quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Religião e um percurso Verde

Eu adoro mato. Adoro ir para o interior, curtir um descanso, sentir a grama nos pés, um lago, cachoeira e, principalmente, um silêncio. Quando o "mato" não me é possível, um parque já quebra o galho... Opa! Essa frase não se encaixa muito bem nesse texto! Ok, refazendo: Um parque já é "meio caminho andado". Um desses dias minha namorada veio aqui em casa e ficou impressionada com a barulheira da minha rua e de meus vizinhos. Noutro, estava passando do lado de um muro e avistei por cima dele a bela copa de uma árvore. Adimirei-a, mas quando o muro acabou, um portão de ferro se abriu e vi, debaixo dessa árvore de bela copa, uma montanha de lixo. E por aí vão outros exemplos de "adeus mato"... Encontrei também um amigo de faculdade que, depois de um bom papo, umas xícaras de café e muitas reclamações políticas, me perguntou: "Afinal, a religião tería algum papel num projeto de sustentabilidade?". Claro, depois das eleições deste ano, nas quais a candidata à presidência que levantava a bandeira Sustentável, era religiosa (cristâ, crente, evangélica... desse meio), a pergunta fora pertinente. Explicarei:

O ponto é que, para ele, por alguma razão, a religiosidade trazia um certo descrédito para a bandeira da sustentabilidade. Perceptível, para mim, que um dos motivos é a falta de engajamento da religião (no nosso caso, meu e da Marina, a cristã) na defesa pelo meio ambiente e um desenvolvimento sustentável. Então, o motivo que levara as pessoas a votarem 43 não fora o projeto de governo e seus valores, mas a religiosidade da candidata. E desta conversa, depois de um bom papo, umas xícaras de café e muitas reclamações políticas, refleti sobre a religião e o desenvolvimento sustentável. Se não temos um papel importante neste percurso Verde, então estamos tranquilos e sem culpa no cartório ("Essa zica não é minha"). Entretanto, se existe alguma função importante na qual a religião se encaixa nesta defesa da Vida (só pela frase já dá para perceber que tem), estamos atrasados ("Somos o Sr. Coelho, de Alice").

A partir da década de 70, em meio a Guerra Fria, crises do petróleo, primeiros sinais de crise do novo capital, movimentos contra a voracidade do capitalismo e movimentos de defesa dos excluídos, surge o ideal de Desenvolvimento Sustentável. Esta proposta (que vigora e ganha força hoje) ficou baseada no seguinte tripé: socialmente sensível, ecologicamente correto e economicamente viável. Foi um start para o percurso Verde. Mas, sempre existe um "mas", 40 anos depois desta proposta, reparamos que ela ainda não é suficiente, falta um detalhe, tem um errinho, a bússola ainda não aponta perfeitamente para o norte. Consegue perceber qual é? Leia novamente o tripé: socialmente sensível, ecologicamente correto e economicamente viável. O que está faltando? Ou sobrando?

Este projeto sustentável foi construído ainda dentro da lógica que ele mesmo tenta fugir, a lógica capitalista. A primeira crise é enxergar o meio ambiente como um recusro necessariamente explorável, necessariamente como produto. O que pode e deve ser debatido pela religião. Claro, sensívelmente pensado, o meio ambiente é de onde retiramos matéria para a subsistência humana, mas, friamente calculado, é um produto que serve para a ostentação "divina" (do deus latino homo sapiens). Oferendas de sangue e de ouro para este ser divino. Como religiosos, devemos protestar contra esta idolatria! Precisamos viver, não em nome do fim do mundo, mas em nome daquele que veio "salvar o mundo".

A segunda crise na construção deste ideal e que aponta para a religião seu papel, é a o atrasado terceiro pé: economicamente viável. Este deve ser apenas uma lanterna no escuro, um guiazinho mais ou menos para não criarmos fardos que não possamos carregar. Se for ele o nosso norte, o nosso rumo, então, assim como na primeira crise, continuamos dentro da lógica capitalista. O trabalho deste pé seria incentivar as pessoas a baratear o custo produtivo e todos terem acesso aos meios sustentáveis, e que estes fossem atrativos para o voraz mercado, mas, como já sabemos, eles não o são, pois preservam. Destruir é sempre mais barato. O xamã da parada continua sendo o dinheiro, e não o meio ambiente, a Vida. A religião ganha como papel a luta contra esse outro deus, contra esse demoninho chato que nunca morre, o dinheiro. Precisamos apresentar para além deste tripé um Norte, o Norte, o valor ético da Vida. Mais importante e mais valoroso do que esta moeda é a Vida. A religião tem a função de tornar o economicamente viável apenas um incentivo para uma produção barata, e fazer o importante de fato ser a Vida. Muito mais vale ela do que o dinheiro. Se o lucro das empresas diminui com um projeto sustentável, paciência, preferimos continuar vivos e manter um planeta em que possamos viver, que reflita o Reino de Deus, onde há "vida e vida em abundância", onde as pessoas tem o que comer, o que vestir e ONDE MORAR, tem casa, tem mundo, tem planeta.

Neste movimento sustentável, 40 anos depois de sua criação, sua existência depende de valores éticos. Depende de valores que defendam o meio ambiente, que defendam a permanência da vida. Dizemos lutar por uma vida verdadeira, dizemos combater os comensais da morte, pois então temos uma grande oportunidade de o fazer. Respondendo à primeira pergunta, temos sim um papel! A religião tem sim um papel! E um papel importantíssimo! Guiar a Fé! Apresentar uma fé Viva, na Vida, e não em números ou num pedaço de papel. Uma Fé que crê na natureza, que confia em Deus, que acima dos próprios interesses de homem, defenda os interesses humanos, divinos, cristãos! Que defenda a Vida, e a Vida em abundância...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Nos falta o chamado dos poetas...

"Se num pequeno país talvez só nasçam três poetas por geração, o que não falta são pastores, e a sua turba excede os empregos. Fala-se em vocação a propósito dum poeta, mas, aos olhos dum sem número de pessoas (cristãos, portanto!) basta um exame para se ser pastor. E contudo, contudo, um verdadeiro pastor é um acaso ainda mais raro do que um verdadeiro poeta, e contudo a palavra “vocação” é ordinariamente do domínio da religião." - Sören Kierkegaard (O Desespero Humano)

Aprendamos com os poetas. Amemos nossa vocação, nosso chamado. Este nos falta. Um tapa no rosto, um sacodir e chacoalhar o corpo. Temer e tremer pensando numa crítica tão antiga, tão real, tão presente. Que belo seria se o amor que os poetas tem pela palavra, fosse o amor que os pastores tem pela Palavra. Que lindo seria se o amor que os poetas tem pela vida, fosse o amor que os pastores tem pela Vida. Que doce seria se a sede que os poetas tem pela harmonia, fosse a sede que os pastores tem pela Água. Que excelente seria se a preocupação que os poetas tem pela estética de seus versos, fosse a preocupação que os pastores tem por seu chamado (vocação, modo de viver). Que sereno e perfeito seria se como os poetas comem e bebem de sua inspiração, comessem e bebessem os pastores da Carne e do Sangue. Que bom seria se ao invés de empregados, fossem vivos. Como me apaixono por Cristo! Como me angustio com os cristãos... Mas que um dia tornemo-nos poetas, chamados pela fe', vocacionados por Cristo. Que amemos nossa vida, que amemos nosso mundo. Que amemos a Vida, que amemos e isso é tudo! Nos falta o chamado dos poetas...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Rascunho de um pré-projeto filosófico meu ... hehehe

Problema (Rascunho)

Participamos de um momento histórico em que o desenvolvimento tecnológico, os avanços científicos e os turbilhões de informação desferem golpes no tempo e parecem acelerar a vida. Não há espaço nesta correria para a reflexão, esta tem sido ignorada. Criamos um mundo injusto, com práticas injustas, somos cientes, conscientes e vivenciamos isto, mas ignoramos.

