sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Maturidade

Em tempos que me achei criança, chamaram-me de maduro. Muitos dias em que sonhei ter crescido, não passei de um recém-nascido. Idade é coisa complicada; os dígitos que representam o tempo de vida, nem sempre condizem com a vida que se vive. Tem vidas que aos 40 parecem ter vivido 15, e outras que aos 20, parecem ter vivido 22 ou 25. Chamamos essa variável variante indeterminada que ultrapassa os números de "maturidade".

Como pode um homem de 40 apenas ter vivido 15? É que de seus 40 anos vividos, carrega consigo apenas 15 deles. Pode ser que tenha escolhido ter consigo aos 40 apenas os anos que ficam entre o 10 e o 11, 16 e 18, 24 e 25, 30 e 40. Carrega consigo apenas parte da vida vivida, não decidiu levar toda a bagagem, preferiu viver menos, determinou para si um limite de experiências. Podemos ter 60 anos, mas apenas termos conosco 20 deles. Enquanto que um de 20, se carrega consigo todos os anos completos, parece ter vivido o mesmo que nós, aos 60. Homens maduros, idades diferentes. Talvez maturidades diferentes...

Pode ser que a maturidade esteja ligada com os anos que carregamos conosco. Mesmo aos 20, 15 ou 54, vivemos em nós o nosso 5° ano, o 10º, o 13º e até o ano 16 - talvez isso nos torne maduros. Quando dizemos que temos uma tal idade, de fato a temos. Englobamos em nós do 0 aos "x" anos. Me entristece saber que esquecemos disso. Não lembramos durante os dias que temos 5 anos, 10 e 13; apenas decoramos nosso dígito atual. Que adianta viver 100 anos se deles apenas trago comigo 30? Melhor viver os trinta...

Ao falarmos com as crianças, lembremos que nossa maturidade carrega ou deveria carregar também as idades delas. Quando estivermos com os adolescentes, lembremos que em nós experimentamos em nossa maturidade os 13 anos também. Na frente dos jovens, não se esqueça de que eles podem ter vivido mais do que você, assim como você mais do que eles. Frente aos mais velhos, esperem para ouvir se vivem hoje a mesma idade que tu tens. No dia de homenagear os mortos, lembremo-nos dos anos vividos e tragamos para todos os dias toda a nossa maturidade.

Vida que vive intensamente é vida que vive todos os dias todas as vidas que já se foram...



Gratis i Kristus

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A Causa

Por toda minha infância de 22 anos, ouvi minha mãe contar histórias de heróis que defenderam uma causa. Causos sobre amigos, personagens bíblicos, ícones históricos e a própria história de minha mãe me apresentavam causas pelas quais eu deveria lutar. Gandhi, Malcom X, Paulo Freire, Cida, Carlos Mesters, Padre Alfredinho, Dona Maura, Paulo, Madre Teresa, Espinosa, Moisés, Lutero, Gisleine, Eliel, Mandela, Sócrates, Jandira... E por aí vão os seres fantásticos que viajam pela minha imaginação infantil de estórias e aventuras sustentadas por causas. Ouvi contos de lutas, revolução no sangue, e descobri que não são as lutas que me encantam; é a paixão...

As lutas destroem, mas o amor edifica. Nada contra os conflitos, inclusive os defendo, já que sem eles não há novidade. O problema é que por parecer que as causas se demonstram nas lutas, instituímos que causa é aquilo pelo que lutamos. Minha infância é marcada pela frase "lutar por uma causa", mas sempre que vejo as lutas, as causas estão desaparecidas. A causa não vem depois que eu começo a lutar, vem antes. Por isso digo que lutamos pelos efeitos, e não pelas causas. Lutamos por melhores condições de vida, por sobrevivência, por direitos, por uma reforma nas paredes de uma faculdade, construção de uma escola ou hospital, mas esses são efeitos, são coisas que surgem depois da causa. O efeito é objeto da luta. Os efeitos são muitos, mas a causa é única. E a causa única seria objeto de quem? Daquilo que me encanta: a paixão!

Por uma causa eu não luto, eu me apaixono. Soa estranho falar de paixão; cai em nossos ouvidos como o completo abandono dos sentidos e a perda da razão. Claro, pois a paixão nos obriga a repensar nossa consciência. Apaixonar-se requer a transformação das estruturas racionais e cômodas vividas até então. A causa só é causa se for objeto da paixão. A paixão nos obriga a mudar, a refazer os pensamentos, a reorganizar o intelecto, a "metanoiar", transformar a nossa consciência. A paixão me obriga a ser um novo homem, a repensar a vida, a não saber viver sem seu objeto. Nasci de novo. A causa me obriga a viver de novo. Viver é entregar a vida. A causa me obriga a entregar a vida novamente de um jeito novo. A causa é a consciência...

Não, não nos faltam lutas; faltam paixões. Mundo apático não é um mundo sem lutas, é um mundo sem paixões. Vivemos em constantes guerras, e nenhuma delas traz consigo uma causa, todas procuram seus efeitos. Minha geração não é uma geração sem lutas, longe disso, somos os melhores soldados que já existiram. Minha geração é uma geração sem causas. Impedem que nos apaixonemos. Claro, vivemos num mundo "cheio de razão". Faltam corações que se apaixonem, faltam consciências. Ciências temos de sobra, causas estão em falta. Os exemplos que me encantam são os que entregam a vida por paixão. Os efeitos exigem que lutemos, mas as causas que nos doemos. Faltam apaixonados por causas! A causa é a consciência...

Faltam apaixonados pela consciência!


Gratis i Kristus

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Vida simples...

Convidei-me para uma festa quando li esse texto http://minorulandia.blogspot.com/2011/11/o-que-e-vida-simples_03.html?spref=tw , escrito por meu amigo Minoru Raphael, e, de intruso, resolvi escrever também...

Nome simples é o nome que designa uma única coisa. Já o nome composto designa duas coisas que estão juntas ou utiliza dois termos para designar uma única coisa. Resumindo, digamos que o simples seja "João" e o composto "João Pedro". Mas, João Pedro são duas pessoas? Não, é uma única pessoa que possui dois nomes. Dois é mais do que um, logo, deve ter algo a mais nessa pessoa. Que diremos então de Dom Pedro I, que tinha 18 nomes?! Deve ter algo muito a mais do que uma outra pessoa... Do que o João, por exemplo. Dom Pedro é um homem composto...

A começar pelo "Dom", um título de nobreza. Título é uma posse de Pedro. Posse... Pedro é possuidor de um título e de muitos nomes. Isso faz de Pedro uma pessoa simples? Não sei. Para responder, posso me perguntar: todas essas posses são de uma mesma vida? De um mesmo Pedro? Ou por vezes suas posses são de Dom, outras de Pedro e ainda outras de I? A vida simples de Pedro começa a ficar complexa...

"Bom é ter vida simples!" - diziam os românticos. O problema é que não se prestaram a explicar muito bem de que "simples" estavam falando. Os bucólicos, os doloridos de baço e os woodstocker's cantavam a simplicidade com o viver no mato, sofrer de amores e não ter nada que participasse do mundo capitalista. Vivemos no mato, sofremos de amor e muitos fogem das amarras capitalistas. Isso fez da vida uma vida simples? Não. Pode ter feito da vida uma vida rural, ou angustiante, ou pobre, ou alienada, ou... ou... Qualquer outra coisa. Se é bom ter vida simples, precisamos ver como ou quão simples a vida é, e, quando uma coisa é simples, só pode haver um meio, uma resposta, um jeito. Os simples são únicos...

De maneira extremamente arrogante e pretenciosa, venho falar da vida simples: a vida única. Vida simples é um símbolo, tem uma "única cabeça". Se enumerarmos posses, lugares, coisas, sentimentos ou qualquer tipo de ser enumerável e definível que resuma o que, onde ou com quem é uma vida simples, a vida já não é mais simples, ela é quantificável, e aquele que possuir a maior quantidade de ondes, com quem's e quandos da vida simples, tem uma vida mais simples. Como símbolo e como simples, a vida simples não pode ser quantificada ou espacializada, deve ser vivida. Eu sei, acabei de utilizar um chavão, mas hei de menospiorá-lo: a vida simples é aquela que é a mesma, que não se divide, não se separa, vive como uma única vida em qualquer tempo, com qualquer coisa e em qualquer lugar. É vida que não se mede...

A vida simples é sinbolica, tem uma única cabeça, e não diabolica, detentora de duas cabeças. A vida de Bruno que vive como Bruno e decide viver sendo Bruno independentemente das posses, dos nomes, das complexidades, dos lugares, das pessoas e dos tempos, é uma vida simples. Não, não é uma vida composta, é bem simples. O problema de viver uma vida simples não é a impossibilidade de sua existência, mas a dificuldade de vivê-la. É decidir ser quem se quer ser a cada instante, ser coerente, ter bom senso, não deixar se dividir, ter sempre a mesma cara, matar todos os dias a hipocrisia, se livrar da mentira e, definitivamente, saber que vida simples não é vida feliz, é vida simples, simplesmente.

Espero que a vida de Pedro não tenha se dividido em vida de Dom, vida de Pedro, vida de I, vida de Alcântara... e por aí vai!


Ao meu querido amigo Minoru



Gratis i Kristus

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Falta...

Talvez por hábito demais ou desejo de menos, talvez por já termos lido demais ou sabermos das novidades ao menos, roubamos de nós nossos tempos a sós. Claro, responsabilizamos o trabalho, os estudos, a internet, o trânsito, o ônibus, o cachorro, a galinha e até a necessidade de ter que cuidar do avô. Entretanto, tanto nós quanto eles sabemos que todo tempo é tempo. Tempo não é o que se marca com o relógio, mas o que se sente na alma. Perdemos tempo não porque os ponteiros correram, mas porque nos transformamos e nem vimos o tempo passar. Nossa alma experimentou tantas coisas e mal paramos para contemplá-las. O travesseiro pode ser um grande amigo ou um maldoso passa-tempo...

Se quisermos falar com Deus, já dizia Gil, temos que desamarrar o cadarço dos sapatos. Para nós, temos também que pegar o ônibus, ir para casa ou para a igreja, fazer o almoço, cumprir as lições, executar os trabalhos, terminar os serviços, sair com os amigos, namorar, assistir televisão... Quem sabe depois disso, se quisermos falar com Deus, sentamos e nos damos um tempo?! Ou melhor, damos um tempo para Deus?! Mas, quando o fazemos, não damos o tempo da alma, entregamos a Ele o tempo dos relógios, o falso tempo; tem hora para orar, tem minuto de silêncio...

Triste: Para os apressados novos não pode haver solidão, enquanto que para os atarefados velhos não há tempo para ela. Para aqueles que entenderam que Deus é em todo tempo, não há mais a quietude e a meditação. Para aqueles que viveram na dependência de momentos com Deus, não existem mais espaços na vida para esses momentos. Ninguém canta mais para marcar o dia. Ninguém mais ora para agradecer o dia...

Sinto falta de lermos o Livro juntos. Sinto falta das conversas desconversadas do dia-a-dia que falam de Deus. Agradeço meus momentos solitários com o Livro e seu Autor. Agradeço os diálogos diários e constantes que vivem todo o tempo da minha alma, que cantam suas transformações. Mas sinto falta de depois da solidão, repartir o pão que preparei no meu quarto. Sinto falta de depois de conversar por muito tempo comigo, contar para alguém o que conversei. Sinto falta dos ouvidos sedentos. Sinto falta das bocas que falam de boca cheia. Sinto falta dos dias que se preocupam com a Criação, com a criatura e com o Criador. Sinto falta dos anos que festejamos e das eras que pranteamos. Faz falta termos um tempo. Faz falta Deus ter um tempo. Faz falta vivermos nosso tempo...


Gratis i Kristus

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Nada se cria, nada se perde... Que nada!

"Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma." - Lavoisier

Essa é a máxima da Lei de Conservação da Energia, que faz parte da coleção das poucas coisas que aprendemos no colégio. Muito provavelmente nossos professores de Física e de Química enchiam a boca para proferir o sagrado verso de Lavoisier. Muito provavelmente nós não abrimos nossos ouvidos, mas fomos muito influenciados por essas "sábias" palavras. Coloco sábias entre as irônicas e maliciosas aspas, porque essas palavras serão o ponto de partida de algumas de minhas muitas críticas àquilo que me ensinaram quando tentaram me formar (tanto na escola quanto na religião): a não pensar.

O primeiro problema é sacar da natureza o que querem dizer com "natureza": estou incluído nela? Se sim, somente meu corpo ou minha mente também? Se minha mente também, minhas idéias e tudo o que penso já existe, já está lá e mesmo que eu pense, há de se transformar e ficar diferente? Pois bem, para que pensar então? Nada se perde, nada se cria, mas apenas se reajeita numa outra disposição. Um mundo incrivelmente estagnado e sem novidades. Minhas idéias jamais serão importantes, serão apenas transformações e resultados de transformações. Aliás, as idéias de qualquer um são uma grande perda de tempo. Aprender algo novo? Criar? Jogar fora coisas que me atrapalham? Repensar minha fé? Redirecionar meu conhecimento? Jamais! Será apenas transformação de uma mesma coisa que existe desde que o mundo é mundo, desde antes da fundação dos tempos...

E disso podemos partir para o segundo problema: a dificuldade de admirar uma criação. Uma obra de arte é apenas um tanto de tinta velha reajeitada que às vezes jamais entenderei e nunca, nunca mesmo, serei capaz de criar algo novo que seja tão novo quanto essa obra (se é que ela é nova, já que apenas uma transformação de algo). Transformação parte do princípio de que todas as coisas são parte de um "mesmo", e que esse mesmo muda de cara, mas é sempre o mesmo. Interessante, pois participamos de uma "transitoriedade monótona". Tudo muda, mas nada é novo. Desse vazio as artes se perdem, a música é desvalorizada, o velho esquecido e o novo ridicularizado. Desse vazio surgem as mais imbecis discussões fundamentais, como por exemplo, o eterno debate Evolução x Criação. Os dois se degladiam porque não querem admitir a possibilidade de uma atividade criadora: os evolucionistas enxergam a vida como uma linha que apenas cumpre o necessário e nada inventa de novo, enquanto que os criacionistas enxergam um mundo pronto que não inventa nada, mas é mantido estaticamente por Deus. Os dois esqueceram-se de dar vida à vida e a possibilidade de uma criação.

Pode ser que essa transitoriedade monótona do mesmo seja assim por não querer perder seu posto nas escolas e nas igrejas. Quer dizer, isso se quisermos pensar que as coisas podem se perder. Claro, o mesmo nunca se perde, mas e o outro? Aquilo que é sempre o mesmo, mesmo que se transformando, não desaparece. Porém, aquilo que abre a possibilidade para um outro, corre o risco de se perder ou de perder o outro. Mas o que será que esquecemos de contar para que a vida não seja eternamente um mesmo que se transforma? O que esquecemos de lembrar? O que existe que é capaz de criar e de perder? O que faz com que de uma hora para outra suma algo e surja um novo? Talvez essa resposta exija tempo...

Exatamente! O tempo! É ele o responsável pela novidade! É ele quem cria, é ele quem perde e é ele que nessa habilidade, nunca se transforma. Tempo é sempre tempo, e, com o tempo, é tudo sempre novo. Se na natureza não houvesse tempo, nada seria uma criação e nada seria uma perda, mas apenas o mesmo se reajustando. Porém, se há o tempo, tudo é sempre novo, e o que se foi jamais retornará, jamais voltará a ser como era. Nisso, o tempo não se transforma, jamais pára, jamais retrocede e é sempre o outro. A vida com o tempo ganha valor, recupera sua capacidade de criação e se preocupa consigo, pois pode perder-se a qualquer momento. Tudo torna-se breve, instantâneo, importante, fantástico e digno de ser muito aproveitado e intensamente vivido. O que penso vale e vale muito! O que pensaram vale e vale muito! Geniais são as obras de arte e suas novidades de tempos em tempos, as músicas, os velhos que perdemos, os novos que surgem, a evolução que dinamicamente some com criações e reinventa novas criações completamente inesperadas... Não somos mais o mesmo, somos outros...

Em minha formação talvez não fizesse sentido sonhar, viver os instantes, as aulas chatas de química, as missas, as reuniões de oração, a educação física, as idas ao museu, o repensar minha fé e redirecionar meu conhecimento. Mas hoje sei que sou capaz de criar, de inventar um novo. Sou capaz de perder minhas oportunidades, minhas criações, meus velhos. A vida não é uma transitoriedade monótona, é, ao contrário, uma efemeridade dinâmica. Vale a pena pensar, vale a pena inventar e vale a pena viver, pois as coisas se perdem e somos capazes de criar, não apenas transformar. Somos velhos, somos novos. Para além de mesmos, somos outros. Uma Educação não pode se esquecer de lembrar da vida.

Gratis i Kristus

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Do cárcere ao santuário

Por esses dias, conversando com uns amigos sobre práticas esportivas, ouvi um deles dizer sobre seu joelho machucado que "ele era muito problemático". Na mesma hora, uma luz brilhou bem na frente de meus olhos e minha cabeça moveu-se para trás como se tivesse levado um golpe. "Ele? Mas o joelho não é parte de você?" - perguntei. Dali em diante tenho pensado nessa outra coisa que me pertence, mas que talvez não seja eu, e se chama "corpo".

Sem dúvida essa é uma das primeiras constatações que fazemos quando tomamos consciência de nós mesmos: "tudo aquilo que não sou eu, é outro". Simples, prático, objetivo e direto. Mal nascemos e já podemos nos considerar geniais! Meu pai não sou eu, minha irmã não sou eu, minha bicicleta não sou eu e... essa coisa que vejo para fora de mim e se mexe quando mando...Qual o nome mesmo?... Hmmm... Mão! É, mão... Sou ou não sou eu? Existe algo em mim que vê o que está em mim para fora de mim. Encontramos nosso corpo e sua acompanhante: a alma.

Essa constatação estranha que fizemos com despertar da nossa consciência, nos fez inventar uma dicotomia entre alma e corpo. Pois bem, os filósofos gregos consideravam o corpo como sendo o cárcere da alma, a prisão finita de uma coisa que consegue imaginar o eterno. Porém, ao mesmo tempo, a cultura grega era apaixonada pelo cuidado com o corpo, pela sedução que esse cárcere é capaz de promover. Uma prisão deliciosa, gustativa, dádiva dos deuses! Um verdadeiro santuário...

Quando a cultura grega encontra o judaísmo, no tempo em que Roma se avizinha a Jerusalém, essas duas idéias são muito bem vindas e dão correntes ao cristianismo: o corpo é causa do pecado, é santuário de Deus. A prisão deve ser combatida, devemos nos libertar de suas amarras, porém, ao mesmo tempo, devemos preservá-la, já que é a obra divina, a Casa do Pai. A alma é garantia da eternidade, o corpo da perdição. Apesar de ser cárcere, o corpo deve ser purificado, e, apesar de ser santuário, o corpo deve ser "aprisionado". Maldita consciência é essa que divide as coisas! Cultura da alma e cultura do corpo... Santuário e prisão... Mesmo quando junto as coisas, ainda me vejo fora de mim.

As disputas entre o corpo e a alma fizeram de nós reféns da beleza e/ou da sabedoria. Quem nunca ouviu a frase: "Mulher bonita e inteligente é impossível! Ou uma coisa, ou outra"? Dei o exemplo da mulher não por machismo, mas pelo simples fato de admirar a beleza feminina muito mais do que a masculina. Admito, tenho atração por mulheres... O que não vem ao caso, pois o problema é estacionarmos nessa separação e primária. Ou vivemos no mundo cult, ou na geração saúde. Ou doutores, ou bombados. Ou salvos, ou perdidos. Ou tristes insatisfeitos, ou contentes satisfeitos... Apesar de todos compreendermos e sabermos que somos um, corpo que pensa e alma que vive, não nos libertamos dessas amarras. A prova disso é que provavelmente você está pensando agora: "mas então, qual o certo?", ou ainda: "vai dizer que o certo é unir os dois...".

Não! A proposta não é ser a favor ou contra, aprisionado ou livre, eterno ou finito, cult ou sarado! Continuamos presos nas divisões dicotômicas! Mesmo se quisermos "unir" as retas, já partimos que são retas e, além disso, continuarei me vendo para fora de mim. Caminhemos avante para expandirmos nossa consciência! As coisas não são boas ou más por si mesmas, como já dizia Spinoza, mas é a minha relação com elas que as definem como tais. O corpo não é cárcere e nem santuário, é a minha relação com ele que o faz ou um ou outro. A alma não é mais ou menos importante, é relação com ela que dita isso...

Bom, mas assim retornaríamos à nossa descoberta da infância: quem sou eu que não é o outro? Crescemos e descobrimos que podemos dividir nosso próprio corpo em muitas outras partes, inclusive em partes que não vemos. Descobrimos também que podemos dividir nossa alma em várias partes; em subconscientes, inconscientes, egos, superegos, id's, amigos imaginários, alteregos... E em todas elas, tantos nas partes da alma como nas do corpo,  podemos ser nós. Podemos inclusive olhar para um grupo de pessoas e dizermos dele que somos nós. Afinal, quem sou e quem é meu corpo? Continuo me vendo para fora de mim...

Quando olho para o Sol, o vejo muito menor do que ele é, imagino que esteja a uma distância menor do que a que ele está e acho que é ele quem gira em torno da Terra. Porém, quando descubro que ele é muito maior, está a uma distância gigantescamente maior e  parado enquanto é a Terra que gira em torno dele, continuo vendo-o pequeno, bem próximo e se movendo, mas minha relação com ele muda. Quando descubro que posso dividir-me em muitas partes, em muitos corpos e em muitas almas, continuo me vendo de dentro de um corpo, ainda percebo uma diferença, porém, minha relação com essa diferença muda. Cárcere? Santuário? Alma? Minha relação com eles muda. Em certos dias meu corpo é prisão que me faz fazer aquilo que não queria. Em outros, é um santuário magnífico onde Deus habita. Em momentos minhas relações com minha alma são de unidade, em outros de guerra e confusão. Tem dia que sou um ser uno, tem dias que sou mais que múltiplo...

Não podemos parar na primeira experiência da consciência, mas devemos avançar e descobrir os instantes de unidade e diferenças que há nas relações vividas entre corpo, alma, eu, eu mesmo e qualquer outro. Relações afetivas e cognitivas experimentadas por muitos inteiros e divididos relacionados. Os problemas que surgem no desenrolar desse pensamento são muitos, mas deixemos para a expansão de nossa consciência ver mais tarde...



Gratis i Kristus


PS: Deus não habita em santuários construídos por mãos humanas... Cuidado com as plásticas e os vícios de academia!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Pedido de um novo

Destruir é muito fácil. Jogar na defensiva, marcando o adversário, é muito mais simples do que inventar uma jogada, criar um ataque ordenado. Estragar um quadro é simples, ser Van Gogh dá trabalho...

Desfazer não é trabalho das novas gerações, é uma reação traumática das mais velhas. Não tenho em mente e nem acredito que o novo seja melhor que o velho, e muito menos que o passado deve ser deixado de lado e visto como desperdício ou tranqueira pesada que não precisamos carregar. Muito pelo contrário! Sou daqueles que não despreza a tradição e muito menos vira as costas para os que me trouxeram até aqui. Porém, também não sou saudosista escravo da tradição e amante dos dogmas. O que posso dizer é que sou novo, sou presente, consciente daquilo que me fez e sonhador daquilo que farei. Apenas afirmo que desconstruir é exercício de quem já construiu, já realizou o sonho...

