segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Confissões de uma conversa que tive com outro amigo morto

Acabara de sair o Sol e eu continuava indignado apesar de ter dormido muito bem por toda a noite e pelo dia anterior ter sido domingo. A angústia quando decide falar alto é ensurdecedor. Tenho um professor (vivo) chamado Alexandre Martins que me disse que a angústia berra no silêncio. Pois bem, precisava de um amigo para falar comigo e calá-la um pouco. Na verdade, calá-la não é bom, pois a angústia é que move a vida de todos os homens vivos e a de um morto. Ah! Também move a de um ressurreto, mas essa é uma outra estória... O que importa é que quando me lembrei deste homem angustiado e morto,  que por sinal é um grande amigo, logo combinei de encontrá-lo lá pela hora do almoço para darmos voz ao berro da angústia, criarmos um som, para que tomasse uma forma que me motivasse.

Soren Abbye Kierkegaard e eu nos encontramos às 12:25 na estação do Metrô "Alto do Ipiranga", em São Paulo. Mal começamos a conversa e ele me confessou suas dificuldades na vida. Recordou de sua infância complicada como segundo filho de sete, dos quais os cinco seguintes faleceram. Kierkegaard me disse que por essa situação de perder seus cinco irmãos mais novos, acabou escrevendo: "vi meu pai enterrar por cinco vezes suas esperanças...". No curso da prosa me disse que perdera sua mãe, se apaixonara loucamente por Regina, mas que não conseguia permitir-se desposá-la. Quantas angústias! E o que aprendeu com elas? Nada, não são elas as causas de sua Filosofia, mas sim, o como existiu frente a elas. Kierkegaard começou a me falar do Amor...

Que fantástico é saber que algo tão sublime pode dar voz aos gritos silenciosos da angústia! Se queria dar forma às minhas, precisaria dentro delas encontrar o Amor. O problema de falar de Amor é que não se fala apenas, é necessário que se experimente. Não há palavra ou Filosofia que abarque o Amor. Não, apenas os indivíduos amam e são amados, os esquemas, sistemas, generalidades e conceitos não amam e nem são amados. No máximo, tornam-se uma doentia relação de dependência e ilusão de segurança. Mas nunca Amor!

Quando estávamos na altura da estação Santa Cruz, começamos a rir. A transformação das quase lágrimas em riso é irônica, um processo cômico que faz do trágico uma boa peça de descanso. Rimos imaginando casos absurdos de ilusão. Nos divertimos com o disfarce que dão para a realidade aqueles que não querem ser indivíduos e nem lidar com indivíduos, que preferem uma vida conceituada a uma vida vivida. Nesse caso, felizes são os mortos porque não sentem nada, logo, cabe-lhes qualquer conceito e qualquer idéia. Não há preenchimento de vida e sobram excessos de vazios. Para compreender toda a vida não é preciso (no sentido de Fernando Pessoa) compreender toda a Razão, mas é extremamente necessário Fé para confiar que os saltos valem a pena.

Descemos na Praça da Árvore e caminhamos até em casa para almoçar. Não sei se é triste ou engraçado, mas o único com fome era eu: queria devorar palavras e comida. Kierkegaard não sentia tal desgraça: não queria comida (já que estava morto) e esbanjava as palavras (mesmo estando morto). Combinamos que os que amam mesmo são os poetas, pois são vocacionados para expressar o que sentem. Se bem que a eles falta muitas vezes Fé para desprenderem-se do tempo e experimentarem lampejos de eternidade. Pelo menos, eles tem o dom, amam com esse dom. Talvez por isso seja raro encontrarmos muitos. São dois ou três a cada geração. E que curioso! Embora afirmamos que pastores também tem de ser vocacionados (tem de ter um dom) não são dois ou três por geração, mas sua quantidade excede as vagas de emprego disponíveis... Será que eles são vocacionados mesmo então? Ironicamente, imaginamos que não...

Os pastores perderam seu brilho e ganharam muita maquiagem. A luz saiu de dentro deles e foi para cima dos palcos. O brilho nos olhos deu lugar ao nariz vermelho, às roupas coloridas, grandes sapatos e a habilidade de fantásticas cambalhotas e acrobacias! Divertidíssimo! Dão espetáculo de palavra e uma circense falta de Fé. Não necessariamente que façam shows interessantes e engraçados, por vezes são sérios. Inclusive, muitas das horas parecem ter cara de doutos, feição científica e rigor sistemático; "Em nosso tempo, a importância das ciências faz os pastores de bobos... (eles) servem a ciência e consideram que pregar está abaixo de sua dignidade" - disse Kierkegaard, e continuou - "Não surpreende, portanto, que o sermão tenha decaído, no consenso geral, ao patamar de uma arte muito pobre". Angustiante! Nos exige amor! Requer vocação! Indivíduos de Fé! Uma esperança nos impossíveis...

O almoço já ia tarde, ainda me faltava a sobremesa, e a confiança de que um doce surgiria na mesa empurrava-me a continuar naquela conversa entre morto e vivo. Essa vida angustiante precisa ser mais ética, estética, amorosa e vivida! Não podemos passar o tempo montado nos sistemas, procurando respostas nos mundos macros e esquecendo-nos do indivíduo que vive conosco. A história, o passado, os conceitos e as angústias não podem ser justificativas para a apatia. Não! Atravessemos a fase de querermos tudo para nós, a de queremos tudo para o outro e rumemos para aquela que vive Eternamente: tenhamos Fé! Deixemos de lutar apenas conosco, apenas com os exércitos e passemos a lutar também com Deus! Deixemos de amar apenas a nós, amar somente aos outros e passemos a amar a Deus! Para estes que nisso confiam, não há impossíveis. Kierkegaard me disse que não podemos mais deixar nos transtornar pela conversa oca daqueles que afirmam que de nada adianta exigir o impossível, precisamos exigir sim. A Eternidade abarca todas as possibilidades, e de lampejos em lampejos do Eterno, passemos a viver o Amor do Reino de Deus...

Despedi-me de meu angustiado amigo morto e encontrei minha angústia aos berros carregados de vozes! E eu berrava junto, gritava por uma salvação, enchia meu peito de esperança e não via outro caminho que não a Fé para viver a vida como um indivíduo esperançoso, humorado, amoroso e cristão. Meus cuidados não seriam com os Sistemas, mas com os indivíduos. Quem sente a dor e sofre é o um sozinho que dentro de seu ser apanha de si e de seu silêncio. Independentemente de sua história, de seu passado, de suas companhias, de sua função, é um indivíduo e tem de ser amado, tem que encontrar sua Fé, tem que motivar-se de sua angústia. Espremo-me de felicidade! Sonho com novos sonhos, respiro novos ares e preparo meus pés  para os saltos que darei num abismo de amanhã...




Gratis i Kristus

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