Em Sócrates, ignorar a ignorância e ignorar aquilo que se sabe gera a injustiça. Na interpretação de Kierkegaard, esta injustiça ganha uma valoração de pecado, e tem consigo a máxima: “pecar é ignorar” . As duas expressam que não buscar o saber, mesmo que seja o saber do não-saber, ou seja, não buscar a reflexão, gera a injustiça. O problema está então neste ponto, precisamos refletir e deixar de ignorar, deixar de sermos injustos, ignorantes.

Desenvolvimento do tema (Rascunho)

A importância de se tratar do tema da ignorância em Sócrates, é que este se estabelece como uma das bases para a construção de seu conceito de justiça, e esta, a geradora de uma reflexão ética. Sócrates se presta em uma missão de, como apresenta Hadot, “fazer que os outros homens tomem consciência de seu próprio não-saber, de sua não-sabedoria” . Porque a necessidade de levar os homens à consciência de seu não-saber, de sua ignorância? Porque, em Sócrates, ignorar o que se sabe leva-nos à injustiça. Não pode um homem consciente de uma verdade deixá-la de lado, ignorá-la, isto seria injusto. Nisso gera-se injustiça.

Na Defesa de Sócrates, fica clara esta missão do filósofo, na qual se diz em nome do “oráculo de Delfos” o homem mais sábio. A princípio Sócrates parece relutante em ser considerado o mais sábio, e mete-se a examinar e procurar alguém que seja mais sábio que ele. Entretanto, em sua busca não encontra ninguém. Vai aos sábios, políticos, poetas e artesãos, porém, nenhum destes se sobressai como mais sábio que Sócrates. Em todos estes a falta de sabedoria é a mesma: “supõem ser os mais sábios dos homens em outros campos, em que não o são” . Esta seria a maior ignorância para Sócrates, supor saber algo que não se sabe: “A ignorância mais condenável não é essa de supor saber o que não se sabe? É talvez nesse ponto, senhores, que difiro do comum dos homens;” (1987, p. 46).

Esta ignorância de ignorar a própria ignorância, geradora de injustiça, será interpretada por Kierkegaard e, em sua visão cristã, será a causadora do pecado. Tirando a carga religiosa da palavra pecado, podemos compreender nesta interpretação a construção do justo para Sócrates, como diz Kierkegaard: “Admiti-lo [o pecado] é crer, como Sócrates, que nunca sucede praticar-se uma injustiça sabendo-se o que é injusto” (1979, p. 77). Logo, trazer os homens à consciência de sua ignorância é levá-los a não praticar uma injustiça. Como tomar alguma decisão justa sobre algo que desconheço? Não posso meter-me a supor que conheço este a mim desconhecido, pois assim praticaria uma injustiça. Então, antes de decidir preciso assumir que desconheço, tenho um não-saber sobre este algo, depois tentar descobri-lo, e ai sim, tomar uma decisão que apresente justiça.

O crivo para uma decisão justa está na relação entre admitir o próprio não saber e não ignorar aquilo que se sabe. O homem justo jamais tomaria uma decisão injusta conhecendo a justiça, levando em consideração este crivo. Como Kierkegaard apresenta: “a verdadeira compreensão do justo depressa o levaria a fazê-lo, e ele seria em breve o eco de sua compreensão: portanto, pecar é ignorar” (1979, p. 83). Como exemplo, na Defesa, Sócrates é acusado de corromper os jovens, e como argumento, utiliza-se da seguinte lógica: “Se corrompo, sem querer, a lei não manda trazer-me aqui por semelhante erro involuntário, mas tomar-me de parte, ensinar-me, ralhar comigo; evidentemente, depois de aprender, deixarei de fazer o que sem querer ando fazendo” (1987, p. 42).

Toda esta argumentação e trabalho com o tema da ignorância como uma das bases para compreender a justiça em Sócrates, dá-nos chão para caminharmos em uma reflexão sobre nossa postura frente a um mundo de transformações rápidas, em grande quantidade, turbilhões de informações e descobrimentos, num avanço desenfreado de nossa ciência e tecnologia. Corremos e corremos muito, sem nem sabermos se ainda existe chão sob os nossos pés. Aí reside o problema de nossa ignorância, não podemos ignorá-la.

A reflexão filosófica que Sócrates propõe e Kierkegaard interpreta, é necessária como freio para nossa voracidade humana. Não podemos esquecer que aquilo que não sabemos, ou ainda, não podemos menosprezar o nosso desconhecido, não podemos pensar que somos capazes de tudo saber ou ainda supor que sabemos o que não sabemos. Com tamanha presunção científica de onisciência, deixamos de lado a prática da reflexão, logo, a da justiça. Portanto, cometemos a injustiça. Se somos conscientes de nossa prática injusta, estamos a ignorando, logo, cometendo, para Sócrates, a maior das injustiças. Ou, se não somos conscientes, é porque supomos saber aquilo que não sabemos. De qualquer modo, resistimos e esquecemos a prática da reflexão, o crivo para a justiça.

De qualquer modo, é-nos necessário não ignorar o que sabemos. Somos cientes de que nossa exploração dos recursos naturais tem degradado e destruído nosso mundo, que nossa organização econômica incentiva a desigualdade e corrói as relações humanas, que nossos avanços na ciência e biotecnologia são rápidos demais para conseguirmos acompanhar, temos dado passos maiores do que nossas pernas. Logo, não podemos ignorá-los, não podemos ser injustos! O crivo reflexivo para a justiça traz consigo uma placa há milênios, que nos alerta o fato de que esta ignorância destrói, arruína, aniquila, pratica a injustiça. Tracemos então em nossa consciência o justo, busquemos não ignorar e sermos ignorantes, pelo contrário, reflitamos, reflitamos!

Referências

- HADOT, Pierre. O que é filosofia antiga?. 2. ed. São Paulo – SP: Loyola, 1995.

- KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano. São Paulo – SP: Abril Cultural, 1979.

- PLATAO. Defesa de Sócrates. 4. ed. São Paulo – SP: Nova Cultural, 1987.

sábado, 30 de outubro de 2010

Devaneio... gigante devaneio...

Nas expressões do tipo "o cérebro humano tem a capacidade de armazenamento de 'x' computadores", ou "o corpo humano é como uma bateria de 'y' volts", tem como pressuposto a necessidade de comparação com uma máquina. Aliás, coloca o ser humano em uma leve "competição" com a máquina, como se esta (criação do homem, lembrando) fosse melhor ou mais perfeita ou a medida das coisas. Um lance meio "Matrix", mas bem-vindos à insani... Modernidade. Na verdade, esta introdução foi só um pequeno devaneio para anunciar o gigante que virá agora. O texto não tratar-se-á desta disputinha entre homem/máquina, mas sim de um certo padrão homem/máquina, ou alguma coisa que nos diferencia do homem ou da máquina, já não sei bem nossa natureza (piadinha sem graça...).

Os computadores tem uma capacidade absurda de armazenamento de dados. Sim, superam o cérebro. E além desta capacidade de guardar informações, tem consigo uma programação fantástica de organização destes dados. A virtude humana explorada em nossa Modernidade até então fora essa capacidade de guardar informações. A Educação construída sob o alicerce do "decorar" (nosso decoreba) que vigora ainda hoje em nossas instituições de ensino, é a expressão deste desejo Moderno de acumular o máximo de "conhecimento" (na verdade, informação) na memória. Tabuada, datas, nomes, guerras, órgãos, ossos, fórmulas e por aí vai. Nosso método de avaliação de um aluno bom, um aluno que aprendeu, está firmado também neste quesito. O ser capaz de guardar estas coisas está capacitado a frequentar uma universidade, passa no vestibular, vai bem nas provinhas do colégio e se assemelha muito a um computador. Agora, o que este devaneio propõe-se a devanear, é se esta potência de decorar, guardar, salvar na memória estes dados são a nossa virtude, o algo que constrói o humano, o que caracteriza sua humanidade, o que pode medir quem ele é. Será que o decorar é nosso mediador?

