quinta-feira, 24 de março de 2011

Sem-Tempo

Na Cidade do Tempo, toda criança que nascia ganhava um relógio. Com ele, deveria marcar os dias, as horas, os meses, anos, os trabalhos, as pessoas que conheceu, as informações que recebeu e os lugares em que visitou. Uma vida boa era uma vida bem marcada no relógio; aquele que marcasse direitinho e conseguisse a maior quantidade de marcações por ponteiro até o fim da vida seria herói, teria valor, seria exaltado, nobre, o cume da "cadeia-temporal". A cidade era grande e dividida ao meio, não por uma ponte e nem por uma praça, mas por uma floresta.

A floresta da Cidade do Tempo era densa, larga e muito trabalhosa de ser vencida. O melhor jeito de passar pela Floresta-da-Perda-de-Tempo eram pelos atalhos. Com o tempo as pessoas criaram atalhos que levavam de um lado para outro da cidade em menos de 2 minutos, o que economizaria uma boa quantidade de marcações. Atravessar pela Floresta-da-Perda-de-Tempo perder-se-ia tantas marcações que era impensável fazê-lo. De atalhos em atalhos, ninguém via a floresta e todos ganhavam a "vida" (as marcações). Os relógios sempre correndo e as pessoas com pressa.

Tudo era atalho, até as palavras iam diminuindo de tempos em tempos! Os tic-tacs não paravam, a correria continuava e o barulho era ensurdecedor. Ficamos cansados só de lembrar da Cidade do Tempo...

Um dia nasceu um menino. Seu pai todo orgulhoso comprou (com muita pressa, diga-se de passagem) um relógio grande e dourado, todo pomposo. Fazia um barulhão e os ponteiros eram grandes, o que facilitava na hora de fazer as marcações. O problema é que na hora de dá-lo para o menino, tomou um atalho entre o berço e a cômoda e caiu, marcando exatamente em sua vida o minuto que o relógio dourado espatifou no chão. Santo Tempo! O menino já nasceu com marcações a menos! Onde conseguir um relógio agora? Como economizar o tempo? Acho que não seria possível... Aliás, até seria, se não fosse tão valoroso o tempo das marcações ou as marcações do tempo.

O pobre menino ganhou o nome de Sem-Tempo. Sem-Tempo não tinha tempo para nada, não porque estivesse muito ocupado, mas porque nunca conseguia ou poderia marcar seu tempo. Sem-Tempo não tinha ponteiros, então não fazia sentido pegar atalhos. Era lento coitado! Em casa nunca sincronizava com sua mãe e seu pai, estes marcavam os minutos de conversas que para Sem-Tempo deveriam levar horas. Na escola não conseguiam acompanhar seu raciocínio, porque todos marcavam tantas coisas em tão pouco Tempo, que as poucas coisas que Sem-Tempo dizia não cabiam em minutos, mas levariam semanas para serem entendidas. Sem-Tempo era triste, tinha algo que os outros não tinham: um não-relógio.

Cabisbaixo, Sem-Tempo resolveu atravessar a cidade. Ia tomando seu atalho como de costume quando se questionou: "Pra que atalho se ninguém me acompanha? Já que todos passam por atalhos, vou aonde ninguém vai, vou pela floresta!". Sem-Tempo entrou naquele lugar esverdeado, brigou com espinhos, saltou troncos e encontrou a beleza... Lindas árvores! Que belas! Nunca tinha parado para reparar como voam calmas e tranquilas as borboletas... E as flores? Que cores vivas! Como dançavam calmamente sem se preocupar com o tempo da dança... Os pássaros que cantarolavam... A poeira que sobia bem devagar...

Depois de muito andar, Sem-Tempo chegou à uma clareira no meio daquele mato todo. Bem no meio da clareira que ficava no meio daquele mato todo, Sem-Tempo viu duas árvores bem próximas uma da outra. Uma das árvores era bem bonita, vistosa, cheia de charme e com frutos grandes, coloridos e em formato de relógio. Enquanto a outra era mirrada, acinzentada, com frutos escuros e franzinos, com aspecto até meio murcho. Um homem alto e forte cuidava destas árvores, era o Bom-Jardineiro.