Acabei de vir ao mundo e já querem me dar uma tocha na mão para queimar o quadro pintado em outra era. Não fiz o quadro! Não conheci o pintor! Não tive tempo de admirar o mundo para concordar ou discordar da obra! Por favor, deixem-me viver! Se num futuro eu rejeitar minha mensagem de hoje, confiem e acreditem que eu mesmo a destruirei, porém, não por medo de suas consequências, mas para que as próximas gerações estejam protegidas de ter que tomar decisões que não as pertencem, para que elas possam por si mesmas serem inovadoras e criativas. As possibilidades estão nas mãos daqueles que ainda não vieram, portanto, devemos deixa-las abertas e infinitas como ainda são e não decidir por elas como elas devem ser.

Talvez por vício e por segurança, tentaram predizer o que eu deveria dizer. Premonições, previsões, prenominações. Escolheram meu nome, escolheram meu signo, escolheram minha religião, escolheram meu país, escolheram minhas escolas e escolheram o que nelas eu deveria aprender. Escolheram minha mensagem! Nunca devemos escolher por alguém sua própria mensagem! O problema não é o burguês e nem a religião, a escravidão está na desproteção dos indefesos, na falta de muros que cerquem os mais novos, na impossibilidade de decidirmos que mudanças podemos fazer. Já escolheram por nós o caminho que devemos trilhar, as transformações que devemos promover...

Convoco minha geração para fugir das repetições, para correr das ordens e para impedir a nós mesmos que decidamos quais sonhos os próximos devem seguir, quais planos devem aderir e quais obras devem destruir. Que nos dias de nosso vigor possamos criar nós mesmos nossas músicas, pintar por nós nossos quadros, escrever nossos textos e produzir por nós mesmos nossas mensagens! Não destruamos, não repitamos, não abandonemos: criemos!

O passado nos empurra para frente, o futuro não nos deixa voltar atrás... Precisamos que os velhos nos protejam e os novos inovem!



Gratis i Kristus

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Diálogo inter religioso

Me perguntaram uma vez se eu era a favor do "diálogo inter religioso", e, antes de responder, propus que pensássemos o que era um "DIR" (Diálogo Inter Religioso, para quem não sacou):

Se diálogo inter religioso é um encontro esporádico de um pastor, um padre e um pai de santo numa avenida ou numa praça perto do fim do ano ou no dia das crianças, sou contra. Não imagino que o encontro de líderes num dia específico para representar (e essa palavra já diz qual a predisposição das personagens nessa peça) a união pacífica de unidades de certo segmento das três religiões exemplificadas, seja um DIR. Digamos que diálogo seja a troca de pelo menos duas palavras com som e significação que exprimem pensamentos por nós produzidos que caminham para uma interação social. No caso, essa interação social é baseada em afirmações de Fé, mas delas falo em breve. Sendo assim, um encontro esporádico pode até ser um "fato social" ou uma ocasião (obrigação) social, mas interação não é, essa palavra implica em constantes trocas, não esporádicas aproximações num mesmo palco.

Se diálogo inter religioso for a tentativa de "harmonização" e consonância de idéias e afirmações de Fé (ainda não entrarei nesse assunto) de diferentes credos, num tipo de ecumenismo que propõe a suavização das diferenças e uma aceitação de equilíbrio dos objetivos e significados das diversas revelações dos segmentos, que provavelmente conseguem essa proeza através de uma "regra de três" espiritual, também sou contra. Essa proposta tenta colocar as mensagens das religiões como iguais, quer dizer, propõe que os diferentes logos sejam um. Logicamente (com toda a ironia possível dessa palavra), se temos apenas um logos, como pretendemos fazer um "diálogo"? Não é possível haver troca de no mínimo dois discursos se temos em nossas bocas e em nossas mãos apenas um. Para que haja transferências de logos, precisamos das diferenças e dos desequilíbrios (e também da insegurança do discurso, mas é assunto para um próximo texto).

Agora, se tratarmos do DIR como as constantes conversas dos diferentes credos, sou a favor. Aliás, não dos diferentes credos, mas dos diferentes crédulos! E dos incrédulos também, porque não? Afirmar isso implica em entender que o DIR está nas mãos não das religiões, mas dos religiosos. Os indivíduos que professam (afirmam com palavras) uma determinada Fé, são os diplomatas de suas comunidades no ambiente reservado à reunião geral das religiões unidas: a vida. O DIR se dá no dia-a-dia de cada fiel. Os intercâmbios das crenças não vêm apenas nas conversas e nas idéias proferidas, mas, além disso, se transmitem através das afirmações de Fé. São elas, como já dissemos, que basearão a interação social das religiões e, em matéria de Fé, nada se discute, mas tudo se vive. Afirmações de Fé são os saltos qualitativos que damos no escuro das idéias e no vazio da Razão; quando ela falta, a Fé supre. São afirmações indiscutíveis (o que não impede de serem muito questionáveis, como o são). Esse tipo de logos não se dá na equalização das palavras ou no equilíbrio das doutrinas, mas na prática da vida e nas experiências inexplicáveis da intimidade que se dá, inclusive, no ambiente público. São as constantes conversas que de fato fazem mover a vida.

Quanto ao DIR era isso que tinha para expor. Não cabe aqui a resposta "sim ou não" da pergunta inicial do texto, mas cabe a reflexão e a desconfusão que deve ser feita quanto ao que se entende por DIR. Para terminar, respondi ao que me perguntou algo que aprendi por esses dias com o Frei Carlos Mesters: "O que é uma grande conversa senão uma 'conversão'?" - convivamos mais...

Gratis i Kristus

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Teologia do Pé

Debaixo de um sol ardendo, acima de um chão rachado, na falta de tênis e na sobra de chinela de couro, vai o roceiro e seus pés à caminho da falta de plantação que ele chama de "campo". Num clima desses, numa casa de barro daquelas e com duas cabritas magras no cercado, Deus só pode ser o Santo Espírito que sopra a chance de chuva. Bom mandamento é o de colher aquilo que plantar e não derramar sangue inocente, porque aquele chão já é rude demais com a vida para que ela sofra também nas mãos dos donos dos pés. Igreja boa é aquela que se ajunta para distribuir alimento e que benze no velório das gentes velhas e nos casórios da gente nova. Deus é bom, mas vez por outra castiga com um mormaço, que também pode ser que não seja tão ruim assim porque alembra do valor das Graças. Depois de muito que se viver, descobre que a vida dada pelo Divino é boa e ruim, e que por assim estarmos aqui, façamos de tudo para que a vida viva e, mesmo com a desgraça e o sofrimento, vamos em tudo dar graças.

Já debaixo da chuva, dentro de um apartamento no centro de uma cidade, uma criança olha pela janela as gotas escorrendo o vidro. Umas tem forma de cavalo, outras de casa, umas de monstros e outras com cara de gota, mesmo. Provavelmente foi assim que Deus criou o mundo; foi espirrando água para tudo quanto é lado e as gotas se acomodando onde dava dando formas às coisas. Mas foi em sete dias não foi? Hmmm... Pois bem, devia ter muita água... Talvez isso tenha a ver com o dilúvio! Apoiada com os pés em cima do sofá a criança vibrava com suas descobertas; deve ser por isso que por aqui vez por outra chove, porque Deus ainda cria as coisas. Ele ainda faz a planta crescer, mata minha sede e limpa um pouco essas nuvens de fumaça que os fumantes soltam junto com os caminhões e ônibus. O que é um problema, porque por causa dos caminhões e dos ônibus, eu não posso brincar de bicicleta hoje! Está chovendo... droga. Nossa! E é por causa dessa mesma poluição dos fumantes, dos caminhões e dos ônibus que as pessoas perdem casas nas enchentes! Deus vem criar as plantinhas e me dar água e por causa da sujeira acaba que a água se exagera e gente sofre. Por isso meu pai deve reclamar tanto dos caminhões na estrada... Deus, perdoe os fumantes, os ônibus e os caminhoneiros!


Pena que os pés não falam! Pena que os pés não expressem suas experiências! Pensamentos nós tentamos exprimir e compartilhar, mas a caminhada é impossível! Mesmo que indiquemos o caminho e passemos pelos mesmos percursos, a caminhada é diferente, os pés são outros e eles não falam. Os pés experimentam o chão, não voam e nem podem fugir da vida. Mesmo para aqueles que não os tem como parte constituinte de sua biologia, alguma parte de si faz-se de pé, põe-se como guia da vida, o leva para as experiências. Os pés são indiscutíveis e indiscutidores. Os pés andam, não param e tem que ser pacientes. Se correm perdem o caminho, e logo todo o corpo pede seu regresso, exige seu descanso. Pés nos mantém em Deus, não em um lugar, mas não nos roubam da vida. Talvez as razões nos enganem, talvez o coração nos passe a perna (que ironia), talvez Descartes nos faça divagar e talvez Pascal desconheça as razões. Os pés é que percorrem o Caminho...

Seja no sol e com a realidade que o pé sente, não a que ele conhece, mas a que ele vive, ou na chuva dentro de um apartamento em cima do sofá, o pé dá seus "saltos de Fé". São os pés saltam no solo e sentem o impacto da vida que se impõe e produz nossos sentimentos de Deus. São os pés que reagem ao Caminho. São os pés que vacilam também. São os pés sustentam os joelhos que se dobram. São os pés que levam os corpos às romarias. Quem é a estúpida língua que falará mal do pé? Quem é a maldita serpente que tentará e será pelo pé pisada em castigo? Quem será o rude insensível que recriminará a vida dos indivíduos e seus pés em nome da boca? Não! A boca fala do que o coração está cheio porque ele é insuficiente para suportar tudo o que suporta o pé, o coração é apenas um tradutor do verdadeiro órgão que nos põem em contato com a vida. Sejamos parceiros de caminhada. Vamos dar valor ao pé. Sejamos pacientes e esperemos nossos irmãos. Nos preocupemos mais com o Caminho, com a Caminhada, do que com as palavras... O Deus é o mesmo, mas os pés são diferentes...


Gênesis 33: 13 "Jacó, porém, lhe disse: "Meu senhor sabe que as crianças são frágeis e que estão sob os meus cuidados ovelhas e vacas que amamentam suas crias. Se forçá-las demais na caminhada, um só dia que seja, todo o rebanho morrerá."


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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo Salmo 103: 8 - 10

Em um trecho de Hamlet, Sheakespear encena com palavras o Imediato do Rei dizendo ao príncipe Hamlet que cuidará de uns atores convidados pelo Palácio como "eles merecem". Hamlet, imediatamente explode de raiva encarando o Imediato e dizendo que se tratarmos a todos como todos merecem, quem escapará do chicote? E termina sua fala afirmando que quanto menos alguém for "merecedor", maior e mais digna esta pessoa é, e maior será a generosidade daquele que a acolher. Lembrando disso, lembremos de nossa Fé:

Salmo 103: 8 - 10

"O SENHOR é compassivo e misericordioso,
mui paciente e cheio de amor.
Não acusa sem cessar
nem fica ressentido para sempre;
não nos trata conforme os nossos pecados
nem nos retribui conforme as nossas iniqüidades."

Sempre rachei em minha cabeça nosso Deus em dois: um Antigo e um Novo. Esqueci-me de que somente as Sagradas Escrituras se organizam assim. Sempre dividi em minha cabeça a justiça de Deus em duas: àqueles que são bons e àqueles que são maus. Esqueci-me de que assim fazem os homens, e não Deus. Sempre rachei em minha cabeça o perdão Divino em dois: aos pecados confessados e aos guardados. Esqueci-me de que sou eu quem me destruo deste jeito. O único Deus é um; o "um" Deus é único.

O Senhor compassivo e misericordioso, mui paciente e cheio de amor, independe de mim para me amar. Graças a Deus não sou tratado como mereço, graças a Deus minha culpa é levada de mim para a eterna distância do Oriente e do Ocidente. Graças a Deus não necessito caminhar com o fardo da acusação, e muito menos com medo de um Deus eternamente entristecido com minhas falhas. Assim como não deveria caber a mim medir minha culpabilidade, ou até a culpa do outro. Graças a Deus culpa não é mensurável, mas experimentada. Graças a Deus as experiências se transformam, enquanto que as coisas medidas apenas aumentam ou diminuem de tamanho. Graças a Deus não sou retribuído na balança, mas pela Nova Vida.

