domingo, 29 de julho de 2012

Tirei as sandálias

Acho que esse é um dos textos mais curtos que já postei. Isso não significa que ele não seja importante ou profundo, muito pelo contrário. Imagino que tenha se tornado curto porque as poucas metáforas que utilizei apenas são respondidas com o silêncio.

Descobri que existem solos sagrados. Descobri que existe terreno santo. Descobri que preciso tirar as sandálias dos meus pés. Sou andarilho e quem me conhece sabe que sou apaixonado por essa metáfora (inclusive escrevi um texto chamado "Andarilho" sobre isso e coloquei o link no final desse que agora escrevo). Minha casa é onde eu estiver, meu mundo é por onde eu caminhar. Amo caminhar. Tenho desdém pelas fronteiras, não ligo para as cercas. Cerco o mundo enquanto o mundo me cerca. Ando e convido outros para que caminhem comigo.

Entretanto, existe um lugar pelo qual não passo de qualquer jeito, descobri que preciso tirar as sandálias dos meus pés. Encontrei o santo dos santos, encontrei o Paraíso. Sim, eu vi no deserto a sarça ardendo e não sendo consumida pelo fogo. Eu vi nuvem do tamanho da minha mão que anunciava chuva. Eu vi toda a Criação: encontrei o coração. Não, não o meu, encontrei gente, pessoas, indivíduos. Não me atrevo mais a entrar no coração de gente assim, de qualquer jeito! Não, coração é lugar sagrado, é sacro-santo.

Descobri que acho que as pessoas são sagradas. Descobri que entrar na vida de um não é como atravessar uma trilha. Descobri que preciso tirar as sandálias dos meus pés. Sou andarilho pelo mundo, mas morador fixo de corações. Moro na vida de gente, piso nos desertos humanos, vivo ajoelhado em lugares santos. As pessoas são sagradas, terra santa. Tire a sandália dos teus pés. Adoro caminhar, mas não passarei por uma vida sem parar, me prostrar e falar com o Deus que habita nos corações humanos.



texto "Adarilho": http://brunoreikdal.blogspot.com.br/2012/02/andarilho.html

Gratis i Kristus

quinta-feira, 26 de julho de 2012

É tempo de nos sentarmos

Me preocupo muito quando vejo um homem se levantar e apenas estender a mão para apontar o dedo na direção do rosto dos que estão sentados. Me preocupo mais ainda quando um grupo de homens se levantam para tal. Perco o sono quando uma comunidade inteira decide tomar essa postura. Para fechar minha coleção de preocupações, me desespero quando outro grupo se levanta para rir da cara do primeiro que se levantou. Isso apenas piora quando eu me vejo pertencente de um desses grupos.

Não gosto muito de "ismos". Legalismo, fundamentalismo, liberalismo, feminismo, machismo, colonialismo, capitalismo, socialismo... Acho que apenas com "cristianismo" me dei bem, mas não por causa do "ismo", e sim do Cristo. Ismos são generalizações, categorias, multidão sem rosto, corpo e cérebro. Grupos que se unem para chacota ou para humilhação, são  amantes dos ismos. Se encaixam, e tem orgulho de se encaixar, em alguma torcida desorganizada que não se senta para cear junto, mas fica de pé a rodear o mundo e procurar o primeiro justo que seja digno  de sofrimento.

Fico chateado com minha religião, muitas vezes ela dá mancadas com seus fiéis. Porém, sou amante  e defensor dos religiosos, dos que abraçam a Fé e, com toda simplicidade, põe o corpo no chão em silêncio para ouvir o Mestre, ao invés de se levantar e acusar os "mentirosos". A Fé não é funcionária da verdade, mas consolo de quem é oprimido. A Fé não é uma universalidade que faz todo sentido e responde corretamente as perguntas que lhe são propostas, mas um calado vento que escreve no chão as leis que os fiéis precisam ouvir para suportar a vida, aguentar as acusações.

Muita coisa não faz sentido. Provavelmente todos já ouviram falar da estória de Jesus do "quem não tem pecado que atire a primeira pedra" (João 8), mas às vezes nos escapa algumas cenas; nos preocupamos muito com as palavras e as "verdades ditas" e pouco com a Fé vivida. Nos esquecemos de quem estava de pé e quem estava no chão.

Fariseus imponentes jogaram uma prostituta mentirosa no chão. Deus se sentou perto dela. Homens de pé acusaram aquela falsa esperando capciosamente a resposta eterna que solucionaria os problemas do pecado. Deus sentado no chão escrevia na areia. Os detentores da verdade provavelmente tinham um sorriso no rosto enquanto viam aquele homem simples rabiscando qualquer coisa e uma prostituta envergonhada. Deus com seu dedo escreveu uma lei do Espírito na areia, onde o vento pode soprar e apagar o que fora verdadeiro naquele instante. Os homens de pé ouviram a lei e foram embora. Deus sentado pediu que a prostituta percebesse que o Criador estava sentado ao seu lado, no chão e não no alto. A mulher se levantou. Deus estava sentado; despreocupado com o que fora dito e na esperança dos próximos passos.