Tem uma coisa que a máquina por si só não é capaz: esquecer. Nesta afirmação continuo preso àquela comparação entre homem/máquina em uma disputa, e porque? Porque enquanto você lê este texto, em sua concepção construída de acordo com o espírito de nosso tempo, o esquecer é ruim, e esta diferença homem/máquina te dá a impressão de que estamos "perdendo", porque modernamente, o que é bom (como discutimos no parágrafo anterior) é a capacidade de armazenar dados, e não a possibilidade de esquecê-los. Entretanto, perceber que somos capazes de esquecer não é um demérito, a idéia é refletirmos e repensarmos nossos valores do que é "bom ou ruim". Um computador armazena todos os dados que lhe forem apresentados (esta palavra é importante, dê atenção a ela, "apresentados": trazidos à presença), os organiza e por si só não esquecerá. Ele não é capaz de "deletar" de sua memória sozinho, numa relação dinâmica e reflexiva consigo e com o outro. Isso é fantástico! Nós temos um dom brilhante de esquecer, de não percebermos mais as coisas, de termos dados conosco e não acessá-los, não encontrarmos o caminho até eles. Os humanos são complexos demais e vivos demais para existirem em inércia. Sua reflexão consigo e com o outro o faz esquecer. Ou, não sei, seu esquecer o torna reflexivo consigo e com o outro.

As coisas se revelam para nós. Um fenômeno surge e nós corremos atrás dele para descobrirmos o que o fez surgir. Não encontramos as coisas por nossos méritos, mas porque "elas resolvem se mostrar a nós". Elas se fazem presentes, a nós são apresentadas. Em nossa memória também se fazem presentes. As coisas ausentes não existem, a ausência não existe. Então porque consigo imaginar coisas ausentes? Ou ausentar coisas presentes? Porque concebo a possibilidade do meu esquecimento. Eu esqueço! Eu esqueço, logo imagino. Em Parmênides, o ser e não ser, o caminho do presente e do ausente, estas segundas possibilidades são excluídas por não serem, logo, não existirem e não nos levarem a lugar nenhum, um caminho inexequível. O nada não existe. Então como o concebo? Como o imagino? Sabendo de sua capacidade de esquecimento. Como seriam as coisas se me esquecesse disso? Se deixasse de lembrar da existência daquilo? E se me esquecesse de tudo, chegaria ao nada? Sim. O nada não existe, mas nosso esquecimento sim. Somos capazes de desprezar os dados que armazenamos. Nessa luta por lembrar e desprezar as informações, refletimos, criamos e imaginamos.

E esta reflexão me levou a pensar da primeira reflexão de que me lembro de ter ouvido falar: "PARA ONDE VOU?". O "de onde vim" e o "quem sou" em ordem cronológica viriam antes desta, mas, em ordem humana, vem depois. Pensar no amanhã, no que teremos para comer, se teremos algo para comer, veio antes do "o que sou" e do "de onde vim". O que sou é num meio de iguais não exige tanta reflexão (por isso a demora do pensamento de individualidade), e o de onde vim sempre foi simples ao olhar sua progenitora. O pensar "para onde vou" criou o imaginário religioso, os sonhos pós-morte e estas coisas. E porque pensamos esta coisa estranha? Porque nos esquecemos, e ainda pensamos se nos esqueceremos. Lembrarei do que vivi? Lembrarão do que vivi? Haverá lembrança? A partir disso, qual o sentido de eu estar aqui? Se esquecerão de mim, porque estou aqui? Aliás, quem sou? Então: de onde vim? Quem sou? Para onde vou? Se tudo isso será esquecido! Se me esqueço de mim! Se esquecem-se de mim! Ai de mim! Ai de nós! Precisamos guardar as coisas, fazer com que se lembrem, que não esqueçam, imaginemos o "como": pinturas na parede, poemas, histórias dos antepassados, tradição, culto aos mortos. Tudo porque esquecemos. Esquecemos, logo refletimos. Diferente daquele bando de armazenamento de dados. Armazenamos sim, mas a possibilidade de esquecê-los nos faz humanos.

Criamos um medo pelo esquecimento e este nos trouxe o "sentido da vida". Esquecermos nos dá sentido. A maneira como lidamos com o esquecimento guiará o modo de viver e o imaginário do pós-morte. A nossa História humana foi construída na base deste esquecimento. A nova historiografia percebeu isso, logo, começou a dar ênfase àquilo que ficou debaixo dos panos, abaixo dos fenômenos históricos, daquilo que guardamos em nossos dados e livros de História. Para o surgimento de um Gandhi, existiu um numero gigantesco de desconhecidos e fatos escondidos não lembrados que o construíram, o tornaram um fenômeno histórico. Para o estourar de uma guerra, muitos termos, pessoas, acontecimentos esquecidos se passaram. Para um vencedor, existiram e foram esquecidos milhares de vencidos. Nossa história está baseada e chegou onde chegou por causa dos esquecidos, do nosso esquecimento. O valorizar apenas o lembrado, a lembrança, nos fez destruir o mundo. Se tudo será esquecido, porque guardá-lo? Protegê-lo? Antes as explicações místicas, divinas e tradicionais ainda resguardavam um pouco o todo, mas, depois de nosso marco Moderno, o único deus vivo a se manter foi a lembrança, a capacidade de guardar informações, e todo o resto nem como demônio fora tido, tudo tornou-se indiferente, pois tudo será esquecido. Esquecemos o esquecimento, aquilo que trouxe a reflexão humana, valorizamos apenas os dados (que por alguma razão chamamos de conhecimento) e agora destruímos tudo. Temos uma sociedade cheia de dados e zerada de reflexão. Uma sociedade de massas cheias de decoreba que em seu interior clamam por reflexões sufocadas por informações.

Pra que banirmos o esquecer se ele nos torna humanos que refletem? Se ele nos freia, desacelera o trem que ruma para o fim? Esqueçamos nossas desavenças com o esquecimento. Sou cristão, e conversando essas idéias estranhas com outros cristãos (entre eles minha mãe, cristã), todos disseram que nossa vida não pode ser voltada para si, aqueles que vivem em função de outros não temem a morte. Bem cético, concordei e somei: não temem a morte pois sabem que não serão esquecidos. Viver em prol do outro, como disse em parágrafos anteriores, refletindo consigo e com o outro, não tememos o esquecimento ou o esquecer, seremos lembrados. Mesmo que por pouco tempo, não para todo o sempre, seremos lembrados por quem amamos até que estes deixem de ser lembrados por nós, sejam lembrados por outros que também amam e estes por outros, e por outros, e por outros... Algo simplório e ingênuo, belo demais para a voracidade da lembrança Moderna. Puro demais para a intoxicada e drogada necessidade de eternidade Moderna. Abriu mão do Reino dos Céus cristão, muito fantasioso para uma mente que não gosta de esquecer, para ficar com um Reino de Informação, indiferente, preocupado apenas em não ser esquecido na eternidade! Nas máquinas! E azar do resto que será esquecido e lembrado por ninguém! Ninguém, que é um nome lembrado por todos, e que se refere a alguém esquecido por nossa possibilidade de esquecer,que não existe, mas o concebemos porque esquecemos.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O problema da Fé e da Razão

Exclamaram: "Fé!". Retrucaram: "Razão". Pensaram: "Deve ser a Ciência!". Repensaram: "Deve ser a Religião!". No fim a eterna discussão. O problema não é a Fé, o problema não é a Razão; o problema é o homem. Anterior à este debate chato, arrastado, pesado, truculento e desgastante, existe uma essência mutante, um problema no maquinário, uma peça defeituosa: o debatedor. O infeliz que se propõe a incentivar os socos ao ar. O debatedor. O cara que olha para fora de si e expõe o "bem e o mal", "Deus e o Diabo", "A Fé e a Razão ou Razão e Fé" (como preferir). A insistência em dicotomias externas e inalcançáveis é uma teimosia humana para fugir da realidade. É o mesmo que dizer que o problema é o "burguês", o "povo", o "sistema", o "diabo" ou o "destino", não tem fundamento, não tem consistência, não existe, não é real. Dê-me um punhado de Fé, ou um tanto de Razão. Não dá! Porque? Uma dicotomia inventada para nos dar segurança existencial e retirar de nós a culpa ou o problema da própria existência.