Se não caberia a Deus, o único, tratar os homens de acordo com sua culpa, seus pecados, suas iniquidades, que dirá ao homem, qualquer um ou um qualquer! Discursos, qualquer que seja o discurso, são medidos, pesados, rotuláveis e limitados, mas a Vida, somente é vivida e experimentada. De pecados e iniquidades, enganos e equívocos, todos sofremos. Pela Graça, todos somos alcançados. O Senhor compassivo e misericordioso, mui paciente e cheio de amor, muito me espera, carrega esperanças e é Fiel e Justo. Graças a Deus o que digo é relevado, o que faço é deixado de lado e não sou tratado pelos meus pecados, mas por sua paciência...

Se fôssemos tratados como merecemos, quem escaparia do chicote? Tratemo-nos como imerecíveis, como agraciados. Que a Graça de Deus, o nosso Senhor, esteja com todos nós!


Gratis i Kristus

domingo, 4 de setembro de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo 2 Crônicas 20: 20

2 Crônicas 20: 20

"...Tenham fé no SENHOR, o seu Deus, e vocês serão sustentados..."

Por muitos anos vi pastores se submeterem à necessidade de comprovar e explicar sua Fé em Deus. Necessidade imposta não por Deus, o "objeto" de sua Fé, mas pela "Ciência", um ser que não existe, mas é objeto de seus medos. Quiseram lutar contra carne e contra sangue, procuraram nas armas do mundo as soluções para suas crises de Fé, se submeteram a um deus que não era o que professavam. Como disse Kierkegaard: "Em nosso tempo, a importância das ciências faz os pastores de bobos...". E o problema aqui não é a disputa que inventaram entre Ciência e Religião, mas a confusão que fizeram entre Fé e Certezas...


Por alguma razão, deixamos que nossos olhos fossem iludidos e passamos a crer que Fé é ter certeza daquilo que creio. Amarga ilusão! Fé não se desespera por certezas, mas consola nas dúvidas. É quando saímos do conforto de nossa terra, caímos na tormenta das tempestades no mar e, quando estamos prestes a sermos engolidos, olhamos para o alvo, olhos fixos Nele, e andamos sobre as águas. É na completa escuridão, confiarmos na Luz. É no meio do Vale da Sombra da Morte, não temer mal algum! Porque temos certezas? Não! Porque no meio das dúvidas eu confio...

Sustento não é necessário quando se vive na bonança, mas é requerido quando perdemos tudo. Ser sustentado não é para aqueles firmes e fortes que conseguem andar com as próprias pernas, mas para aqueles que fraquejando mal saem do chão, são paralíticos, cegos, mendigos e leprosos. São os órfãos e as viúvas! Precisam ser sustentados aqueles que não podem conduzir a si mesmos.

Sem Fé é impossível viver a vida. Sem Fé é impossível agradar a Deus. Sem Fé é impossível viver a Vida. Sem Fé é impossível implantar o Reino de Deus. Certezas de Fé não são aquelas medidas comprovadas, mas loucuras para gregos e judeus que são pregadas. Se vivemos a vida sabemos que nada é certo debaixo do Sol. Se vivemos a vida sabemos que o amanhã depende da misericórdia de Deus. Se vivemos a Vida, sabemos que no meio de todas as dúvidas, incertezas, complicações e dificuldades, podemos confiar num Deus que é Eterno e Justo, Amoroso Salvador que nos sustenta...

Essa afirmação de Fé não é por uma certeza, é somente pela Fé. Em nada tenho que provar, muito menos comprovar, apenas experimentar tamanha Graça! Nos dias em que dizemos "matamos Deus, o vimos morto", surge a possibilidade de crermos, em nossa Fé, que em três dias O veremos ressurreto...



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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

De dia de semana sou cego e aos domingos sou surdo

Durante a semana sou cego e aos domingos sou surdo. Tudo bem que vez por outra sou cego e surdo. Quando cego, preciso começar a ver e, quando surdo, ouvir algo. Dizem que o pior cego é aquele que não quer ver, e acabei de imaginar que também o pior surdo é aquele que não quer ouvir... Se é que existe essa possibilidade!

Quando estou só e a mercê das aves de rapina, caçadoras fantásticas de animais distraídos, sou completamente cego. Por não ver bem aquilo que está ao meu redor, fico feliz e contente com minhas sombras. Mesmo quando as pálpebras se abrem, não estou disposto a permitir que a luz faça parte do meu dia. Sou um indivíduo astuto e ao mesmo tempo ingênuo: enquanto maliciosamente não quero enxergar, sou cercado na surdina pelas aves assassinas. Dependo de um Salvador que me faça voltar a ver! Perdi a crença na luz, perdi a crença na cura perdi a esperança de Salvação. A escuridão não se tornou tão ruim assim.

Já aos fins de semana, abro os olhos e passo a ver. Encontrarei aos domingos outros ex-cegos que enxergam aquilo que quero enxergar, logo não corro o risco de perder a segurança que tenho ao não ver as aves de rapina. Porém, nesse instante, fico imediatamente surdo. Não ouço nada que não seja a mim mesmo. Lobos uivam e se aproximam, mas me contento em não saber deles e ficar seguro dentro de quatro paredes. Somos todos, eu mais os ex-cegos, surdos. Falamos uns com os outros, fazemos uma grande algazarra que provavelmente deve ser um barulho extremamente incômodo. Mas sem crise, não ouvimos nada: nem nossa gritaria e nem os lobos. A surdez é boa e muito conveniente quando estamos em grupo, já que fazemos zona sem nos irritar. Preciso de uma Voz que me faça ouvir. Tenho medo e me protejo com os outros de ouvir Verdades...

Durante a semana sou um religioso: um indivíduo que ouve, está disposto a saber das Verdades, mas não as vê. Quero muito mudar a mente, mas perdi as esperanças de encontrar alguém que viva uma Vida que faça sentido. Só sou cego porque não posso ser surdo durante toda a semana. Já nos fins de semana, sou parte de uma religião. Enxergo o mundo, vejo meus amigos e até sei onde estão as aves de rapina, mas dependo da grande massa para me proteger dos lobos. Me habituei a não ouvir nada que não fosse o que já ouvi, e dentro da igreja vejo sempre as mesmas coisas e a vida mórbida e estática que sempre vi(vi).

De dia de semana sou religioso e de domingo sou da religião. De dia de semana até sou independente, mas não há Vida que apareça e me faça ter esperança de novo em ver... Por isso, prefiro ser posse de alguém nos fins de semana para garantir que enxergue qualquer coisa pelo menos um pouco sem a preocupação de que tenha que ouvir...

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Confissões de uma conversa que tive com outro amigo morto

Acabara de sair o Sol e eu continuava indignado apesar de ter dormido muito bem por toda a noite e pelo dia anterior ter sido domingo. A angústia quando decide falar alto é ensurdecedor. Tenho um professor (vivo) chamado Alexandre Martins que me disse que a angústia berra no silêncio. Pois bem, precisava de um amigo para falar comigo e calá-la um pouco. Na verdade, calá-la não é bom, pois a angústia é que move a vida de todos os homens vivos e a de um morto. Ah! Também move a de um ressurreto, mas essa é uma outra estória... O que importa é que quando me lembrei deste homem angustiado e morto,  que por sinal é um grande amigo, logo combinei de encontrá-lo lá pela hora do almoço para darmos voz ao berro da angústia, criarmos um som, para que tomasse uma forma que me motivasse.

Soren Abbye Kierkegaard e eu nos encontramos às 12:25 na estação do Metrô "Alto do Ipiranga", em São Paulo. Mal começamos a conversa e ele me confessou suas dificuldades na vida. Recordou de sua infância complicada como segundo filho de sete, dos quais os cinco seguintes faleceram. Kierkegaard me disse que por essa situação de perder seus cinco irmãos mais novos, acabou escrevendo: "vi meu pai enterrar por cinco vezes suas esperanças...". No curso da prosa me disse que perdera sua mãe, se apaixonara loucamente por Regina, mas que não conseguia permitir-se desposá-la. Quantas angústias! E o que aprendeu com elas? Nada, não são elas as causas de sua Filosofia, mas sim, o como existiu frente a elas. Kierkegaard começou a me falar do Amor...

Que fantástico é saber que algo tão sublime pode dar voz aos gritos silenciosos da angústia! Se queria dar forma às minhas, precisaria dentro delas encontrar o Amor. O problema de falar de Amor é que não se fala apenas, é necessário que se experimente. Não há palavra ou Filosofia que abarque o Amor. Não, apenas os indivíduos amam e são amados, os esquemas, sistemas, generalidades e conceitos não amam e nem são amados. No máximo, tornam-se uma doentia relação de dependência e ilusão de segurança. Mas nunca Amor!

Quando estávamos na altura da estação Santa Cruz, começamos a rir. A transformação das quase lágrimas em riso é irônica, um processo cômico que faz do trágico uma boa peça de descanso. Rimos imaginando casos absurdos de ilusão. Nos divertimos com o disfarce que dão para a realidade aqueles que não querem ser indivíduos e nem lidar com indivíduos, que preferem uma vida conceituada a uma vida vivida. Nesse caso, felizes são os mortos porque não sentem nada, logo, cabe-lhes qualquer conceito e qualquer idéia. Não há preenchimento de vida e sobram excessos de vazios. Para compreender toda a vida não é preciso (no sentido de Fernando Pessoa) compreender toda a Razão, mas é extremamente necessário Fé para confiar que os saltos valem a pena.

Descemos na Praça da Árvore e caminhamos até em casa para almoçar. Não sei se é triste ou engraçado, mas o único com fome era eu: queria devorar palavras e comida. Kierkegaard não sentia tal desgraça: não queria comida (já que estava morto) e esbanjava as palavras (mesmo estando morto). Combinamos que os que amam mesmo são os poetas, pois são vocacionados para expressar o que sentem. Se bem que a eles falta muitas vezes Fé para desprenderem-se do tempo e experimentarem lampejos de eternidade. Pelo menos, eles tem o dom, amam com esse dom. Talvez por isso seja raro encontrarmos muitos. São dois ou três a cada geração. E que curioso! Embora afirmamos que pastores também tem de ser vocacionados (tem de ter um dom) não são dois ou três por geração, mas sua quantidade excede as vagas de emprego disponíveis... Será que eles são vocacionados mesmo então? Ironicamente, imaginamos que não...

Os pastores perderam seu brilho e ganharam muita maquiagem. A luz saiu de dentro deles e foi para cima dos palcos. O brilho nos olhos deu lugar ao nariz vermelho, às roupas coloridas, grandes sapatos e a habilidade de fantásticas cambalhotas e acrobacias! Divertidíssimo! Dão espetáculo de palavra e uma circense falta de Fé. Não necessariamente que façam shows interessantes e engraçados, por vezes são sérios. Inclusive, muitas das horas parecem ter cara de doutos, feição científica e rigor sistemático; "Em nosso tempo, a importância das ciências faz os pastores de bobos... (eles) servem a ciência e consideram que pregar está abaixo de sua dignidade" - disse Kierkegaard, e continuou - "Não surpreende, portanto, que o sermão tenha decaído, no consenso geral, ao patamar de uma arte muito pobre". Angustiante! Nos exige amor! Requer vocação! Indivíduos de Fé! Uma esperança nos impossíveis...

O almoço já ia tarde, ainda me faltava a sobremesa, e a confiança de que um doce surgiria na mesa empurrava-me a continuar naquela conversa entre morto e vivo. Essa vida angustiante precisa ser mais ética, estética, amorosa e vivida! Não podemos passar o tempo montado nos sistemas, procurando respostas nos mundos macros e esquecendo-nos do indivíduo que vive conosco. A história, o passado, os conceitos e as angústias não podem ser justificativas para a apatia. Não! Atravessemos a fase de querermos tudo para nós, a de queremos tudo para o outro e rumemos para aquela que vive Eternamente: tenhamos Fé! Deixemos de lutar apenas conosco, apenas com os exércitos e passemos a lutar também com Deus! Deixemos de amar apenas a nós, amar somente aos outros e passemos a amar a Deus! Para estes que nisso confiam, não há impossíveis. Kierkegaard me disse que não podemos mais deixar nos transtornar pela conversa oca daqueles que afirmam que de nada adianta exigir o impossível, precisamos exigir sim. A Eternidade abarca todas as possibilidades, e de lampejos em lampejos do Eterno, passemos a viver o Amor do Reino de Deus...

