terça-feira, 22 de março de 2011

Um Tema?

Texto que utilizei no Curso Básico de Preparação de Professores do DAC (Deus ao Alcance da Criança - Ministério Infantil da Igreja Betesda de São Paulo)

“Às vezes eu penso que o que as escolas fazem com as crianças é tentar forçá-las a beber a água que elas não querem beber... [Os mundos das crianças são imensos! Sua sede não se mata bebendo a água de um mesmo ribeirão! Querem águas de rios, lagos, lagoas, fontes, minas, chuva, poças d’água...”

(Rubem Alves, O desejo de ensinar e a arte de aprender)

Quando crianças temos um Paraíso a nossa volta, um mundo lindo e cheio de vida. Animais que falam, leões mansos, rios que correm pra cima, fogo que não queima, frutas mágicas! O problema é que crescemos, e nossos mais velhos nos fazem conhecer o que não queremos, comer o fruto que não nos cai bem, além de nos levarem para um deserto árido, morto, com animais ferozes e obstáculos intransponíveis que nos obrigam a suar para conseguir o pão e sofrer para dar a luz. Nossa sede se contenta com qualquer água e a fome com qualquer pão. Mas quando crianças não! O mundo ainda é grande! O desejo pelo novo, diferente, belo ainda se faz presente, a eternidade se faz presente. Infinitos sonhos e interminável terra.

Como nós, os mais velhos, podemos encontrar um assunto para tratar com as crianças se nossos mundos são pequenos e sem vida, enquanto que os delas são gigantes e dinâmicos? Precisamos de um TEMA. Mas não um tema tirado daqueles desertos, e sim destes Paraísos que nos oferecem muito mais possibilidades. Quando queremos expressar nosso amor à amada ou ao amado, procuramos conhecer seus gostos, os filmes que assiste, livros que lê, esportes que pratica e ainda tentamos adequar nossa linguagem para manter contato, despertar interesse, aproximar a relação e abrir um DIÁLOGO. Porque em nossas igrejas, quando nos propomos a falar de amor, do Amor, não fazemos o mesmo?

Ter um diálogo pressupõe que duas partes de uma relação comunicativa utilizam da fala. Como é possível falar de algo que não se conhece? Não se pode. Pois bem, nosso tema deve ser conhecido por nós e pelas crianças, para que estas duas partes possam falar sobre ele. O pedagogo Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia, diz que ensinar não é transmitir conhecimento, mas construir junto com educandos um conhecimento, a partir daquilo que é sabido e da realidade dos educandos em contato com aquilo que é sabido e da realidade do educador. Há a necessidade de aprendermos com seus brinquedos, gostos, desenhos e heróis antes de querermos imprimir um conceito cru em suas cabeças.

Reconhecida e respeitada esta realidade da criança, precisamos contemplar sua curiosidade insaciável, sua exigência pelo novo. Em uma era tecnológica provavelmente podemos ser enganados pela cultura da novidade, da “última geração”. Novo não é a última música lançada, o último filme, o lançamento de um brinquedo, efeitos especiais ou um celular futurista. Isto é o recente, ou o mais recente. Aqui o novo e muito mais novo do que qualquer outra coisa, é a boa nova da imaginação! Nada mais fantástico do que uma criação própria, uma idéia, imagem ou estória que a criança acaba de gerar em seu Paraíso! O fruto de sua imaginação, um DESCOBRIMENTO! A saga para o tesouro de nosso tema tem que passar pela ponte da novidade, a trilha da imaginação e o chamado do descobrimento. E aqui encontramos o mais difícil de nossa jornada: desvendar uma mensagem nova, um descobrimento.

Falar aquilo que a criança já sabe é como expressa Rubem Alves no excerto que introduz este texto; é levá-la para tomar água num lugar em que ela já bebeu. Para uma sede insaciável e ávida pelo novo, por outros rios e lagos desconhecidos, isso nada tem valor. Perguntar o certo e errado, tematizar apenas questões religiosas, repetições e “decorebas” não geram o nosso tema, não produzem descobrimento e não dialogam com a realidade da criança. Livros e apostilas como base não o fazem também. Como é possível que uma apostila feita em São Paulo, em uma igreja de um bairro de centro e frequentada por pessoas de classe média, possa também tematizar a vida de crianças de uma igreja periférica, de uma cidade no interior de Minas Gerais e frequentada por cortadores de cana? Em uma geração formada numa sociedade cristã, conhecedora do “certo e errado” e que tem consigo tudo pronto (filmes e desenhos que apresentam efeitos especiais fenomenais), qual a novidade que podemos apresentar? Crianças que acessam a internet e tem respostas em suas mãos? O tema tem que ir além de nossas tradições. Os suspiros de uma geração não podem amassar e sufocar as aspirações de outra.

A escolha de um tema tem que partir das necessidades das crianças e de suas realidades conhecidas somados à sensibilidade de nossos corações. Esta relação educador/educando para a construção de conhecimento será mediada pelo desejo de transformar o mundo. Em nosso meio cristão, será mediada por nossa missão de amor a Deus e amor ao próximo. Precisamos ouvir aquilo que nos é soprado pelo Espírito ao estabelecermos diálogo com essa geração. Se pregamos um mundo novo, um mundo melhor onde não há choro e o leão anda ao lado do cordeiro, porque destruímos e congelamos um dos poucos lampejos deste mundo que conhecemos hoje: o Paraíso da criança? Precisamos através dessa eternidade que se faz presente incentivar a busca pelo Reino e saciar através de nosso tema o beber da Água da Vida, a qual quem bebe nunca mais tem sede pois sempre tem em si um rio novo. As crianças anseiam por uma Água Viva, por um Pão da Vida, experimentam isso em seu Paraíso, pois encontremos isto e que este seja nosso tema.


Gratis i Kristus

Nenhum comentário:

Postar um comentário