O que é pior (me perguntam), a Fé ou a Razão? Nem uma nem outra. O problema está na pergunta, ou melhor, naquele que pergunta, no perguntador! Entre a Fé e a Razão existe um mediador, ou inventor, sei lá, o homem, aquele que as denomina e as manipula. Adoro esta parte, denominar e manipular. Denominar é dar o nome à cria, à criação. Damos nomes a estas duas "forças", as separamos e ainda nomeamos também a disputa eterna entre estes dois deuses. Divinamente também tomamos estas divindades e as subjugamos, as obscurecemos, as tornamos "homo sapiensídicas". Municiamos ambas as partes e as controlamos de acordo com nossa vontade, nosso desejo, nosso percurso forçado à uma tomada de poder. Evocamos algo, o divinizamos, dividimos em dois e os deturpamos em monstros.

O ponto não é uma moralidade conveniente. A Fé é boa/má. A Razão é boa/má. O ponto é a virtude, a virtude humana. Não são boas ou más, são Fé e Razão. São "são". Agora, o humano é homem. Sendo homem, não aprendeu a não querer ser igual a Deus. Mas encheu-se de si e se fez aquilo que não é. Criou uma grandissíssima ilusão. Uma ilusão mãe, mãe solteira. Na trilha por nosso poder, nosso desejo de ter aquilo que não temos e/ou ser aquilo que não somos, utilizamos destas forças em nossa ilusão para dominar, denominar e manipular tudo. O ponto é o homem e o que ele faz com aquilo que chama de Fé e Razão. Então quando me perguntarem o que é pior, responderei da seguinte forma: "Nem uma nem a outra. O problema é crer que se é racional e/ou racionalizar aquilo que se crê". A Fé pode aprisionar e a Razão matar. Mas não elas por elas mesmas, mas como instrumento do debatedor, da peça defeituosa do maquinário, do homem. O problema é crer que somos racionais e racionalizarmos aquilo que cremos. O problema é criarmos nestas forças divinas ilusões para sermos deuses ou sermos iguais a Deus, ao invés de sermos humanos.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Um mínimo de respeito

Perdoem-me mas não posso ser desrespeitoso e leviano. Os textos devem ser tratados com o devido respeito! É de péssimo coro, deprimente imagem e completa demonstração de desinteresse, falar de um texto sem conhecê-lo, sem pensar sobre ele, sem descobrir em qual contexto ele se encaixa. Isso vale para qualquer texto. Não podemos falar frases soltas sem saber de onde elas vem...

Em especial, é de tremenda falta de tremor e temor pela Palavra de Deus, que os crentes tanto evocam, jogar versículos ao ar sem conhecer em que livro, capítulo e perícope ele se encaixa! E neste cenário, de qual tempo histórico ele pertence! Por favor, em respeito e amor à Palavra, à Bíblia, ao que chamamos de texto sagrado, não sejam levianos, não decorem versículos sem saber do que eles tratam, não leiam a Bíblia achando que já sabem o que ela diz! Você pode se surpreender, Deus pode falar com você.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Desabafo

Ontem estava no seminário e em uma das aulas entramos em um assunto tenebroso (que comentando aqui à parte, não tinha nenhuma relação nem com a disciplina e nem com o assunto em pauta), um assunto que sempre que faz parte da conversa tudo vai por água abaixo. Como diz meu pai, que também é professor, "sempre que o 'diabo' entra na aula', ele estraga tudo". Esse nome quando é dito por alguém em uma igreja, ou entre crentes, parece que gera um mal estar tão grande, uma euforia momentânea espetacular, algo complicadíssimo de se compreender. Chega até a parecer que cristão mais crê no diabo do que em Cristo (vai entender?!). Já escrevi outros textos sobre o Diabo, chifrudo, pé-preto, belzebu, corinthiano (eu sou corinthiano ok?! Isso é apenas uma piada) e seja lá como queres chamar, mas este é mais um desabafo do que propriamente uma reflexão ou um pensamento "bem pensado".

Dentro da minha casa, na minha família mesmo, na igreja ou no seminário, todas as pessoas tem suas experiências com coisas "assustadoras" e inexplicáveis (as quais eu também tenho!) e sempre atribuem-nas ao diabo. Eu nunca consigo atribuí-las ao diabo como todos entendem; uma possessão, um ser que paira por aí e entra no homem, não dá! Então surge a célebre pergunta: "Então como você explica?". Por que eu tenho que explicar???! Porque eu tenho que ter uma explicação?! Aliás, porque você quer explicar? Como que um homem ou uma mulher fica numa posição absurdamente estranha? Como muda de voz? Como sai colando nas paredes? Eu sei lá! E direi outra coisa: você também não sabe! O que sei é que como ser humano tenho um potencial tremendo, como homem sou capaz de coisas inimagináveis, como homo sapiens, animalesco, tenho muito mais!O distanciar-se do ser ser humano, animalizar-se, deixar de ser humano, nos torna tão atribulados, fortes, loucos, instintivos, quanto os animais. Não sei explicar, ninguém sabe! Mas porque é necessária uma explicação? Não é mais fácil eu conseguir uma solução? Que aliás, deveríamos ter em mente, conhecer essa solução: Jesus.

Porque me atenho em inventar um ser ou me ater a um ser que é pó, verme, lixo, nada, quando tenho comigo Cristo? Que sentido faz? Os crentes tem uma mania de "libertar a opressão do inimigo" com palavrinhas mágicas! Cinco palavras que em ordem certa e intensidade correta na voz resolvem o problema do demônio. Que simples! Quem dera esse fosse o maior dos problemas, o maior dos males! "Fui até aquele casebre e expulsei o demônio. Era um casebre isolado, perto de um esgoto, caindo, faltava comida, bem obra do inimigo! Aí expulsei o demônio, orientei a família e acho que até hoje devem ter tomado o caminho"... Como assim?! O problema não era o demônio! O problema era a casa! Era o casebre! Sujo, pobre, sofrido. Faltava pão, faltava água! Faltava vida! Faltava humanidade! Quem dera os problemas fossem resolvidos com aquelas cinco palavrinhas! O problema é mais fundo, é mais embaixo, esse comportamento animalesco que chamamos de demônio é só o fenômeno, a ponta do iceberg. E a vida? Comida? Dignidade? Humanidade? Pra que né?! O demônio já foi expulso, ganhamos a batalha espiritual.

Me dá vontade de dizer muitos e muitos palavrões. Mas não posso, provavelmente pareceria que estou possesso. Estou é indignado! Como podemos viver olhando para nosso umbigo? Para um mundinho pequeno? Procurando explicações transcendentais que são resolvidos com cinco palavras ao invés de olhar para a dor? Não pode! Não cabe! Não dá! Pessoas morrem todos os dias por causa não do diabo, mas por causa do homem! Homo Sapiens! Milhares de pessoas na Faixa de Gaza morrem inclusive em nome de Deus! Países invadem outros e matam milhares em nome de Deus! Isso é homem! Homem! Não é Diabo! Pessoas morrem de fome por causa da sede, da fome, da péssima distribuição de terras, e nós preocupados com um ser que nem vemos! Como? Como é possível?! Vemos todos os dias miseráveis nas ruas, mendigantes, discriminados e não nos preocupamos. Mas o diabo que não vemos, ah, esse sim é perigoso! Não! Isso é Homem! Isso é Homo Sapiens! Isso sou eu! Eu! Eu! Penso todos os dias em meios de matar melhor uma pessoa, produzo armas cada vez mais precisas, penso em como me apropriar do outro, escravizo mão de obra, me educo e furto a educação dos outros, sou ambicioso, ganancioso, cobiço, sou mundano! Fui capaz de subjugar nações, capaz de destruir famílias, homens, mulheres, crianças! Fui capaz de matar seis milhões de judeus com uma precisão incrível, racionalmente, calculando, consciente! Sou Homem! Sou eu! Não Diabo!

