Ego é tão gigante e Alma é tão pequena. Alma é o nome dado para aquelas pequenas pessoas anãs vistas como insignificantes. Os gigantes cresceram e tornaram-se prisioneiros do mundo que conquistaram. As almas não, foram dominadas e perderam o mundo, mas encontraram um eterno dentro de si o qual é impossível ser dominado e controlado pelos gigantes.

Dentre as Almas estava um pequeno garoto que desafiou uma vez um gigante procurando a liberdade de seu povo. Golias era tão grande por fora e tão miserável por dentro. O garoto era tão franzino e anão que em si carregava um infinito de possibilidades, era livre o suficiente para que com uma pedra pudesse mudar o rumo da estória. Dentre as Almas estava um asceta magrinho indiano que sabia tanto de sua eternidade cardíaca que disse sobre os gigantes: "Eles podem ter nossos corpos, nos machucar e até nos matar, mas nunca terão nossa obediência". Dentro de si carregava tamanha infinidade de possibilidades e eternidade que apenas com palavras derrotou gigantes.

As Almas diziam umas as outras: "Muito maior é o que está em nós do que o que está no mundo". As Almas descobriram que nada vale "um homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma". As Almas descobriram que a liberdade estava dentro dos corações independentemente dos tamanhos, mas assustava tanto os Gigantes que eles precisavam dominar algo fora de si para mostrar segurança. Os Egos não eram livres, aprisionaram-se em suas conquistas, foram controlados pelos grilhões de sua estatura. A Liberdade traz ao homem tamanho Gigante dentro de si que chega a assustar gigantes, mas é boa e eterna para os pequeninos. Para gigantes a Liberdade é território da utopia. Para Almas, liberdade está dentro dos corações.


Gratis i Kristus

sábado, 12 de março de 2011

O menino que contou uma verdade

Uma vez um menino contou uma verdade. Tomou um tapa na boca de sua avó por falar algo tão feio. Ficou assustado, chorou, achou estranho e saiu trombando nas mobílias que entravam em seu caminho. Capotou no sofá e encheu a almofada de lágrimas. Sua irmã mais velha ao ver a situação calmamente sentou-se no sofá e perguntou o que havia acontecido. O menino contou uma verdade. "Vá embora daqui, menino malcriado!", berrou a irmã. A criança saiu mais uma vez tropeçando no que via pelo caminho, dessa vez os degraus da escada. Atravessou o corredor e saltou na cama, encharcando agora o travesseiro. A mãe vendo aquele pequeno vulto passar como um raio no andar de cima, tranquilamente foi ao quartinho, atravessou a porta, sentou-se na cama, suspirou: "O que foi, meu filho?". O rapazinho levantou a cabeça devagar, passou a manga da camisa no nariz, esfregou com a mão esquerda os olhos, e respondeu: "Contei uma verdade".

A mãe toda paciente pôs a mão na cabeça do filhote dizendo: "É meu filho, a verdade vez por outra dói. As palavras são tão livres que não se importam em quais ouvidos cairão, e algumas pessoas não são capazes de suportar essa liberdade... Ainda mais porque estas verdades normalmente libertam, ou pelo menos tiram os esconderijos em que os homens, e até as crianças, gostam de ficar, deixando-os expostos. Imagine você  quando brinca de esconde-esconde. Você quer se libertar, mas para isso tem que sair de seu esconderijo que o protege e encarar o 'pega' com a possibilidade de perder a brincadeira, ficar fora do jogo, não sorrir quando todos forem achados. A verdade nos tira desse esconderijo. Mas não te importe meu filho! Seja você um rapaz livre! Vale mais descobrir o mundo e a vida do que esconder-se e sumir no escuro! Seja verdadeiro e descubra que 'a verdade vos libertará!'". O menino sorriu  :) . Ficou mais calmo. Já não tinha lágrimas. A mãe contente por não ver a angústia do filho por ele ser verdadeiro, perguntou: "Agora, meu filho, o que foi que você disse para sua avó e sua irmã?". O menino contou uma verdade. "Fique no teu quarto moleque! Não desça até a hora do jantar pensando nisso que acabou de me dizer!"...

Enfim... A verdade mais uma vez é calada e a liberdade continua dentro de seu quarto, sem comer e sem nos mostrar os esconderijos de nossos corações.

Gratis i Kristus

quinta-feira, 10 de março de 2011

Máscaras da liberdade

Máscara é aquilo que utilizamos para esconder nosso rosto, fingir a aparência. Normalmente a metáfora do "baile de máscaras" é uma crítica a sociedades que vivem de aparentes coerências com regras. Quando uma regra não condiz mais com a realidade de uma sociedade e os indivíduos desta não têm força para formalmente recusá-la, fingem vivê-la quando, na verdade, burlam-na. Vestem-se de máscaras. As religiões adoram suas máscaras cerimoniais! Que belas festas! Tão cheias de efeitos, tão aparentes, tão reluzentes, tão vazias e mascaradas. Prisões em que as pessoas tanto mascaram que perdem-se de si.

Como é possível falar de liberdade num ambiente tão mascarado? Simples, retiremos estas expressões que escondem quem somos sumindo com as regras! Pensando deste modo, acabamos por lançar fora as máscaras que expressavam falsos sorrisos, choros mentirosos, raiva descrente e fervor frio. Demos "tchau" às regras, mas ainda não sabemos quem somos. Porque? O que nos falta? Nada. Ainda algo nos sobra. Agora demos "oi" para novas máscaras. Colocamos no lugar das regras algumas máscaras sem expressão, vazias, limpas, razas. Máscaras mórbidas, máscaras livres! Mas ainda são máscaras.