Sem-Tempo aproximou-se do homem e, esperando que logo fosse embora marcar horas em outro lugar como os outros em todas as horas faziam, desembestou a falar de sua tristeza de ser só. Falou por horas! E o homem pacientemente continuou lá ouvindo, trabalhando e vez por outra dirigindo os olhos à Sem-Tempo e deixando escapar do canto da boca um sorriso. Sem-Tempo falou, falou e falou até cansar, até aliviar tudo o que tinha para falar, até descobrir que para tudo tem seu tempo, até para Sem-Tempo. Fez-se silêncio. O Bom-Jardineiro juntava as folhas que caíram daquela árvore mirradinha. Depois de feito um primeiro monte de folhas secas, disse:

- Sem-Tempo, a muito tempo eu plantei estas duas árvores no meio desta grande floresta. Trouxe para cá amigos para serem livres e viverem em paz. Quis que todos descobrissem a boa vida que tenho aqui, encontrassem a liberdade e o Verdadeiro Tempo: a Vida. O problema é que nenhum deles tinha paciência de ser livre, dava muito trabalho. Nenhum deles queria o Verdadeiro Tempo, era muita responsabilidade a Vida. Então fizemos um combinado, que todos poderiam viver em paz mas não deveriam comer desta árvore bonita aqui, essa com frutos em formato de relógio. Entretanto, como é de bom grado para aqueles que não são pacientes para a liberdade, comeram e ganharam uma energia absurda! Começaram a fazer tudo rápido, correr mais que o tempo, trabalhar muito e colher pouco, não querer andar todo o caminho, procuraram atalhos, um queria chegar antes que o outro, deram valor à velocidade... Se prenderam tanto ao fruto que comeram que descobriram o fim: a morte. Começaram a fazer tudo tão rápido que começaram a morrer muito rápido também. Lembraram-se então desta outra árvore aqui, que ninguém queria comer porque era feia, a árvore da Vida. Quem come desta árvore vive pra sempre. Mas eles não queriam esta árvore para viver para sempre, para desfrutar da vida para sempre, mas queriam correr pra sempre, marcar para sempre, prender-se ao tempo para sempre. Seria uma angústia eterna! Todos querendo marcar mais que os outros por toda a eternidade!

Pois bem, tirei todos daqui da floresta e escondi a árvore. Criaram em volta disso a Cidade-do-Tempo, onde você nasceu. Tinham tanta pressa que pararam de passar pela floresta e começaram a criar atalhos. Fazem tudo rápido demais! Logo não precisei mais guardar a árvore. Mesmo que coloque no meio da cidade todos passarão por ela sem nem se dar conta de algo novo. Ninguém a verá! Talvez por isso você tenha chegado até aqui! Porque ninguém anda com você, e se ninguém a vê, você também a vê! Teu relógio quebrou quando nasceu, então você teve tempo para encontrar a vida. Se as pessoas parassem um pouco e deixassem de correr contra o tempo para fazer marcações, talvez encontrassem o que de fato vale a pena, o que de fato gera vida, o que tira o Marco da morte. O que valeria não seriam então as marcações da vida, mas a vida em si, todos encontrariam esta árvore mirradinha velha aqui e descobririam o fruto da Vida. Viveriam como você, que agora pode desfrutar se quiser dessa floresta comigo, degustar todas as sensações que teve tempo de degustar no percurso até a clareira. Venha... Coma do fruto franzino e viva eternamente, Sem-Tempo...




O Sentido da Vida é um Segredo. O Valor da Vida é um Mistério. Mas, independentemente de ser impossível conhecê-lo, percorrer a vida guiado por Ele é o que nos traz sentido, Vida Eterna.


Gratis i Kristus

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