quinta-feira, 1 de setembro de 2011

De dia de semana sou cego e aos domingos sou surdo

Durante a semana sou cego e aos domingos sou surdo. Tudo bem que vez por outra sou cego e surdo. Quando cego, preciso começar a ver e, quando surdo, ouvir algo. Dizem que o pior cego é aquele que não quer ver, e acabei de imaginar que também o pior surdo é aquele que não quer ouvir... Se é que existe essa possibilidade!

Quando estou só e a mercê das aves de rapina, caçadoras fantásticas de animais distraídos, sou completamente cego. Por não ver bem aquilo que está ao meu redor, fico feliz e contente com minhas sombras. Mesmo quando as pálpebras se abrem, não estou disposto a permitir que a luz faça parte do meu dia. Sou um indivíduo astuto e ao mesmo tempo ingênuo: enquanto maliciosamente não quero enxergar, sou cercado na surdina pelas aves assassinas. Dependo de um Salvador que me faça voltar a ver! Perdi a crença na luz, perdi a crença na cura perdi a esperança de Salvação. A escuridão não se tornou tão ruim assim.

Já aos fins de semana, abro os olhos e passo a ver. Encontrarei aos domingos outros ex-cegos que enxergam aquilo que quero enxergar, logo não corro o risco de perder a segurança que tenho ao não ver as aves de rapina. Porém, nesse instante, fico imediatamente surdo. Não ouço nada que não seja a mim mesmo. Lobos uivam e se aproximam, mas me contento em não saber deles e ficar seguro dentro de quatro paredes. Somos todos, eu mais os ex-cegos, surdos. Falamos uns com os outros, fazemos uma grande algazarra que provavelmente deve ser um barulho extremamente incômodo. Mas sem crise, não ouvimos nada: nem nossa gritaria e nem os lobos. A surdez é boa e muito conveniente quando estamos em grupo, já que fazemos zona sem nos irritar. Preciso de uma Voz que me faça ouvir. Tenho medo e me protejo com os outros de ouvir Verdades...

Durante a semana sou um religioso: um indivíduo que ouve, está disposto a saber das Verdades, mas não as vê. Quero muito mudar a mente, mas perdi as esperanças de encontrar alguém que viva uma Vida que faça sentido. Só sou cego porque não posso ser surdo durante toda a semana. Já nos fins de semana, sou parte de uma religião. Enxergo o mundo, vejo meus amigos e até sei onde estão as aves de rapina, mas dependo da grande massa para me proteger dos lobos. Me habituei a não ouvir nada que não fosse o que já ouvi, e dentro da igreja vejo sempre as mesmas coisas e a vida mórbida e estática que sempre vi(vi).

De dia de semana sou religioso e de domingo sou da religião. De dia de semana até sou independente, mas não há Vida que apareça e me faça ter esperança de novo em ver... Por isso, prefiro ser posse de alguém nos fins de semana para garantir que enxergue qualquer coisa pelo menos um pouco sem a preocupação de que tenha que ouvir...

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