Quebramos os ritos, os símbolos, os altares, as doutrinas, os costumes e as tradições. Somos livres? Não, vivemos presos à apatia, somos apáticos. Utilizamos máscaras da liberdade, peças novas que substituíram as antigas mas com uma mesma função: escondermos de nós mesmos. Pensamos que liberdade são atos exteriores  e não transformações do ser. Continuamos sem identidade, esquisofrênicos que dizem sagrado e fazem profano, enquanto que o ser é morno e desconhecido. Abrimos mão do eterno em nome de episódios felizes. Não queremos viver de aparências, mas também não nos preocupamos com a estética do ser, a busca pelo belo e bom, por ser igual a Cristo.

A nossa liberdade não está e nem é fora de nós, atos, atitudes e feitos que realizamos em contato com o mundo. Não, nossa liberdade é interna, é o decidir aquilo que somos. Exteriormente somos condicionados pelo mundo, pela vida, por acidentes e tropeços, quando nos deparamos então com nosso coração, com a liberdade de determinarmos e decidirmos o que queremos ser. "Tudo me é lícito" é liberdade? Não! É lei. "Mas nem tudo me convém" sim, é livre, é decisão, é escolha! Liberdade não é abrir mão das regras, máscaras, pois isso também traz consigo uma máscara. Liberdade na verdade é não abrir mão da reflexão, do pensar e decidir o ser.

Esta postura morna, estática, apática, sem expressão, é tão prisão quanto as regras que exprimem hipocrisia. Uma máscara de liberdade é tão máscara quanto a religiosa que vive de aparências. Somos livres em Cristo porque descobrimos poder decidir o que ser independentemente das condições. Cristo não aparentou homem, mas livremente esvaziou-se de si e se fez homem, decidiu caminhar para a morte, e morte de cruz. De fato viveu sua liberdade, escolheu sua vida, decidiu seu ser e foi fiel até o fim. Sejamos livres, vivamos nossa liberdade e deixemos nossas máscaras pelo caminho, inclusive as máscaras da liberdade. Somos livres em ser, não no fazer. A eternidade é, enquanto que a temporalidade se faz de ser... Largue esta máscara de liberdade e seja livre o suficiente para decidir ser alguém!

Gratis i Kristus

terça-feira, 1 de março de 2011

Fiéis fidedignos

Um amigo uma vez me disse que nunca sabia no que acreditar, pois com dois ou três bons argumentos uma ou outra teologia o conquistava. Isso se deu quando eu ainda discutia sobre "predestinação ou livre-arbítrio". Outro amigo me perguntou porque eu pegava no pé de posturas teológicas dentro da minha religião, e outro indagou-me o seguinte: "Se tudo é uma questão de fé, porque questionar, analisar ou criticar percepções religiosas?". Pois bem, dialogando com meu amigo "A", que é o primeiro mencionado neste texto, consegui responder aos outros dois. O problema da fé não está no que se diz crer, mas nas atitudes de confiança tomadas frente ao desconhecido.

Os fiéis, por assim dizer, tomam suas decisões na vida confiando em algo, e este mesmo algo foi-lhes revelado através da própria experiência de vida. Quer dizer, há uma relação dialética deste indivíduo na qual a fé expressa a vida e a vida expressa a fé. Frisando bem frisado: aquilo em que se diz ter fé deve ser o que nos dá confiança para agir frente ao desconhecido, as decisões da vida. Portanto, minhas atitudes tem que expressar o "aquilo" em que digo ter fé. Tem que condizer com minha vida.

O debate religioso e a crítica teológica que faço, então, não partem de argumentos doutrinários, do certo e errado, bom e mau, crente e descrente, demoníaco ou divino. Mas sim, partem de uma reflexão entre a profissão de fé e a prática na vida. O ponto não é a elaboração de dois ou três bons argumentos ou a caça 'as bruxas. É, na verdade, incentivar a fé a ser fé e não um sistema religioso ou teológico, ou frases de papagaios doutrinadores ou heréticos.

Para isso, o sistema teológico não pode sufocar a experiência de fé individual, e nem o indivíduo sistematizar sua experiência como se fosse universal (como nota pessoal diria que o melhor é abrir mão dos sistemas, Doutrinas e Teologias Sistemáticas). Se sua fé professa que tudo está determinado, seja íntegro e fiel ao expressar sua vida como um bom determinado: não tome decisões e nem peça algo ao Divino, pois não há o que o homem faça que possa mudar os planos já determinados por Deus. Já se sua fé declara que se declarares, jejuares, orares ou cantares o Senhor faz com que tudo na vida do crente vá bem, seja íntegro e um bom fiel: declare, jejue, ore ou cante para ser protegido de assaltos e balas-perdidas e deixe de lado seu carro blindado. Declare paz sobre sua vida! Ou melhor ainda! Declare a paz mundial! (estamos precisando) Larguemos nossos empregos também, tanto os predestinados quanto declaradores.

Fé que não expressa a vida, é da boca para fora (no máximo acompanhada de um friozinho na barriga e pensamento positivo), é vazia, nada vale. Não é fé. Pode ser moda, ditado, crendice, conversa de loucos, mas não é fé. Fé é viver de maneira íntegra, condizente com o que se professa, o que se crê. Que encaixe na vida e não seja como um sistema sufocante e "a-vivente" (sem vida). É necessário que seja avivada! Gere vida! Lembrando sempre que a experiência do dia-a-dia tem que ser respeitada! Não faz bem vivermos uma vida esquizofrênica. Esqueçamos dos dois ou três argumentos, entreguemos valor a nossa prática de vida e enobreçamos nossa fé. Se nosso discurso é refletido em tudo e em toda a nossa vida, então estamos começando a sermos fiéis, e fiéis dignos de confiança.

Que a vida expresse fé e a fé expresse vida.