E dizem que eu sou "racionalista" por tentar explicar estes fenômenos estranhos. Jamais, longe de mim! Pelo contrário, chamo-os de inexplicáveis. Não quero explicá-los, quero saná-los! Não em meu nome, pois sou eu o causador disso, mas no nome daquele que me salvou, Jesus Cristo! Racionalistas são vocês que querem explicar o como e o porque acontecem estas coisas, com quais palavras mágicas podemos resolver estes problemas. Racionalistas são vocês que não conseguem conviver com o desconhecido e precisam nomeá-lo! Precisam controlá-lo! Precisam estar em conflito com ele! Prestem atenção! Olhem para o que vemos, para a vida, e vejam que este é o menor dos males, o mais simplório. Percebam que a dor do mundo é causada por nossa racionalidade, por nossas mãos, por esta racionalidade que vocês utilizam para "combater o desconhecido". O mundo precisa de pão! Do Pão! De água, da Água! Precisa da Carne e do Vinho. Nós precisamos disto, não de demônios. Nós vemos, agora deixamos de ser cegos, somos então culpados! Nossa culpa, máxima culpa! Não nos prendamos a picuinhas religiosas, a manipulações da dor, a manipulações do "transcendente", e vivamos a vida, cuidemos da vida, sejamos a vida! Por favor! Deixem que do Diabo, o Diabo que o carregue!


Diabolos - aquele dividido em dois. Anda em dois caminhos. Duas caras.

Para "vencermos o Diabo", basta sermos íntegros e cuidarmos do ser humano como um ser, integral. Só que este "basta" é pesado demais né? Real demais para aceitarmos... Mais fácil derrotar o desconhecido, o inexistente...

Credo

Creio em Deus Pai Todo Poderoso; amoroso, misericordioso, gracioso, eterno e bom.

Criador dos céus e da terra; e de tudo o que há! Todas as coisas! Inclusive Criador de mim. Destas coisas que como diabo (do grego diabolos, que significa dividido em dois, dois caminhos, "duas caras") tenho matado, roubado, destruído, poluído, desgastado... Tudo por minha miserável ambição, miserável dualidade.

Creio em Jesus Cristo; a encarnação de Deus, o esvaziamento do divino em humano, o demasiadamente humano que tornou-se divino.

Seu Único Filho; o unigênito de Deus Pai. A revelação Daquele que é!

Nosso Senhor; meu Senhor, de quem me fiz escravo por ser livre! A quem entreguei minha vida depois de tê-la recebido Dele!

O qual foi concebido por obra do Espírito Santo; que refez o humano, transformou o coração, trouxe conforto, graça, paz e consolo.

E nasceu da Virgem Maria; mulher graciosa, revestida pela graça, mãe do Filho do Homem, mãe de Deus. Provavelmente estuprada por um romano, mas que por Aquele Espírito, teve sua dor transformada em Cura, na Cura. Sua desgraça em Graça, seu choro em Alegria, sua vontade de morrer na Vida Eterna. De seu ventre veio o Redentor.

Padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos; e sob o meu. Sob o dos homens. Sofreu nas mãos do poder humano, do grande causador das dores, do responsável pelo pecado. Sofreu sob nossas mãos.

Foi crucificado; com meus martelos e meus pregos, segurados por mim.

Morto e sepultado; descobriu as desgraças que somos capazes de fazer. Conheceu o preço da liberdade, a irresponsabilidade. Esvaziou-se de si, entregou-se a morte, deu sua vida.

Desceu em Hades; conheceu a profundeza do inferno, da ausência de Deus, da barreira que criamos entre nós e o Amor. Esvaziou-se de si, e foi preenchido com chicotadas, ofensas, escárnio, violência, solidão, completa solidão, e o pior de todos os males, a indiferença. Descobriu o inferno que seres divididos em dois caminhos são capazes de fazer.

Ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; ressuscitou! Recebeu as chaves da vida! Triunfou sobre a morte! Mostrou o que é viver, como viver e o que vale a pena na vida! Apresentou uma Vida Eterna! Encarnou um Reino.

Subiu aos céus; voltou para o Pai. Ao Reino que tentou viver.

E está sentado a destra de Deus Pai; ao lado Daquele que é Criador, Daquele que se esvaziou, Daquele que primeiro amou, Daquele que mesmo conhecendo o inferno que sua Criação é capaz de gerar, ama.

Todo Poderoso; amoroso, misericordioso, gracioso e bom.

E que há de vir a julgar os vivos e os mortos; com sua Justiça de Vida, Vida Eterna, seu Amor, Graça, Paz, Divindade... Além da compreensão humana, do julgamento humano. O Deus que em seu julgamento traz Vida!

Creio no Espírito Santo; aquele que refaz o humano, que consola, transforma corações e une a humanidade.

Na Santa igreja católica; não uma instituição, não paredes, mas uma universal e una família carregada de vida e de valores que transmitem a mensagem Daquele que deu a vida por nós. Unida por Aquele mesmo Espírito.

Na comunhão dos santos; não por serem perfeitos, doutrinados, regrados, rebanhos, mas sim por serem revestidos do Espírito, santos por serem demasiadamente humanos como Aquele Filho do Homem foi.

Na remissão dos pecados; mediante a graça, ao único sacrifício necessário, ao amor, o Verdadeiro Amor, que julga os vivos e os mortos e a eles derrama de sua Justiça, Paz e Graça.

Na ressurreição do corpo; de todo o ser. De tudo aquilo que o humano é. Do humano refeito, transformado. Do corpo dos santos.

Na Vida Eterna; que sempre foi, é hoje e sempre será! A Vida em abundância! A Vida do Filho! O Reino do Pai! O Reino dos Céus! Minha Esperança! Nossa Esperança...

AMÉM

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Depois de sabido, é impossível "dessabê-lo"

"Disse Jesus: 'Se vocês fossem cegos, não seriam culpados de pecado; mas agora que dizem que podem ver, a culpa de vocês permanece'."

Tenho um tio que diz o seguinte: "A ignorância é uma bênção". Claro, faz todo o sentido. Depois de sabido algo, é impossível "dessabê-lo". O problema do saber é que este consigo traz um fardo, um fardo árduo e pesado de se carregar; a culpa. Enquanto ignorantes bebemos leite. Enquanto esvaziamo-nos de nossa ignorância, ou nos enchemos de "sabedoria" (no sentido de saber algo), começamos a comer comida sólida. Depois de alimentado com algo além do leite, o leite é insuficiente. Parece que cada vez que conhecemos alguma coisa, esta coisa nos rouba uma parte de nós, e por medo de nos perdermos de tudo o que somos, corremos atrás dessa coisa que conhecemos para recuperar o que nos foi roubado. O problema é que neste percurso conhecemos outras coisas, e estas outras coisas nos roubam outras partes, e passamos a correr atrás das várias coisas que nos roubaram várias partes. Isso não pára nunca! A menos que desistamos da corrida ou morramos no caminho. Mas não conseguimos desistir, e se chegarmos a este ponto, lutamos contra nossas próprias pernas, entramos em crise com nós mesmos, a famosa "crise existencial". Depois de sabido algo, é impossível "dessabê-lo".

