terça-feira, 22 de maio de 2012

Carta aos meus irmãos

Antes de qualquer coisa, gostaria de deixar claro que, assim como o dízimo, esse texto diz respeito única e exclusivamente aos irmãos de minha comunidade de Fé; os cristãos, os evangélicos, os betesdenses. Aqueles irmãos que me conhecem, sabem que não sou contente com nossas habituais práticas religiosas, as critico muito e, ao mesmo tempo, sou um apaixonado pela Igreja e por sua força motora de revoluções e transformações que expressam um sinal do Reino, um chamado da Eternidade. Sou receoso quanto à religião e não vivo sem ela. Sou um atormentado amante que vez por outra parece querer destruir sua casa e vez por outra fazer um puxadinho...

Irmãos, não tenho como dizer que religião é algo santo por si só; sei das guerras que foram feitas em seu nome, das culpas propagadas, das insanidades, dos seus ouvidos muitas vezes surdos e dos seus olhos quase sempre cegos. Porém, também não posso dizer o contrário, não posso rejeitá-la, negá-la, escondê-la ou anunciá-la como uma grande brincadeira, uma grande mentira. O que no mundo não é mentiroso? As ciências? Os amantes? Os tribunais? Os juízes? As faculdades? Todos legitimaram guerras, propagaram culpas, insanidades, foram surdos e quase sempre cegos. "Aquele que diz não ter mentido, é mentiroso". Mas, dizer isso tira a culpa da religião? Não, de maneira nenhuma. Porém, rouba dela o gérmen da maldade que uns e outros tem o hábito de colocar. Nenhuma Instituição é boa ou má em si mesma, mas o modo como ela existe em nossas existências se torna danoso ou benéfico.

Sem nenhuma Fé, temos o hábito de refletir sobre as coisas como causadoras do mal ou do bem; queridos, não existem as coisas, existimos nós, existo eu. Colocarmos na religião - ou em qualquer Instituição - a semente do bem e do mal e comer de seu fruto nos ausentando de nossa responsabilidade, me parece ser um ato um tanto quanto condenável...

É muita arrogância e prepotência discriminarmos aquele que age diferente de nós em sua prática religiosa tendo-o como ignorante. Se somos tão melhores assim, porque não nos fizemos de servos dos servos? Porque insistimos em ficar de pé apontando para a prostituta que jogamos de joelhos à nossa frente? Às vezes legitimamos nossa experiência de Fé como digna de Verdade não por seus frutos, mas porque ridicularizamos a aridez que vemos na plantação do vizinho.  Até onde sei, nossa Fé não nos convida a zombar dos campos com poucas vinhas, mas, pelo contrário, nos convida a dividir do fruto que tivermos. Se não temos nenhum fruto, então está na hora de pararmos de falar e começarmos a colocar a mão no arado.

Tomemos cuidado para não chutar os alicerces que permitiram que colocássemos nossas tendas de pé. Cuidado para não zombarmos do ancião ou das práticas antigas de nossa religião simplesmente por não serem as mais novas no mercado ou porque não satisfazem nosso intelecto arrogantemente alimentado por sua pretensão de superioridade. Não nos esqueçamos de que em sua geração, aquilo que hoje pode destruir, foi libertador e movimento a Fé de muita gente, animou os pobres, trouxe alivio aos cansados, abrigou os estrangeiros e resgatou os oprimidos. Hoje talvez não nos fale mais não porque a mensagem antiga em si mesma seja ruim, mas porque de tanto usada por nós, desgastou-se, perdeu sua força, fez-se danosa - assim como a religião, os tribunais, as faculdades, as ciências... Anos atrás nossa razão dizia que com certeza o Sol era o centro do Universo, mas, hoje, com certeza não existe mais centro. É danoso afirmarmos que o Sol é o centro? É danosa a ciência astronômica em si? Não podemos confiar mais nessas coisas? Não podemos confiar mais em nada? Não! Muito pelo contrário! A falta de sentido nos obriga a confiar. Confiar é ter Fé. Não há no mundo um só homem que não tenha Fé. Não há no mundo um só homem que não seja religioso. Por isso, cuidado! Não zombemos de nossos alicerces! Não chutemos o sustentáculo de nossas cabanas.

Temos que confiar em algo, temos que ter Fé em alguém. Os amantes mentem uns aos outros, mas, mesmo assim, dizem se amar, confiam no amor que vai além das corretas palavras que uns utilizam com outros. A religião fala, mas suas palavras não são boas ou ruins em si mesmas; mas somos nós, os fiéis, que a transformamos, que a guiamos para algum lugar. Confiemos, somos determinados a confiar! Não, não somos tão livres e auto-suficientes como pensávamos! Temos um destino: todo homem crê, todo homem confia: todo homem é destinado a depositar em algum lugar sua Fé. Não julguemos a religião por si, não julguemos o religioso, mas transformemos Eternamente nossa religião.

Poderia e gostaria de contar histórias sobre dogmas que rejeitamos e rimos, mas que, na verdade, podem ao mesmo tempo ser libertadores e sérios. Poderia e gostaria de reler algumas doutrinas que descartamos e fazemos piada como se não tivessem importância. Poderia e gostaria de mostrar que essa prepotência de imaginar que um rapaz de um quarto de parede branca de um apartamento de um prédio de uma rua de uma cidade de um Estado de um País de um Continente de um Mundo carregado com sua Biodiversidade de um Sistema de uma Galáxia de lugar algum seria capaz de ter a "grande sacada que ninguém teve", a "grande Fé que ninguém teve", é pecaminosa, perigosa, diabólica. Poderia e gostaria, mas não, não o farei - o texto ficaria maior do que já está...