Despedi-me de meu angustiado amigo morto e encontrei minha angústia aos berros carregados de vozes! E eu berrava junto, gritava por uma salvação, enchia meu peito de esperança e não via outro caminho que não a Fé para viver a vida como um indivíduo esperançoso, humorado, amoroso e cristão. Meus cuidados não seriam com os Sistemas, mas com os indivíduos. Quem sente a dor e sofre é o um sozinho que dentro de seu ser apanha de si e de seu silêncio. Independentemente de sua história, de seu passado, de suas companhias, de sua função, é um indivíduo e tem de ser amado, tem que encontrar sua Fé, tem que motivar-se de sua angústia. Espremo-me de felicidade! Sonho com novos sonhos, respiro novos ares e preparo meus pés  para os saltos que darei num abismo de amanhã...




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De minha leitura para a tua - Lendo João 3: 8

Noutros tempos o vento era amado, respeitado, temido e experimentado. Hoje, ele é medido. Inclusive, nos outros tempos, o vento era imediato; ele vinha, soprava e dizia o que bem entendia. Hoje, precisamos que alguém nos diga se está ventando, o quanto está ventando e o efeito que este vento causará! O vento também é mediado. Não sei se é por causa dos vidros dos carros fechados, dos apartamentos colados e ilhados ao mesmo tempo, o excesso de gente nos metrôs, o aquecimento global ou a falta de tempo para pegar o ônibus, mas, a menos que o vento seja exagerado, não ligamos para o que ele diz. Nos acostumamos muito a utilizar o "ar-condicionado"...

O vento das Igrejas também anda bastante condicionado; tanto é verdade, que mal ouvimos ressoar seu nome. Quando o nome é dito, o som vem tão vazio e sem vida que ninguém sabe seu significado. Sabemos soletrar, separar em sílabas e até conjugar, mas a vida das palavras perdeu o sentido. Que dirá então a vida de duas palavras mitológicas que juntas carregam um ar, ou melhor, um vento sublime e cheio de ânimo! Que diremos do Espírito? Que diremos do Santo? O que vivemos do Espírito Santo?...

João 3: 8

"O vento sopra onde quer. Você o escuta, mas não pode dizer de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todos os nascidos do Espírito."

Tenho dificuldade de organizar meu pensamento enquanto falo e não sei fazer pregação em três pontos e apelo. Meus sermões são sempre uma sequência de palavras encadeadas, porém, sem pausas para pontos. Enquanto falo, espero que alguma das palavras que jogo no ar passe pelas casas dos indivíduos que me ouvem, e que ao menos uma delas seja o vento certo que os convide a abrir as janelas do lar mais íntimo: o coração.

Falo, vivo e o vento sopra. Passeia pelas ruas, por entre as casas que vez por outra resolvem abrir as janelas. Aprendi com Jung Mo Sung que as casas quando fechadas juntam pó e mofo, precisam de um novo ar, de um novo vento para arejar o ambiente e dar respiro ao ambiente sujo. Abrindo as janelas, a casa recebe um novo vento e é renovada, vem uma nova vida, um nascimento de Espírito.

Na vizinhança, não são todas as casas que se abrem para este sopro de vida. Algumas ainda permanecem fechadas. Talvez isso aconteça porque nem minha vida e nem minhas falas tenham a chave certa para estes lares. Não tenho poder sobre o vento. Mas, espero que pelo menos o som das janelas da vizinhança se abrindo para compartilhar desse novo ar, convide também este indivíduo a refletir sobre a necessidade de abrir-se para o Espírito.

O vento, por sua vez, não pode morrer dentro da casa, ele deve ser livre para correr solto pela vida. Esta corrente de ar precisa continuar a vazar. Minha porta também tem de ser aberta para que de minha casa o vento possa sprar em outra. Uma vizinhança que se presta a viver de um mesmo vento está disposta a experimentar de um mesmo Reino. O vento acaba circulando por ambientes jamais vistos, inesperados, de maneira incontrolável e incompreensível. O impossível faz sentido! O Espírito não é coisa de que se pensa, é Vida que se vive. O vento não é movimento que se mede, é sopro que se sente. O Reino se faz de pessoas que constantemente renovam suas casas com o sopro do mesmo Espírito Santo...



Ao Ministério de Adolescentes Betesda


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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A Verdade Dói

Um casal começa a brigar; marido e mulher degladiam-se num espetáculo ilógico no meio da arena do Coliseu contemporâneo: a cozinha de casa. Imperadores chamariam de "Pão e Circo", mas nós chamamos de "DR" (Discutir a Relação). Pão e Circo era uma política implantada no Império Romano para acalmar as revoltas populares e intestinais dos cidadãos. Hoje, Discutir Relação é oportunidade para um programa de televisão de qualquer canal durante as tardes da semana. Na completa despreocupação com o diálogo, marido e mulher procuram trazer à tona o passado não muito sacro-santo de seus cônjuges adversários e, quando acabam os argumentos, as ofensas e surgem as acusações, sofrem de punhados de instantes de silêncio seguidos de uma bela conclusão: "é, a verdade dói!".

A mesma cena poderia ser protagonizada por colegas de trabalho, por pais e filhos, pelas melhores amigas traidoras, por professores e alunos e qualquer outra relação humana que também se disponha a discordar. Nestes embates sem qualquer preocupação com o encadeamento de argumentos, o objetivo final é descobrir quem está com a "razão", quem está com a vedade! Verdade essa, bem distante daquela que nos acostumamos a acostumar. Tratamos por verdade toda a proposição que obedecer a regras, for pensada e encaixotada dentro de determinado tempo e determinado espaço, comprovada por alguma Ciência ou então por qualquer sinapse cerebral que sendo repetida chega ao mesmo resultado. Porém, a verdade última procurada pelos embates humanos cheios de hormônios, vida, amor, ódio e relação afetiva, não é essa que defendemos com as nossas unhas e dentes da perfeição racional. Inclusive, pouco importa como construiu seu castelo de palavras, o que importa é a vida que sei que vives e o coração que sei que tenho...

Como sei de tua vida se não a vivo? Como sei de meu coração se ele é apenas um pedaço de carne que bombeia sangue e o qual nunca vi? Aliás, como sou capaz de utilizar a palavra coração expressando qualquer outra coisa que não seja ele em si mesmo e, ao mesmo tempo, todo aquele que me ouvir entenderá o que estou dizendo? A verdade de que estamos falando não é mais a verdade indiferente, distante de mim e longe de todos. A verdade de que falamos é a verdade que vivemos. Experimento-a todos os dias, por vezes não sei expressá-la, mas a vivo com certeza! Pode ser que os mais habituados a repetir os rígidos e legalistas castelos do Todo-Poderoso pensamento limitado por palavras, se indignem com a possibilidade de sabermos de coisas que não passam pelo filtro da nossa construção racional, mas nós vivemos, apenas sentimos, experimentamos. É, amigos, a verdade dói!

A verdade dói não porque derruba minha vida, mas porque dela faz parte. Verdadeiro não é única e exclusivamente aquilo que posso dominar e apreender com minhas elaborações racionais, mas também é aquilo que vivencio, experimento e sinto no que chamo "dentro de mim". Inclusive, te(i)mo ao dizer que é mais genuíno e verdadeiro o saber que tenho e construo através das experiências vivas de que padeço, do que com as indiferenças estagnadas daquilo que convencionamos como raciocínio. A verdade dói porque o verdadeiro é doído por mim, padecido em mim. Mas, talvez, na nossa ânsia de sermos bons gladiadores ou centuriões, criamos arsenais de palavras, edifícios conceituais e estabilizamos o vivente, congelamos o tempo, nos distanciamos de nós e dos outros, para que assim possamos controlar e dominar o imediato, o iminente, o incontrolável. Por medo de viver sem segurança, inventamos terras firmes, rochas fortes e angulares, tentado sustentar nossa pose e torcendo para que os Imperadores nunca baixem o dedo nos condenando a morte...

É, amigos, a verdade dói!




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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A Biblioteca de Babel

Havia uma Biblioteca na cidade de Babel. Dentro deste belo muro do saber, por séculos guardaram-se livros e mais livros, de diversos autores, com diversos sobrenomes, diferentes títulos, mas de mesmo tema, mesma língua, mesma fala e mesmas repetições. Essa construção era a pedra fundamental para a próxima edificação sonhada pelos homens: a Torre de Babel.

No meio da Biblioteca, dos diversos livros de mesma língua e mesma repetição, havia um esquecido, escondido e guardado, de língua diferente. Na verdade, um livro de diversas línguas diferentes. Consistia de uma servida compilação de livros de muitos povos, múltiplos autores, complicados temas e complexas línguas; um livro contraditório, polêmico e vivo. Um péssimo tijolo para a grande edificação que começava a fundar-se no coração de Babel, a partir dos muros do saber.

Os homens liam os outros livros, faziam congressos, discutiam e escreviam nos vários periódicos monoglossáricos reforçando sua glória, sua força, sua inteligência e sua ruína. Com seus tijolos de livros batidos de assuntos queimados, emendados com pixe de arrogância, pensavam Deus e construíam Torre. Jamais seriam esquecidos, jamais seriam espalhados, jamais sumiriam no meio da vida. Eternamente suas repetições estariam gravadas em seus tijolos.

Enquanto a Torre era edificada sobre os livros iguais, Deus olhou para aquele livro esquecido, aquela compilação de livros confusos e diferentes capazes de trazer sentido ao chão e valor à vida. Ao mirar a pomposa Biblioteca e todas aquelas mesmas coisas de sempre que ocorriam em Babel, viu Deus que os homens morriam por dentro, que a vida não era mais vivida e que as leituras de mesma língua deixavam suas cabeças nas alturas e os pés fracos demais para acompanhar o girar do mundo sobre seu próprio chão.

Dos céus, Deus desejou: "Que todos os livros iguais tornem-se um, e que aquele todo diferente não lido e deixado de lado se espalhe ao ser dividido em vários!". Os homens passaram a ler os livros diferentes, de língua diferente, de novidades, de vida e que na verdade, eram todos braços de um. Cada homem tomou para si o livro que leu, dissolveu os congressos, acabou com os periódicos, arrancou seu tijolo da Torre e o levou consigo para outro canto da Terra, para construir para si sua própria cidade, sua própria Biblioteca.

Da Biblioteca de Babel é que os homens quiseram ser apenas um. Do livro que Deus escolheu é que os homens decidiram ser diferentes. Da Biblioteca de Babel é que os homens se deixaram morrer, mas é do livro que Deus escolheu que passaram a ter que viver a vida com os pés no chão e a Torre bem longe de suas cabeças...




Gratis i Kristus

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Esperava...

Eu esperava...

Esperava que os conservadores não se cristalizassem e nem que os inovadores rachassem. Esperava que os novos não se vissem mais em blocos e nem que os velhos incentivassem seus filhos a serem números no meio de filas. Esperava que parássemos de nos escorar em bandos e fôssemos pessoas. Esperava que as salvações ocorressem na pessoalidade e não nos livros. Esperava que bastasse o fiel ter Fé para encontrar seu Deus. Esperava que cada um pudesse ver uma face do Eterno com os próprios olhos. Esperava que bastaria saber ler para conhecer as Escrituras. Esperava que o Espírito fosse suficiente para inspirar a vida. Esperava que a liberdade trouxesse a capacidade de andar com as próprias pernas. Esperava que os libertadores soubessem andar...

Esperava que os sábios entendessem as limitações dos tolos. Esperava que que os gênios soubessem ensinar a qualquer um suas descobertas. Esperava que discursos fossem relevados frente a vida. Esperava que a vida refletisse o que ouço nos discursos. Esperava que os pais sonhassem com os filhos. Esperava que os filhos nunca se esquecessem das sombras dos pais. Esperava que todos se reconhecessem como fariseus. Esperava que os fariseus rejeitassem a todos, inclusive a si mesmos. Esperava ver Cristo enquanto vivo. Esperava encontrar um dia a morte para tomar um chá sem que nenhum médico ou familiar atrapalhasse nossa conversa. Esperava que as esperanças jamais morreriam. Esperava que as aspirações dos jovens não fossem esmagadas pelas expirações dos experientes...