Se somos como cegos, ou estamos nas trevas, um homem cospe no chão, faz um barro, pede para que lavemos nossos rostos e passamos a ver, um homem é a luz que veio ao mundo para espantar as trevas. Entretanto, como é bom viver a escuridão, como é bom manter-me cego! Quão difícil é seguir o Filho do Homem! Mal tenho onde reclinar a cabeça! Depois de sabido algo, é impossível "dessabê-lo"! Mas esta é a condição da liberdade... Sentir o gosto de ser livre traz rejeição pela escravidão. Como é bom ser livre! "Foi para a liberdade que Cristo nos libertou!"; como é bom ter esta paz! "A minha paz vos dou"... Entretanto, quão difícil é assumir o controle da vida, como é difícil saber que decidir quem sou está em minhas mãos, como é viver sem Cristo depois de conhecê-lo! Como é difícil! Mas como é bonito! Depois de conhecida a vida, é impossível viver uma morte. Depois de sabida a vida, a Vida, a Vida Verdadeira, a Liberdade, é impossível "dessabê-la". Se agora enxergamos, carregamos conosco uma culpa, a parceira da nossa sabedoria... Depois de sabido, é impossível "dessabê-lo".

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Rebanhos... Apenas rebanhos...

Voltava hoje para casa, saído da faculdade, acompanhado por meu compadre Pedro Conceição (ótimo músico por sinal, aconselho que procure algo deste fera na internet). Discutíamos (dentro de nossas limitações) as influências de um pensamento chamado “marxista” em nossa sociedade, na nossa maneira de viver. Enaltecemos o brilhantismo de suas análises econômicas, suas críticas, e a incontestável e indiscutível complexidade de suas obras. Uma ciência tào difícil, e como percebemos, tão banalizada. Faz parte da boca de qualquer um. Mas não, este não fora o foco de nossa conversa, o objetivo era falar de suas influências. De modo bem simplista (como corre na boca deste qualquer um que te escreve), notamos que a solução de Marx para os problemas da sociedade capitalista era a consciência de classe por parte da “classe operária” (observação: hoje em dia quem é a classe operária?) e isso influencia ainda os movimentos sociais e os partidos de esquerda na busca por uma tal de igualdade. E é neste ponto, finalmente, que descobrimos uma influência sublime, suprema, elevada: a “consciência de massa”. Talvez não fosse objetivo de Marx, ou ainda, não foi ele quem inventou essa consciência, ou idéia de consciência, mas de sua teoria e também de sua ideologia, percebemos uma intensificação do agrupamento de rebanhos, do ajuntamento de bandos, das grandes manadas humanas... Das massas!

Setorizamos nossa sociedade. Marx ajudou bastante nestas divisões. Pessoas que buscam grupos que validem direitos que desejam adquirir, que conquistem algo que as torne parte da sociedade (que dialeticamente e' composta por estas, por sinal). Ser parte não é apenas ser cidadão, viver em um tal lugar ou manter relações de proximidade com os demais humanos, criar laços, é necessário levantar uma bandeira, seguir uma série de regras, doutrinar-se à molde de alguéns. Vivemos em constantes conflitos de grupos, não divergências humanas, mas batalhas de alcatéias. Essa noção de consciência de massa nos trouxe artifícios antes nunca pensados como o marketing e a mídia, o pastor e o cajado (não necessariamente nesta ordem). Aprendemos a manipular esta consciência, a controlar as manadas, a preparar cabrestos, caixas, grades e currais. Não guiamos mais nossos passos, mas somos empurrados e condicionados a acompanhar as demais pernas. Até precisamos repensar o ditado de “nadar contra a maré”, deve agora ser “caminhar contra a manada”.

Fomos influenciados por esta idéia de classe a nos fecharmos uns para os outros. Aquele que não pertence a minha classe não é digno de partir comigo o pão (ou o feno, sei lá). Como diz outro compadre meu, Rafael Diogo Valmoleda, “quem não pensa é pensado”. Somos pensados por nossa massa, deixamo-nos pensar por nosso bando. Inclusive na política! Delegamos nossa responsabilidade de governar nossa terra a bandos que representam nossos bandos e ainda culpamos a massa por escolher mal os bandos representantes. Que incoerência! Mais incoerente ainda é que nessa complexidade de massas, de massificação, as pessoas ao invés de se unirem, estão cada vez mais individualistas, mais indiferentes, mais blasé. A consciência de classe ao invés de incentivar a fraternidade e o cuidado por aqueles que fazem parte de manadas, incentiva o egoísmo, egocentrismo e mais algum outro ismo que exclua pessoas. Somos individualistas com uma moral de bando, quer dizer, ou sem identidade ou bem esquizofrênicos.

Como cristão, quando olho para as igrejas que fazem parte desta sociedade, ao invés de ver seres humanos que imitem o homem que foi mais humano, vejo gigantescas manadas cercadas e felizes em sua prisão, em seu pasto fechado. As massas religiosas, alienadas. Marx chamou os religiosos de alienados, mas não são apenas eles, todos somos alienados, fazemos parte de bandos. E aqueles que não são alienados, são alienígenas. Cristo compreendeu que ser humano não pode ser animal, não pode viver em bando, em grandes manadas, deve ser ser humano, indivíduo. Deve pensar para além de sua moral de bando, deve ser como o samaritano que interrompe sua viagem para ajudar um judeu largado quase morto a beira da estrada, deve aprender a curar no sábado e a se sentar com ímpios e pecadores, prostitutas e publicanos. Mas os cristãos não, sua moral de bando os impede de olhar para a miséria da vida, para a necessidade de um governar-se a si mesmo, de caminhar com as próprias pernas, de um amadurecer, crescer, explorar da sua humanidade. Não conseguem. Sua moral de bando chama isto de egoísmo! Veja só! Egoísmo! É egoísta pensar para além do que dizem que você deve pensar! É egoísmo olhar para a humanidade e ver seu flagelo! Egoísmo buscar respostas às perguntas que ainda não foram feitas, refazer a realidade! E enquanto esta moral esmaga o peito, pessoas morrem, o individualismo impera, o sofrimento aumenta e a liberdade clama por ser liberta...

Será que é pedir demais abrirmos mão de nossas manadas? Esquecer de nossos bandos? Deixar de sermos animais que andam como rebanhos e sermos humanos que são responsáveis por si mesmos? Já passamos da maioridade! Já é século XXI! Lembremos do que somos, sejamos o que deveríamos ser. Conversando hoje com meu compadre Pedro Conceição (lembra dele no começo do texto?), lembrei-me de Kierkegaard: "A contemplar as multidões à sua volta, a encher-se com ocupações humanas, a tentar compreender os rumos do mundo, este desesperado esquece-se de si mesmo, esquece do seu nome divino, não ousa crer em si mesmo e acha demasiado ousado sê-lo e muito mais simples e seguro assemelhar-se aos outros, ser uma imitação servil, um número, confundido no rebanho”. Desesperados! Rebanhos desesperados! Esquecemo-nos de nós. Classe demais e vida de menos. Temos um desafio de buscar a humanidade de cada homo sapiens, a potencializar o governo de si mesmo, a consciência da vida, não a de classes, mas a da vida. Isso não gera individualismo e egoísmo, mas independência e amadurecimento. Para aqueles que são mais religiosos, santidade e imitação de Cristo. Temos o desafio de deixarmos nossa organização animalesca e voltarmos a nossa construção humana.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A Palavra

João 1: 14

A Palavra de Deus. Letra? Texto? Bíblia? Não! Carne. Não! Sangue. Aquele que come este pão e toma este vinho, aprecia e degusta esta carne e este sangue todos os dias, o faz em memória dele. O faz em memória da Palavra. Denomina-se como santo. Santo não por si, mas pela Palavra. Santo não por uma vida regrada, mas por uma vida textificada: escrita com sangue e impressa na carne. Um valor vivido, uma Palavra encarnada.