Irmãos, examinemos a nós mesmos. Recordemos de nossos pais, de nossos avós, de nossa Fé, da Eternidade. Somos pó, as Instituições são pó. Somos todos religiosos, respeitemos nossas religiosidades. Se há denúncias, são contra os príncipes encarregados de promover o mal. Se há revolta, é contra o indivíduo que faz de sua vida uma destruição para o mundo, que egoisticamente se recolhe à sua superioridade e despreza o valor das vidas de seus próximos. Se vamos à luta, que seja contra Inimigos, não contra os próximos. Se os Inimigos já são vencidos, que não chutemos os cães mortos e disso façamos um espetáculo, mas, muito pelo contrário, celebremos dividindo do nosso pão e do nosso vinho a vitória que já é nossa.

Espero que as "meias-palavras" caiam nos bons ouvidos.

Que Deus nos abençoe.

Gratis i Kristus

quinta-feira, 17 de maio de 2012

"Deus está morto" - disseram ao louco.

A história de ninguém está separada da História de todos. Assim como a História de todos não pára para esperar que a história de ninguém eleve-se de tal modo que sua vida seja igual, maior ou exemplar para qualquer outro indivíduo. Não somos caricaturas da humanidade, e nem a humanidade se presta a ser molde para cada um de nós. História por história ou história por História, ou enxergamos nosso tempo como um grande mito, ou nos furtamos da Eternidade. A vida de cada indivíduo pode ser um mito para sempre. A História que elegemos como de "toda a humanidade" é um mito que se mantém enquanto cremos nele.

Deus uma vez realmente entrou na História, mas os fiéis o chamaram de "mito" e consideraram o mito da História como o real divino. Adorar o deus feito por mãos humanas é errado; não porque Deus se ire, mas porque os homens se iludem: ao criar um ídolo e o adorar, o indivíduo vê a si mesmo como maior que Deus. Chamamos nosso mito que explica as coisas de "verdade", e rejeitamos a Verdade como um mito mentiroso. A Verdade é um mito, mas um mito Eterno, um mito real - diferente da História, que é um mito com data e hora para começar e terminar...

Nietzsche, visto com maus olhos por muitos fiéis adoradores de si mesmos, constatou: "Deus está morto" - frase dita com um louco que carregava um luzeiro nas mãos. Realmente, Deus morreu no dia que os homens decidiram provar sua existência com as próprias mãos. Os esforços mentais, racionais e intelectuais de demonstrar Deus, sua necessidade, sua Vida ou até mesmo sua Inexistência, são, definitivamente, a morte de Deus. Sempre que decidimos escolher como é ou deve ser Deus, vemos que Ele nunca se conforma com nossas determinações. Sendo assim, façamos o que é digno fazer com aquele que se diz Deus mas não faz parte dos nossos modelos idólatras do divino: o crucifiquemos e guardemos numa tumba.

O exercício constante dos  homens em falar sobre o verdadeiro Deus (como se fosse possível) ou sobre a História (o divino obrado fragilmente por suas próprias mãos), é um grande jogo, uma doce brincadeira, uma maneira infrutífera de passar o tempo. É, sem dúvida, o melhor caminho para encarcerar-se na temporalidade e perder a dimensão do Eterno, a experiência da Revelação, o vislumbre da Ressurreição. Deus não entrou na História por suas palavras, mas por si mesmo. Palavras são as divisões que fazemos para tentar dominar um pouco quem Deus é. Sabendo disso, percebemos que muitas vezes corremos o risco de botar na boca de Deus criações por Ele jamais proferidas.

Enquanto nos prestamos à busca de nossa verdade, não da Verdade, guardamos Deus em seu sepulcro e afirmamos sua morte - mesmo quando falamos que ainda procuramos por sua vida. Somos como os sacerdotes que enterram Cristo e retornam ao templo para adorá-Lo (?). Nos readaptamos a rezar, orar, fazer milagres e esperar o próximo ídolo que chamaremos de Deus. "Deus está morto" - certo estava Nietzsche.

Porém, graças ao próprio Deus por aqueles que se resguardam! Que angustiados retornam às suas casas em desânimo. Graças à Deus pelos que se silenciam, que se entristecem, que sabem terem encontrado Deus pois andaram com Ele! Graças à Eternidade pela paciência desses desanimados, desses homens sem alma, desses que desistem dos exercícios da alma para compreender Deus, já que comeram de seu pão, experimentaram seu vinho, dividiram o peixe, as redes, as noites, os dias... Graças à Deus pela fidelidade dos discípulos - não a dos sacerdotes. Pois se Deus esteve morto por um dia, para aqueles que se calaram,  três dias depois foi vista sua Glória, desfrutada sua Ressurreição!

Para que Deus esteja morto, basta um são dizer saber quem Ele deve ser. Para os loucos que confiam em sua Eternidade, basta seu silêncio, já que não fazem a mínima ideia de quem Deus deve ser, pois caminham com Aquele que É. Sim, Deus morreu - para aqueles que O procuram em sua(s) História(s). Ou não, não morreu - para aqueles que deixaram de procurá-Lo nos ídolos e nas imagens para caminhar com Ele pela Eternidade...

As verdades que mais me dão medo são as proferidas por aqueles que temem a mentira...



Gratis i Kristus