Esperei muito, talvez espere mais. Esperanças me trazem sonhos, mas as palavras não são suficientes para explicar sonhos. Talvez por isso os meus as vezes se cansam, não ouviram e nem viram as palavras que os inspiram encarnadas por aí. Mas continuo esperando...




Gratis i Kristus

terça-feira, 2 de agosto de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo João 21: 15 - 20

Percebi que debaixo do Sol muitos homens não se contentam com o dia que a eles foi dado, pretendem viver o dia de amanhã antes mesmo que ele chegue. A estes homens, o inesperado não faz parte de uma boa vida. São homens de pequena fé. Na falta de boa vidência e péssimas previsões do futuro, decidiram acelerar a vida para ver se seus carros ou computadores chegarão no amanhã antes que o hoje termine. Doces ilusões...

É triste sofrer por antecipação, o que para Santo Agostinho é uma tolice. Mas, mais triste ainda é tentar por antecipação não sofrer, pois disso surge o sofrimento por talvez não conseguir evitar a dor que ainda não sofremos e não queremos sofrer. Ah! Muita complicação, muito sofrimento, muita perda de vida! Estes homens que querem chegar no amanhã sem o inesperado perdem tempo na busca por ganhá-lo...

Talvez assim eu entenda que "quem quiser ganhar a vida, perde-la-á". Talvez assim eu entenda que ser livre implica em permitir que a liberdade exista para além de mim. Talvez assim eu entenda que profecia não é prever o amanhã, mas indignar-se com o hoje. Talvez assim eu entenda que Cristo não é mestre de uma vida, mas de toda uma eternidade. Talvez assim eu entenda que viver a vida de Cristo não garante o dia de amanhã, mas me leva a abrir mão do meu amanhã em nome do nosso hoje. Talvez assim eu leia João 21: 15 - 20:

"Depois de comerem, Jesus perguntou a Simão Pedro:
- Simão, filho de João, você me ama mais do que estes? - disse ele:
- Sim, Senhor, tu sabes que te amo - disse Jesus:
- Cuide dos meus cordeiros.
Novamente Jesus disse:
- Simão, filho de João, você me ama? - ele respondeu:
- Sim, Senhor, tu sabes que te amo - disse Jesus:
- Pastoreie as minhas ovelhas.
Pela terceira vez, ele lhe disse:
- Simão, filho de João, você me ama? - Pedro ficou magoado por Jesus lhe ter perguntado pela terceira vez 'Você me ama?' e lhe disse:
- Senhor, tu sabes todas as coisas e sabes que te amo. Disse-lhe Jesus:
- Cuide das minhas ovelhas. Digo-lhe a verdade: Quando você era mais jovem, vestia-se e ia para onde queria; mas quando for velho, estenderá as mãos e outra pessoa o vestirá e o levará para onde você não deseja ir.
Jesus disse isso para indicar o tipo de morte com a qual Pedro iria glorificar a Deus.
E então lhe disse:
- Siga-me, Pedro!"
 
Pedro, homem imperfeito que não conhece o dia de amanhã, prometera a Cristo que jamais permitiria que ele morresse ou sofresse nas mãos dos homens. Pobre Pedro, homem imperfeito que queria ser livre, mas não queria permitir que a liberdade estivesse além de seus domínios. Sentia-se livre para sacar a espada e cortar orelhas, mas não aceitaria que a liberdade arrancasse a vida de seu mestre ou o impelisse a negá-lo três vezes. Pedro, homem livre que queria decidir sobre o amanhã.

Não, Pedro não conseguiu. Imperfeito humano limitado, sofreu com a liberdade e com as contingências. Por três vezes tentou prever o dia de amanhã e prendeu-se ao tempo, esqueceu as palavras eternas daquele mestre ao qual jurara amor e fidelidade. Pedro é o imperfeito como eu, indivíduo como eu e livre como eu. Graças a Deus, tanto Pedro quanto eu somos convidados à Liberdade pela Verdade que restaura e salva com Amor. Por tantas vezes que prender-me ao mundo, tantas vezes serei liberto pelo Amor de Cristo.

Amar a Cristo é libertar-se, é viver a vida do liberto ressurreto. Mesmo imperfeitos que esquecem de viver o hoje, somos convidados pelo próprio Cristo a pastorear suas ovelhas, a alimentar os outros homens, a voltar a viver o hoje, a tomar nas mãos o trabalho de Jesus. Aprendemos com Cristo a sermos livres que permitem que a liberdade atravesse sua lança próximo ao nosso peito para garantir a nossa morte. Vivemos com Cristo a possibilidade de morrer nas mãos dos escravos. Sem saber o dia de amanhã, experimentamos o hoje carregados de fé e amor. Somos livres das amarras do tempo...

Quando éramos jovens, não de idade ou tempo de vida, iríamos para onde queríamos e pisávamos na liberdade, antecipávamos o amanhã querendo prever o que aconteceria. Mas, quando formos velhos, seremos levados para onde não queremos, vestidos com roupas que não desejamos e manteremos as mãos estendidas para que os outros sirvam-se de nossas vestes e de nossas vidas. Não esperamos uma vida controlada para amanhã, mas uma morte que glorifica a Deus hoje! Somos livres do tempo e não nos prendemos mais ao mundo, mas morremos para ele ressuscitando para uma eternidade em Cristo. Dias de morte e ressurreição...

Como, quando ou onde Pedro morreria não era o importante. A indicação de Cristo era para que aquele que viver a Sua vida, morrerá a Sua morte. O amor a Cristo não é a garantia de um amanhã, mas a ressurreição na morte de hoje. A glória de Deus se fez presente na liberdade de Pedro em entregar sua vida como o seu mestre fizera, em permitir que a liberdade fosse além de seu controle e a salvação vinda do inesperado. A deixa de convite para a Vida é feita por Cristo: "Siga-me", a verdadeira restauração de Pedro.


Dedicado à Gabriel "Cotonete"

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domingo, 31 de julho de 2011

Num dia perto da hora do almoço

Eu estava lá, em pé. Chegava a hora do almoço, mas poucos preocupavam-se com o que haveriam de comer -se bem que muitos dos presentes mal teriam o que comer. Dos que estavam sentados, muitos viviam apenas de palavras, alimentavam-se com os ouvidos abertos e a boca fechada. O silenciar de suas vozes era doce refeição. Dos que estavam em pé comigo, todos teriam comida em suas casas menos um, que, se saísse vivo daquela hora próxima, seria sortudo se alguém ainda o aceitasse para conversar e compartilhar com ele o alimento das palavras.

Este um de pé que não sabia se reencontraria a mesa de casa e a fartura de ao menos uma companhia, dependia do consentimento de um escritor. Que homem divino! Divinamente inspirado, reescrevia destinos e traçava novas trilhas para os esfomeados. Ao invés de esmolas e migalhas, o escritor esbanjava manjares de sons, letras, sílabas e frases suculentas, apetitosas, desejáveis e com cheiro de fome. Para as constantes horas de necessidade de comida, aquele escritor era boa pedida. Ele estava sentado, com uma perna esticada e outra dobrada enquanto que o tronco apoiava-se em um dos cotovelos. Acabara de escrever um livro cheio de idéias chocantes e carregadas de discussões. No meio das páginas, este escritor dissera que viera mudar as leis e reescrever a história. Nós, que estávamos de pé, fomos tirar prova disso.

Discutíamos e relembrávamos de nossos pais, saudosos e valentes pais, que conduziram as nossas leis e crenças de até então. O que seria de nossa história sem nossos pais? Quem é este homem, mesmo que divinamente inspirado, para reescrever o que nossos pais escreveram? Nossos pais também foram de Deus, também conversaram com Deus e também por Ele foram inspirados! Se um deus escreve algo, quem é deus o suficiente para questioná-lo? Destinos traçados não podem ser mudados! Aquele que estava de pé sem saber se comeria outra vez tinha um destino que nossos pais traçaram junto com Deus: a morte! Se uma lei diz, quem é legal o suficiente para questioná-la? Quem vem promover a desordem? Lei é o destino dos homens escrito por Deus. Ninguém pode ser escritor o suficiente para alterar o destino dos homens.

O escritor sentado no chão passou a escrever. Escrevia como sempre, em páginas de areia. Desenhava suas letras na areia em silêncio. O silêncio, doce refeição para os famintos, alimentava o dedo divinamente inspirado. Bom, "quem não tem pecado que atire a primeira pedra", disse Deus. Só poderia ser Deus! Mais uma lei escrita, mais um destino traçado, mais uma determinação divina estava escrita, só que na areia. Deus estava sentado no chão, olhando para cima, abaixo de nós. E aquele um merecedor de morte, o qual levantáramos o mais alto possível para que todos os que estivessem na Terra vissem-no como exemplo, foi visto pelo Deus dos Céus. E o exemplo que queríamos que viesse do alto, veio do chão. A voz divina que viria como pedra poderosa para acabar com a quebra das leis, veio como silêncio promotor de um texto escrito na areia. Deus, o escritor, escreveu a salvação em páginas de areia.

Os destinos traçados pelos pais, a sina vinda da tradição e a constante perda da hora do almoço, vêm da limitação humana de não conseguir escrever nas areias. Enquanto queremos tábuas, papéis e pedras, Deus escreve em areias. Talvez assim faça para que o Espírito venha como vento e apague as letras, mude os desenhos e traga o silêncio. Quem escreve em areia prefere ficar no chão, viver o inesperado, dividir a terra e sentar a dor daquele que está sentado. Para os que estão no chão, Deus sempre esteve no chão. Para os que preferem ficar de pé, Deus os espera, olha de baixo para cima e convida para um banquete. O problema, é que os que estão de pé já sabem o que comerão em casa, tem certeza da mesa do almoço, não precisam das conversas com Deus e nem do inesperado. Infelizes são os que falham com os homens, pois são por eles tirados do chão e distanciados de Deus. Felizmente, é para estes que Deus olha, que Deus escreve na areia e que a salvação faz sentido. É a estes que o escritor despede em paz e reconvida para vida. Minha única tristeza é não saber se hoje sou fariseu ou prostituta. Queria muito estar sentado no chão.


Gratis i Kristus

domingo, 24 de julho de 2011

Carta ao Soldado

Pode ser que  tempo não passe, mas não por culpa do relógio, do próprio tempo ou do Sol, e sim porque carregas um exército nas costas. Ao invés dos passos de paz, procuras as marchas de guerra. Nas guerras, o tempo não passa pois todos os dias são iguais. De tantas mortes, descobristes o valor da vida.

Enquanto dizeres paz e viveres em guerra, o mundo será um caos, a hipocrisia será a verdade e coração puro mal chegará a ser utopia. Talvez te reste uma boa consciência, mas ela tem dormido profundamente. O Sol está parado, o exército em fronte de batalha e Josué vem vindo no horizonte com os olhos encharcados de sangue. (Josué 10: 1 - 15)

Cuidado com a guerra, pois nesses tempos a vida não tem fim, já que o tempo não passa. Procure pela paz para que possas descansar ao fechar os olhos para a vida e abri-los para a eternidade.

Com preocupações,

De um amigo Outro-Sol-Dado.