A Palavra de Deus veio aos homens. A Palavra de Deus que se faz homem. A Palavra de Deus que é a graça e a verdade. A Salvação dos homens. Vimos sua glória, a glória do Único vindo do Pai. Cheio de graça e verdade. A graça que salva, a verdade que liberta. Conhecemos esta verdade, ela viveu entre nós, ela nos libertou. Vimos sua glória, glória do Único vindo do Pai. Por esta graça somos salvos. Vimos sua glória, glória do Único vindo do Pai. Uma glória que morre, uma glória que se esvazia, uma glória que fracassa. Uma glória sentada em um jumento, nascida numa manjedoura, morta assassinada como criminosa.

A Palavra de Deus testemunha. A Palavra de Deus martiriza-se. A Palavra que era no princípio e deixou silenciar-se. A Palavra que criadora fora calada pela criatura. A Palavra que por amor deixa o silêncio falar alto, muito alto. Tão alto que este clama pela Palavra. Clama pela luz. Luz que não é derrotada pelas trevas. Luz dos homens. Palavra. Carne. Sangue. O Deus encarnado, a palavra encarnada, o amor que se fez homem. Os homens que vêem este homem, encontram a Palavra. Os homens que vivem este homem, vivem a Palavra. Não é necessário ler, não é necessário falar, não é necessário ouvir. É necessário viver. A Palavra de Deus não se escreve, fala ou ouve, mas vive. Vive entre os homens, vem ao mundo, encarna-se.

A Palavra de Deus: Jesus de Nazaré, aquele que é chamado de Cristo.

Odisséia - Resenha Filosófica (Trabalho para a faculdade)

Livre para ser em devir frente a aleatoriedade

A Odisséia de Homero conta a história de Odisseu, o rei de Ítaca, que participara durante dez anos da guerra de Tróia e agora retornava para casa. Entretanto, este regresso não seria tão simples; Ítaca já não era mais a mesma, sua mulher Penélope não era mais a mesma, seu filho Telémaco já não era mais o mesmo, e inclusive Odisseu já não era mais o mesmo, aliás, ele mesmo buscava descobrir quem era. Os muitos anos distante desfiguraram-no e bagunçaram sua casa. Ítaca agora não tem um rei, Telémaco não tem consigo o pai e Penélope está acompanhada por pretendentes que desejam desposá-la por considerarem o marido desaparecido, que tenta redescobrir-se, como morto.

O retorno conturbado para casa sofreria intenperes e resistência dos deuses. Poseidon setir-se-ia afrontado e perseguiria Odisseu. Calipso aprisionaria Odisseu em sua ilha, Zeus destroçaria seu barco por causa de uma desonra cometida pelos homens de Odisseu aos gados de Apolo. O homem tenta encontrar-se, busca voltar àquilo que já foi. O homem em busca de ser homem, descobrir o que é ser homem, mas sofre na caminhada as interferências deste divino. Afinal, o que são estes deuses? Se este homem sofre dos destinos e nas mãos dos deuses, os incontroláveis deuses, como será que é livre? Qual liberdade, se é que existe, que este homem possui frente a este incontrolável? Como este homem descobre-se livre?

Independentemente dos desejos de Odisseu, de suas práticas, seus sonhos, metas e planos, quaisquer decisões tornar-se-iam ineficazes caso um deus decidisse intervir em sua vida. Para escapar de tal interferência, dependeria do consentimento e intervenção de outro deus. Logo, este homem está solto e rendido à aleatoriedade, não é capaz de controlá-la. Vive em um “salto de fé”, como diz Kierkegaard em seu livro “Temor e Tremor”, no qual apresenta a vida de um homem como se este estivesse suspenso sobre um fio, atravessando um abismo em completa escuridão e sempre arriscando o próximo passo, já que não enxerga a continuidade do fio.

Odisseu nunca pôde decidir o de “onde viria” e talvez jamais alcançasse o cumprimento de seu anseio do “para onde iria”. Seu destino é traçado, transformado e retraçado pelos seres divinos. Sua viagem é aleatória, não é boa nem ruim, triste ou alegre, do bem ou do mal, simplesmente é um percurso, é vida. Nesta aleatoriedade cabe então uma moral extremamente conveniente, que ora para o homem viajante situações iguais serão boas, ora más. Em detrimento deste aleatório chamado divino, gera-se então esta moral conveniente, jogada na conta de deuses, os inexplicáveis deuses.

Com a formação, delimitação e definição desta moral que a ele convém, o homem forja-se e procura formar, delimitar e definir aquilo que ele mesmo é. Face aos acontecimentos e desastres de sua jornada, Odisseu toma decisões e faz escolhas que resultarão, em sua somatória, aquilo que ele é: sua memória. Estas memórias, que em sua moral conveniente serão assistidas como boas ou más dependendo do que melhor convir, farão de Odisseu aquilo que ele é. Logo, a possibilidade de liberdade que o homem tem é de construir sua moral conveniente frente a aleatoriedade. O decidir como encarar sua jornada, como guardá-la em sua memória e como lembrá-la, então, decidir quem é. A liberdade de Odisseu não está em decidir o de onde vir ou o para onde ir, mas sim, no “quem ser”.

O homem não tem controle sobre sua viagem, mas tem controle daquilo que pode ser em sua viagem. Nisto surge outra questão: sua moral é tão conveniente que transforma-se sempre e a todo instante, nunca cristaliza-se. Claro, se esta moral cristalizar-se, não será uma moral conveniente, que adequa-se as vontades e ao percurso percorrido daquele que a rege, mas sim uma moral estática, absoluta e não participante da aleatoriedade. Logo, esta moral não participa da vida que se apresenta. A moral estática não trata da existência do ser, da liberdade do ser, mas do “não-ser do ser”, da morte ou aprisionamento do ser. Se este ser parar de transformar-se, ser em constante devir, para tentar consolidar o que é, na verdade perde o seu ser, morre, deixa de existir. Quando Odisseu vai ao Hades, fica perceptível uma diferença entre o mundo dos vivos e dos mortos na dinâmica de um e na inércia de outro. Enquanto entre os vivos as memórias se constroem, entre os mortos elas mantém-se sempre as mesmas, nostálgicas e eternamente estáticas.

Odisseu é livre para decidir quem ser ao enfrentar a aleatoriedade e confrontar-se com o incontrolável (viver a vida), mas seu ser nunca é. Este homem nunca pode viver estático, sua existência não se dá sempre igual, mas, pelo contrário, como tudo a sua volta muda e é aleatório, sua existência da mesma maneira tem que ser dinâmica. A vida sempre em devir, Odisseu sempre em devir. Sua existência, sua moral conveniente, sua liberdade, sua memória e aquilo que ele é nunca sendo, mas sempre em devir. Frente a aleatoriedade da vida o homem não é, mas descobre-se livre por poder escolher quem ser neste sempre devir.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Igreja sem paredes e hora marcada

"Amigos, apressem-se. Está na hora de irmos à igreja." - disse um rapaz.

O que será que diferencia uma igreja de uma casa? O que diferencia uma igreja de um shopping? O que diferencia uma igreja de qualquer outra construção dotada de paredes e portas? É interessante como numa frase simples está implícito um conceito de igreja que guia nossa religiosidade (no melhor sentido possível da palavra), nossa fé e nossa relação com o divino. É interessante como numa frase simples descobrimos que somos cristãos de hora marcada, Corpo de hora marcada, Igreja de hora marcada.

Definição básica de igreja: Corpo de Cristo/Noiva de Cristo/Sal da terra e Luz do mundo. Respostinha de nossas escolas dominical, mas sem reflexão de sentido e sem reflexão na nossa prática de vida. Não somos Corpo. Não somos noiva. Se somos, estamos desmembrados e divorciados. Não vivemos sob uma mesma missão e nem sincronizamos nossos órgãos (olhos, cérebro, coração...). Como igreja, aliás, mal somos humanos o suficiente para sermos comparados com um corpo ou com uma mulher. Nossas igrejas não tem alma nem dinâmica, são rígidas demais, fortes demais, com tijolos demais. Não somos luz, mas nos preocupamos muito com as contas de luz a pagar. Não iluminamos vidas e muito menos iluminamos da porta da igreja para fora, apenas para dentro. Enchemos de raios e claridade nossos palcos, nossos púlpitos e nossos cultos, mas do mundo mesmo, pouco somos luz. Sal? Só se for grosso jogado no chão. O partilhar da comida, do pão, do sal, não são pautas. Somos igreja de hora marcada, de lugar marcado.