Não fez muita diferença o ismo da estória. O que transformou tudo foi o Cristo. Não fez muita diferença a lei escrita, dita ou seguida. O dedo na areia e Deus no chão sim. A verdade não se implantou no mundo por causa de uma Teologia, mas salvou uma vida colocando os pés no chão. O Espírito não sopra quando os homens se levantam, mas quando ele quer. Deus não fala quando um grupo encontra a verdade, mas quando Cristo está sentado com os oprimidos. A salvação é dom de Deus.




Gratis i Kristus

terça-feira, 24 de julho de 2012

Escolha

Faço parte da liderança de um grupo de adolescentes de uma igreja e muitas vezes conversamos, discutimos ou nos aconselhamos sobre as dúvidas, crises e dificuldades que se apresentam em nossa religiosidade. Me parece que em nossa caminhada de Ministério, o grande problema é "como comprovar minha religião". Porque defender ou praticar ou se submeter a determinada Fé. Claro, se é para nos entregarmos às palavras de um grupo, que seja um grupo de confiança, que inspire certezas. O problema é encontrar um porto seguro, uma fundação sólida.

Seria justo depositar toda minha confiança num grupo que armou suas palavras de modo que um sistema de vocabulário e lógica respondem a todos os questionamentos levantados. Seria justo me agrupar com outros que, como eu, se fidelizem a conversas que soem como verdades. Seria muito justo me sentir à vontade de me unir a uma comunidade que se constrói solidamente em uma rede de textos, doutrinas e argumentação que responda aos meus desejos e afinidades. Seria justo, claro, se tal segurança fosse possível. Se o primeiro passo é me confidenciar à uma palavra ou um sistema de conversas, o dia que o significado de uma delas mudar, todo o castelo corre risco de ruir e a crise religiosa se instaura.

Na procura pela certeza e por provas, nos matamos na caça por argumentos, estruturas lógicas, discursos, esforços léxicos e um exercício constante de ignorância. Remoldamos as frases prontas e as falas para que ainda nos sintamos seguros, apesar de experimentarmos todos os dias aquele frio na barriga insistente que cresce ao depararmo-nos com qualquer vocabulário diferente. A crise está fundada na pergunta: "como é possível que eu tenha confiado nessa mentira?" - e as respostas ou são "só pode ser, então, verdade", ou, "se é mentira, porque ainda crer nisso?". Desse modo, retornamos ao primeiro problema de "como comprovar minha religião".

A questão não é respondermos como comprovar a religião ou nos desesperarmos por termos confiado numa verdade ou numa mentira. O ponto importante é pensarmos: em quem tenho confiado. O problema não é por as palavras à prova e retirar delas as verdades e destruir as mentiras, ou encontrar o lugar onde todos falam a verdade, mas, pensar se faz sentido depositarmos nossa Fé, nossa confiança, nas palavras por elas mesmas. Não percebemos que se a verdade está num som articulado que forma palavras, aquele que soar melhor, é de confiança. Todos soam e podem comprovar suas palavras com seus próprios sons. E qual o verdadeiro? Aquele que escolhermos como um bom som.

O passo de entrega e submissão à uma religião não é fundado em suas palavras ou em sua comprovação, mas, na escolha do fiel de acordo com suas experiências de Fé. Não é por uma comprovação que nos tornamos fiéis, mas, por querermos ser fiéis, que exigimos e procuramos uma comprovação. Porém, não percebemos nisso que a fidelidade partiu de uma escolha, de um depositar da confiança, de uma experiência de Fé. A caminhada religiosa não é a procura pela verdade dita, mas pela experiência de Fé vivida. Descobrimos que o porto seguro parte de uma escolha. A fundação sólida não está no discurso dito, mas no desejo fiel de pertencer à uma comunidade e partilhar de experiências religiosas.

Não, a Fé não procura explicações para o mundo. Não, não estamos esperando por uma certeza. Não, nossas crises não podem ser por causa dos vocabulários. Se tivermos dúvidas, não é porque as frases não respondem aos problemas do mundo, mas porque minha Fé não age para saná-los. O problema é em quem depositar minha confiança. Se nos sons, me desligarei do mundo para ouvir aquilo que me agrada. Se em Deus, darei todos os passos para que seu Reino se faça presente. Não confiemos nas palavras, mas em Cristo. Não confiemos em nossos discursos, mas em pessoas.




Gratis i Kristus