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segunda-feira, 18 de julho de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo Mateus 15: 17 - 20

Continuo refletindo sobre uma postura que faça sentido e traga crescimento para a espiritualidade dos indivíduos. Não acho que escrever é um desproposito, mas estou longe de crer também que seja este o texto salvador e magnânimo capaz de mudar a caminhada de alguém. Apenas não consigo falar por falar, criticar por criticar, repetir por repetir ou esquecer de que o conhecimento é bom e nos traz orgulho, mas o amor é que edifica. Vejo que nos falta o amor, mas também nos falta o conhecimento. Não queremos saber para não ter que amar, mas também não queremos amar para não ter que menosprezar nosso orgulho. É muito complexo o coração do homem, é muito bagunçada a existência. Mal o próprio indivíduo se conhece ou reconhece, que dirá um escritor de blog. Não posso usar a mim como régua para a humanidade, mas, em contra-partida, não tenho outra régua que não eu, ou parte de mim. Esquisofrenia humana. Isso, se é que os humanos em geral a têm. É tudo muito complexo, muito confuso. Talvez por isso Paulo diga que quem ama é conhecido por Deus, pois só Deus para tentar encontrar quem é o homem em sua individualidade em meio a tantas possibilidades...

Os corações diversos divergem nos conceitos, mas talvez venham a convergir nos sentidos. Se há uma coisa que une o homem é a dor e o sofrimento. O contato com o desespero e a angústia obrigam o indivíduo a ter que dar passos fortes, lembram da realidade da vida, lembram que ela acaba. Choques de realidade são constantes e reais no indivíduo. O coração de homem talvez seja reconhecido pelo sofrimento ou pela dor... Se assim for, imagino que reconheçamos o de Deus no amor. Pensando assim, convido-te a mais um devocional, o último da sequência no texto de Mateus 15:

Mateus 15: 17 - 20

"Não percebem que o que entra pela boca vai para o estômago e mais tarde é expelido? Mas as coisas que saem da boca vêm do coração, e são essas que tornam o homem 'impuro'. Pois do coração saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos, os falsos testemunhos e as calúnias. Essas coisas tornam o homem 'impuro'."

Desatento às especificidades de maldades listadas, percebo que do coração do homem vem a dor. Por muito tempo achei que o homem fosse bom. Por mais ainda que ele fosse mal. Por recente pensei que fosse ambíguo. Mas agora, vejo que é homem. Indivíduo limitado a um tempo, um espaço, uma cultura e a si mesmo. Este homem descobre quem é quando abre a boca e vê o que vem de seu coração. A maldade cometida, a injútia proferida, a tristeza produzida. Um choque de realidade nos braços do homem.

A preocupação com aparências é resultado de uma fuga da realidade: da limitação humana. Se ele é bom ou mal, ambíguo ou não, não importa. O homem é limitado. A existência sofre com o não cumprimento da vida plena. A morte é temida porque põe fim a algo inacabado, incompleto, em crise e impuro. Querer ser Deus e esquecer de suas limitações arrebenta com a humanidade. Limitações não são ruins, mas querer ser o que não se é sim, é muito ruim. O homem é imagem e semelhança de um Deus, mas não quer ser como tal, prefere ser ou muito menos, um inútil lixo a ser descartado, ou muito mais, o perfeito Deus encarnado "puro" e santificado. Não! O que o homem come não o torna imundo ou puro, mas é o que sai de dentro dele que o impurifica!

É do coração limitado que não sabe lidar consigo que a morte vem. É de um coração que quer ser mais justo que Deus e mais santo que Cristo que a destruição vem. Se o homem come ou não, tem necessidades ou não, morre ou não, isso não o corroi. Mas o coração descuidado e esquecido desespera, angustia, joga no chão e foge da eternidade. Corações desatentos para a vida e em desconformidade com a realidade são promíscuos, imorais, homicidas, adúlteros, ladrões, de falso martírio e mentirosos! Isso é deturbar o convite divino de viver! A vida é para ser vivida como ela é, e vivida em abundância!

A pureza talvez seja simbolizada na criança porque com olhos brilhando desfruta de seu mundo, do que vive em sua volta e brinca com gosto nunca esquecendo-se de que é criança, nunca negando sua infância! A virgem também talvez seja símbolo porque não nega sua virgindade, cuida de seu íntimo, guarda o coração e o partilha quando ama verdadeiramente. Homens que esquecem que são homens e se preocupam com o como comem, esquecem também de que há diferentes pães para se comer, e dentre eles o Pão da Vida. Homens que se preocupam mais como bebem, não deixam fluir de si Rios de Água Viva. Que de nós flua humanidade! Que saia do coração a consciência! E que saibamos que são as impurezas que sobrevivem de aparências!



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quinta-feira, 14 de julho de 2011

Conte os teus dias...

Tive um professor bem velhinho que gostava muito de mim. Eu o chamava carinhosamente de "mestre", me lembrando sempre daqueles velhos sábios chineses e do senhor Miyagi. Ele não era oriental, tinha mais cara de alemão, apesar de falar russo. Isso deve ter sido um problema na Segunda Guerra Mundial, mas ainda bem que ele era brasileiro e sempre morou no Brasil. Inclusive, acho que ele era de uma família de italianos.

Uma vez, meu bom e velho (bem velho) mestre, me convidou para tomar café em sua casa. Como era fim de tarde e o clima daquela noite de verão estava bem agradável, emendamos até uma xícara de chá gelado de limão bem tarde da noite. Não era tão tarde assim, mas para os senhores que "dormem com as galinhas" (metaforicamente falando, claro, meu mestre era um homem digno, respeitado e muito respeitoso), as nove da noite já é quase madrugada. Talvez por isso eles digam "Deus ajuda quem cedo madruga"... Mas isso é um outro problema.

O relógio-cuco velho soou. Era o sinal de ir para casa. Mas antes, aquele simpático e sábio velho me contou uma estória. Disse-me, naquela ocasião, que aprendera com um professor, homem cristão de "seita" diferente, não era católico e nem protestante, que deveria contar seus dias, aprender a contar seus dias. Disso eu já sabia, pois sou cristão, mas me impressionei por ouvir de um homem que imaginava ser ateu ou, no máximo, adepto à alguma sociedade secreta de intelectuais da qual provavelmente restara apenas dois ou três participantes e dos quais meu querido mestre era um. Disse-me que por anos contara seus dias, que por muito tempo guardava os dias.

Os minutos passavam e o rosto daquele idoso empalidecia. Parecia cansado e seus olhos com sono. Com os braços trêmulos levantou-se, esticou-se para alcançar uma caixa branca em cima do armário e entregou-a a mim com ar de carinho. Era um contador. Tinha um botãozinho vermelho na parte de cima e vários quadrados com dígitos que rodariam a cada apertada no botão... E... Ai meu Deus! Se aquilo ele usava para contar os dias, ele devia ter uns 500 anos! A caixinha branca despretenciosa marcava 186.880! Senhor!

Espantado, arregalei os olhos para aquele homem de cabelos brancos como quem pedisse uma explicação. O bom senhor sentou-se novamente, reconheceu minha estranheza e respirando bem devagar começou a falar. Com toda calma do mundo, contou que a muitos anos, um padre da Armênia começou a contar seus dias, e quando encontrou um aluno/discípulo que parecia demasiadamente com ele e o superou, passou sua contagem para o aluno com a recomendação de que fizesse o mesmo. O velhinho então baixou a cabeça, respirou fundo, ergueu-a novamente e expirou: "Você me lembra quando tinha tua idade e me superou. Continue a contar meus dias...", pendeu a cabeça e faleceu. Um instante, um segundo, uma vida a ser continuada.

Hoje, passo meu contador a você: conte teus dias, viva a vida que vivo...


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segunda-feira, 11 de julho de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo Mateus 15: 3 - 11

Ao fazer esta segunda reflexão sobre um mesmo texto de Mateus 15, utilizei como base de minha interpretação o livro "As Obras do Amor", de Soren A. Kierkegaard, um filósofo fantástico que me auxilia nas horas vagas de minha completa vaga vida...

Para ser um jornalista no Brasil não é obrigatória a formação acadêmica em Jornalismo. Para quem discorda e se revolta com esta decisão, eu diria que para ser um bom administrador não é necessária a formação em Administração, vide Sílvio Santos. Muitos me chamam de professor, embora eu ainda nem tenha concluído a graduação e a licenciatura e muito menos exerça a função empregadiça de docente. Tenho amigos, familiares e até recém-conhecidos que me apresentam a outros como "professor". Imagino que professor não seja emprego e nem para tal função seja necessária uma formação, mas tudo começa com uma vocação e uma missiologia pedagógica que busca a salvação dos educandos. Falando em português: é um dom.

A formação de um indivíduo humano não está baseada na função que exerce, mas no dom que tem, adquire ou produz. Se somos vocacionados ou carregados de uma missão, nos constituímos como indivíduos quando unimos as pontas soltas da rede de contextos em que estamos envolvidos desde o nascimento com os sonhos de nossa missão, de nossa vocação. Se nos sentimos escolhidos como cristãos para a vocação mais sublime, para o chamado mais fantástico, o dom perfeito e a missão salvadora, costuramos os trapos de nosso contexto com o Cristianismo e suas exigências. Como professor, sinto-me vocacionado a mostrar portas e construir caminhos que levem às portas junto com os alunos. A Educação exige de mim métodos novos, reciclagem, respeito à diversidade, carinho e paciência constantes. Mas, e como cristão vocacionado, tenho a exigência de que? Pensando nisso, venho à segunda devocional sobre um texto de Mateus:

Mateus 15: 3 - 11

"Por que vocês transgridem o mandamento de Deus por causa da tradição de vocês? Pois Deus disse: 'Honra teu pai e tua mãe' e 'Quem amaldiçoar seu pai ou sua mãe terá que ser executado'. Mas vocês afirmam que se alguém disser a seu pai ou a sua mãe: 'Qualquer ajuda que vocês poderiam receber de mim é uma oferta dedicada a Deus', ele não está mais obrigado a 'honrar seu pai' dessa forma. Assim, por causa da sua tradição, vocês anulam a palavra de Deus. Hipócritas! Bem profetizou Isaías acerca de vocês, dizendo: "'Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens'". Jesus chamou para junto de si a multidão e disse: "Ouçam e entendam: o que entra pela boca não torna o homem 'impuro'; mas o que sai de sua boca, isto o torna 'impuro'".

Se alguém afirma ser cristão, que exigências podemos imaginar que faríamos a essa pessoa? A primeira que vem a minha mente é que este indivíduo deveria amar ao próximo (sempre). Se uma pessoa diz que entregou sua vida a um deus qualquer, que exigências faríamos a esta pessoa? Provavelmente que essa pessoa cumpra os mandamentos dados pelo deus em questão. Agora, qual a exigência de um deus frente à promessa feita? Que a ele sejam feitas ofertas? Entregas? Benevolências? Pois bem, e um Deus detentor de tudo? Um Deus Todo-Poderoso dono do ouro e da prata? E um Deus que ama e não cobra dos homens aquilo que eles não tem (que em geral, é a perfeição)? Um Deus que ama e se dá? Quais as exigências?

Se não houver exigências, há então, por parte do fiel, gratidão. Tudo o que este fiel fizer, será graças a Deus! Os sacrifícios, honras e glórias serão ao Deus de Amor. Mas qual a exigência deste Deus para o fiel? A Ele nada é necessário! Pois bem, mesmo assim, o fiel quer demonstrar sua fidelidade fidelíssima e honrar os mandamentos. No trecho de Mateus 15, os fiéis religiosos cumpriam um mandamento de Deus: "honra teu pai e tua mãe...", mas eles eram mais excelentes, queriam agradar ao Deus de todo jeito! Honravam o pai e a mão dando ofertas à Deus. Não há honra maior do que poder ofertar ao Deus de Amor. Porém, o mandamento era de honrar o pai e a mãe diretamente...

As pessoas aderem a regras e regras que de preferência as beneficiem. Ofertar, seja ajudando os pais ou dizimando no templo, seria um dispêndio financeiro de qualquer jeito, mas, pelo menos, a segunda opção trazia consigo algo que não é de vocação, e sim de natureza: o status. Vocação é abrir mão de certas coisas e viver uma utopia, crer em esperanças e amar besteiras. Agradaria muito mais a um deus uma oferta direta, mas não é do feitio do Amor pedir para si um pedaço de terra que poderia ser distribuído para outro. Vocação é deixar a própria vida na mão de Deus e a oferta na mão de quem precisa. A hipocrisia de viver em função de um status é o louvor com os lábios de um distante coração. Ensinar a barganhar com o Deus que tudo tem é coisa de homens, tradições não vocacionadas. Talvez, aí, eu encontre a exigência de Deus: um Deus que nada quer para Si, mas tudo exige de mim...

Digo "tudo exige de mim" porque tenho de sacrificar essa natureza tosca de viver em uma aparência agradável e um status, coisa da carne má e das potestades mundanas que como leão me rodeiam na tentativa de tornar minha vocação em um negócio. Tenho de honrar meu pai e minha mãe, não por causa da regra e do mandamento, mas porque de mim é exigido que abra mão das impurezas de meu coração e saiba que ruim não é o que ponho para dentro, mas o que arremesso para fora. Conheço um Deus que exige que eu elimine aquilo que me mata, aquilo que mata os outros, aquilo que destrói o mundo. Não me obriga e muito menos arromba minha porta, mas com frequência bate pedindo para entrar e querendo arrumar a minha casa. Exige de mim uma oferta de vida, não para si, mas, como diria Kierkegaard, "Ele exige tudo, mas, quando tu o trazes, imediatamente recebes aonde deves entregar". E, no caso, devo entregar aos pais.

Se dedico-me a um Deus, dedico-me por inteiro. Tudo de mim é exigido, mas com o endereço de onde devo ser entregue. Se estou a serviço de Deus, o sou em serviço dos homens. Um Deus que se fez homem para a salvação do homem. Não para se mostrar como Deus, mas para ensinar como devem ser os homens: imitadores de Cristo, o Filho de Deus, o Verbo que se fez carne. Não preciso de um "Pr" antes do nome para ser um pastor, para cuidar de vidas. Não precisam me chamar de missionário para testemunhar do evangelho. Essa é a vocação cristã, a missão evangélica, o chamado apostólico, o dom da vida. Saber de um Deus que ama e que exige de nós a vida em abundância compartilhada por inteiro entre os próximos, entre os santos. A Ele toda honra, toda glória e todo louvor. Amém!


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quarta-feira, 6 de julho de 2011

Uma palavra chamada "Indivíduo"

Geneticamente determinado, hormônios periodicamente variáveis, estrutura familiar específica, contexto socio-culturais historicamente construído e situação econômica estável. Essa é parte da rede de contextos que me envolvem e podem explicar quem sou. Pelo menos tentam explicar quem sou. Quando a Filosofia foi rainha das ciências dos homens, tudo era explicado e conhecido por ela. As explicações dos porquês da humanidade dependiam dela. Já com a Política, novas frentes de explicação se abrem e tudo se resume em Política. Com a Sociologia acontece o mesmo, com a Biologia, Física, Matemática, Economia, Psicologia... Aliás, um minuto para a Psicologia! Não aguento mais o bendito "Freud explica", o coisinha chata! Mas tudo bem, para um socialista a condição social e econômica explica tudo também. E de explicações e explicações, agora temos uma nova senhora: a Genética. Tudo é determinado pela Genética...

Já passamos por determinismos sociais, culturais, étnicos, físicos, históricos e agora genéticos. E todas essas explicações do que seria eu, tem seu bom lado e sua gama de teorias e análises práticas que indicam uma verdade. Porém, eu não sou essas explicações. Meu grande problema com filosofia, teologia, religião e as outras áreas que sabem as suas explicações, é que nenhuma delas se preocupa com minha individualidade, nenhuma delas entende de fato aquilo que sou eu. O indivíduo Bruno não é só um ser que nasceu em São Paulo numa cultura miscigenada e heterogênea de uma classe de operários mesclada com burgueses que mantém-se na classe média desde o fim dos anos 70 em um núcleo familiar de pai, mãe e irmã que tradicionalmente são de uma religião cristã. Esses são contextos que me envolvem, uma rede de contextos que me envolve, mas não sou eu.

Bruno, imagino eu, é o indivíduo estranho e sozinho que possui uma liberdade absurda capaz de extrapolar as probabilidades e as predeterminações de um mundo extremamente complexo. Na pior das minhas hipóteses, Bruno é um ser livre enclausurado numa teia. O que resta a Bruno é fazer escolhas e tomar decisões quando entra em contato com as pontas dessa rede, os vértices dessa teia. O indivíduo Bruno é aquele que anda por cima de seu inconsciente ou subconsciente, e por baixo de uma camada de tecido genético que entra em contato com meios sociais, culturais e econômicos. O indivíduo Bruno não é a rede e nem produto dela, mas a escolha anterior seguida de seu resultado quando se choca com o mundo a fora. Este indivíduo é o instante eterno que eu não vejo, não encontro, não tenho contato, mas sei que está lá. Sempre existiu e imagino que enquanto eu viver ele continuará existindo. Talvez, até depois que eu deixar viver, ele continue existindo, não sei. Mas sei que este é o indivíduo. Pode ser que "indivíduo" seja só uma palavra, insuficiente para descrever aquele ser do qual estou tentando falar, mas o que importa é que todos o conhecemos, os diversos indivíduos. O que importa não é a palavra em si, mas a conexão que temos com ela. Muito me agrada e muito me preocupa essa palavra: Indivíduo.



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segunda-feira, 4 de julho de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo Mateus 15: 1 - 20

Este capítulo do livro de Mateus que escolhi para este devocional utilizarei para os próximos dois devocionais também. Neste, fiz uma reflexão bem geral a respeito das escolhas, um próximo será sobre as exigências de Deus, e um último uma reflexão sobre o estranho coração dos homens...

Ontem, assistindo televisão, vi uma personagem num programa de humor bem antigo dizer que não gostava do capitalismo porque ele até se gaba de ser livre e deixar que todos botem tudo que quiserem fora da boca, mas, em sentido contrário, não dá garantia de colocar comida para dentro. Achei fantástica essa leitura cômica da realidade e o contraste besta de dois extremos, de dois opostos. Sempre que estivermos em ano de eleição, movimentos da faculdade ou discussões em aulas de geopolítica ou história, encontraremos uma encruzilhada: capitalismo ou socialismo, direita ou esquerda! Teremos que escolher entre poder colocar idéias para fora, ou comida para dentro. Não permitem que fujamos de um dos dois caminhos, é como se tivéssemos caído de para-quedas no meio de uma ponte e tenhamos que seguir ou para um lado ou para o outro, sem outras escolhas.

Se acredito em algum tipo de destino ou predestinação, é porque acredito que existe um fio de ouro que costura os trapos e retalhos das histórias de cada indivíduo: a escolha. A senhora da liberdade, a rainha dos destinos. A escolha de que falo não é aquela que surge entre duas opções, mas aquela que se estabelece para além das barreiras que tentam estabelecer no meio de minha carreira. Opções são os limites e as finitudes que a morte tenta impor, e a escolha é a porta da liberdade pela qual a vida atravessa para que seja possível que eu exista, que o Bruno seja Bruno, um indivíduo único e diferente de todos os outros, que atropela as probabilidades e surpreende com uma complexidade entendida só na eternidade...

Aprendi de um homem e amigo que admiro muito, o Pastor Villy Fomin, que se uma igreja só permite em sua comunidade pessoas que se vestem de terno, existe algo errado. Mas, se uma igreja tem preconceitos, discrimina ou não permite que participe de sua comunidade pessoas que se vestem de terno, também há algo de errado. Os opostos que não permitem diálogo, provavelmente estão com algo de muito errado. Inclusive, se eu rejeitar aquele que defende os opostos sem diálogo, eu estarei muito errado, pois tornei-me um oposto que não quer conversar. Estes problemas de opções que não me permitem ir além de si mesmas, barreiras que não querem que eu avance com minhas escolhas e cumpra um bom destino, me lembraram de sonhar com a liberdade, preparar-me para enfrentar os limites, apegar-me em minhas individualidades e experiências de fé. Com isso, venho em mais um texto devocional convidar-te, raro leitor, a meditarmos, refletirmos e compartilharmos nossas leituras do Texto Sagrado para o crescimento do coração, expansão da mente, liberdade do espírito e confirmação da nossa fé em sermos escolhidos...

Mateus 15: 1 - 20

Então alguns fariseus e mestres da lei, vindos de Jerusalém, foram a Jesus e perguntaram: "Por que os seus discípulos transgridem a tradição dos líderes religiosos? Pois não lavam as mãos antes de comer!" Respondeu Jesus: "E por que vocês transgridem o mandamento de Deus por causa da tradição de vocês? Pois Deus disse: 'Honra teu pai e tua mãe' e 'Quem amaldiçoar seu pai ou sua mãe terá que ser executado'. Mas vocês afirmam que se alguém disser a seu pai ou a sua mãe: 'Qualquer ajuda que vocês poderiam receber de mim, é uma oferta dedicada a Deus', ele não está mais obrigado a 'honrar seu pai' dessa forma. Assim, por causa da sua tradição, vocês anulam a palavra de Deus. Hipócritas! Bem profetizou Isaías acerca de vocês: " 'Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens'". Jesus chamou para junto de si a multidão e disse: "Ouçam e entendam: o que entra pela boca não torna o homem 'impuro'; mas o que sai de sua boca, isto o torna 'impuro' ". Então os discípulos se aproximaram dele e perguntaram: "Sabes que os fariseus ficaram ofendidos quando ouviram isso?" Ele respondeu: "Toda planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada pelas raízes. Deixem-nos; eles são cegos guias de cegos. Se um cego conduzir outro cego, ambos cairão num buraco". Então Pedro pediu-lhe: "Explica-nos a parábola". "Será que vocês ainda não conseguem entender?", perguntou Jesus. "Não percebem que o que entra pela boca vai para o estômago e mais tarde é expelido? Mas as coisas que saem da boca vêm do coração, e são essas que tornam o homem 'impuro'. Pois do coração saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos, os falsos testemunhos e as calúnias. Essas coisas tornam o homem 'impuro'; mas o comer sem lavar as mãos não o torna 'impuro'."

Normalmente, esse texto é lido para criticar as antigas leis ou as tradições. Mas, o novo rearranjado que não quer nem olhar para o antigo tradicional, é tão cativeiro quanto seu oposto. O problema não é a opção, mas a escolha. Em qual tradição devo apegar-me? Ou ainda, em qual doutrina estabelecer minha fé? A de lavar as mãos? A de honrar os pais? Ao de trocar o auxílio aos pais pelas ofertas a Deus? O que é certo? Nenhuma destas! A escolha que é feita antes delas para traçar o destino do depois das opções é que importa. O que decido comer não é o que valida minha pureza, mas aquilo que em mim me leva a decidir a comida é que media o como puro sou. Puro ou impuro não está na superficialidade que entrará em meu estômago por um tempo e depois será expelida, mas naquilo que da minha individualidade ponho para fora traçando na eternidade o que pretendo ser. Está naquilo que ponho de meu coração na vida, o que faço como escolha, a rainha dos destinos.

A árvore de vida plantada por um Deus eterno está enraizada na eternidade, mas as árvores plantadas pelos homens são opções finitas que serão arrancadas pelas frágeis e alcançáveis raízes. Homens que escolhem por uma raiz mais profunda, atravessarão as opções e decidirão pela liberdade, se alimentarão de um fruto de vida eterna e descobrirão que os limites impostos pelos extremos que não se olham tem um fim esperado, um limite traçado, um destino fechado e fadado ao fim. Enquanto que os homens que se alimentam destas barreiras dos extremos não verão um palmo a frente de seus muros, não saberão da escolha, do destino guiado por suas escolhas e como cegos, vagarão até cair em seus buracos, levando consigo os outros cegos que os guiaram e os que por eles foram guiados.

Para os homens que dependem do que comem e das opções que a eles são impostas, o coração é impuro, morre e mata. Mas, para os homens que são livres e libertos pela Verdade e tomam consciência de suas escolhas eternas para além dos limites do mundo, o coração é guardado, o silêncio terá voz de louvor e alegria. As opções quebradas e deixadas de lado não os tornarão impuros, mas apresentarão vida e a vida que dizemos ser em abundância. A liberdade está para além das leis e das regras que optamos por seguir. Praticantes da liberdade fazem escolhas. Livres libertados são escolhidos. Para além de opostos e extremos, saibamos das escolhas...