Ser/Fazer igreja não tem como ser para si. Ser/Fazer igreja não tem como parar em paredes. Ser/Fazer igreja não tem como se limitar a hora marcada. Como naquela frase construímos nossa religiosidade? Nossa Fé? Nossa relação com o divino? Um belo bem-de-serviço. Vivemos para aumentar nossa casa, nosso negócio, nossa parede. Vivemos para cumprir nossos horários, nossos ritos, nossos compromissos com Deus. Pago minhas contas de fé e espero a entrega de meu benefício celestial. Construímos grandes templos, cheios de gente, cheios de paredes.

Corpo de Cristo. Noiva de Cristo. Sal da terra e Luz do mundo. Igreja não é parede, igreja é Corpo. Igreja não é parede, igreja é Noiva. Igreja não é parece, igreja é Sal. Igreja não é parede, Igreja é Luz. Igreja não tem horário, Igreja tem dinâmica. Igreja tem vida, tem libertadade, tem responsabilidade, tem submissão, tem gosto, tem visão. Igreja tem Humanidade. Igreja é gente. Gente que partilha de sonhos, que vive Cristo, que é Corpo, Noiva, Sal, Luz. Gente que vive Igreja todos os dias, que tem uma missão todos os dias, que sente a dor dos órgãos, a dor da vida, o sofrimento das discórdias, o desgaste da comida, a obscuridade e as trevas a sua volta. Gente que anseia por brilho, pelo Reino, que vive ser Igreja, que vive ser Cristo. Igreja que não está presa a um lugar, que não tem hora para começar e terminar. Igreja é vida, maneira de viver. Missão. Igreja não é parede. Igreja é pessoas.

"Amigos, apressem-se. Está na hora de sermos igreja." - disse o Cristo.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Sabedoria trágica

"Ser ou não ser?" - diz Hamlet. "O sumo bem?... Melhor não nascer, não ser, nada ser." - diz Cileno à Midas. "O que acontece com o homem bom, acontece com o pecador... Este é o mal que há em tudo o que acontece debaixo do sol: o destino de todos é o mesmo... e por fim eles se juntarão aos mortos." - escreve o sábio em Eclesiástes. "Quem prevê o que vai acontecer? Desordem reveza com ordem, Erros sucedem verdades. Em sua cegueira o homem ignora As vicissitudes das coisas..." - reflete Lao-Tsé. Pesado, triste, forte, trágico. Como destas coisas existe esperança? De onde vem uma vida? Uma força pra viver? Como pode o homem continuar em sua miséria, constatando sua miséria, vivendo sua vida limitada, resistindo à sua consciência de seu sofrimento?

"Das divergências surge a harmonia" (Heráclito). Uma sabedoria trágica, uma existência "Eclesiástica", a esperança que surge do "é o que temos para hoje". Se melhor fosse não nascer, não ser, nada ser, se somos, é o que temos para hoje. A vida é aleatória, incontrolável, caótica, mas é vida. Uma esperança que surge na possibilidade de ser, amadurecer, crescer, se formar, aprender e render a vida, mesmo que seja em meio a esta triste miséria, triste realidade. Uma esperança cristã. Uma força de Cristo. "No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo: Eu venci o mundo". Um Deus que se esvazia, se faz homem, sofre a miséria da vida, e vence. Vence? Sim, dá sentido, significado à sua existência e à própria miséria, aleatoriedade. Faz de seu nada valores. Faz de sua dor esperança. Faz de sua morte vida. E apresenta desta morte, uma nova vida.

sábado, 11 de setembro de 2010

"Apple Age"

Ser extremamente técnico, prático, objetivo, útil e cumpridor de tarefas específicas; esta deve ser a função de um ser na Era da Maçã. Sempre novo, incansável, desbravador de atalhos e descubridor de fins rápidos, "fast-food". Estas são as ações de um ser da Era da Maçã. A preocupação não está em percorrer um bom percurso, correr uma boa corrida, mas sim, inventar maneiras de estar na linha de chegada sem se cansar, sem desgastar, sem sofrer, sem sentir, sem perder, sem ganhar, apenas chegar quebrando todos os recordes de tempo e de espaço. O menor tempo no menor espaço. Fugindo da fadiga, fugindo da velhice. O devagar é descartável e o velho obsoleto. Estes são os padrões nesta Era da Maçã.

Interessante como numa era tão dinâmica a vida seja tão estática. Tudo corre tão rápido que não se percebe mais o tempo. Aquele ou aquilo que é novo logo tornam-se velhos, e nem se passou a vida. Na busca por mascarar a velhice precoce, a estética desenvolve-se. O novo que logo torna-se velho tenta manter as aparências, ouve músicas novas, acompanha a moda, mas todas estas coisas também já tornaram-se obsoletas. Um mundo inteiro descartável, uma praticidade tão prática que torna todos aqueles que a praticam, impraticaveis.

Os atalhos que logo nos entregam os fins prontos são tão úteis que nos tornaram completamente inúteis. Já não vivemos mais. Já não envelhecemos mais. Já não sentimos mais. Viver, envelhecer e sentir: privilégios e futilidades que não cabem em nossa nova era. O fruto que comemos era proibido, a caixa que abrimos continha todos os males e o Kronos que matamos nos roubou a humanidade. Somos imortais. Imortais que não vivem a vida, mas vêem-na passar. Um mundo tão dinâmico que tornou-se inerte. Tão mecânico que tornou-se estático. Somos obsoletos para esta nova era, somos obsoletos para a Era da Maçã. A criatura que engoliu o criador.

Qual fora o problema daquele Adão e daquela Eva no tempo em que maçã era um fruto e não uma Era? O problema de querer crescer antes do tempo, maturar antes da hora, ser Deus ainda sendo recém-nascido humano. Qual é o problema dos Adões e das Evas neste tempo em que maçã é Era e não mais fruto? O problema de querer crescer antes do tempo, maturar antes da hora, ser Deus ainda sendo recém-nascido humano. Comemos o fruto do-bem-e-do-mal, comemos um fruto que abriu um buraco em nosso estômago, um buraco que nos engole por inteiros, engole corpo-alma. Já não somos mais espírito. Este está muito fora de moda, não se adequa aos padrões desta nova era, Era da Maçã.

Porque não ouvimos Lenine? Porque não deixamos entrar em nós um pouco mais de paciência? Porque esquecemo-nos de Pessoa? E das pessoas? Porque não deixamos mais um Sócrates falar de virtude? Porque não paramos para fazer perguntas? Porque não permitimos um existencialista falar da existência? Porque escondemos nossas angústias? Porque um Lao-Tsé não pode mais falar seus poemas? Porque não compreendemos que fazemos parte de um Todo? Porque um Nietszche não pode mais criticar? Porque não escrevemos mais nossas vidas com sangue? Onde está o sangue? Onde está o coração? Fomos tão engolidos assim? Este buraco é tão grande assim? Agostinho falava dele, só não viu onde ele estava. Porque não podemos viver ao invés de sermos vividos? Será que é tão ruim sentir dor? Tão ruim ter medo? Tão ruim sorrir? Tão ruim ter angústia por causa de um amor? Tão ruim amar? Tão ruim morrer? Como saberemos se já não vivemos mais? Como querer cuidar da vida se não a conhecemos mais?

A Era da Maçã roubou-nos de nós. Precisamos de um freio. Precisamos aprender a percorrer todo o percurso, correr toda a corrida. Quem disse que ser feliz é estar na linha de chegada? Quem disse? Porque não pode ser percorrer o percurso para chegar lá? Será que a felicidade não está no caminho? Como saberemos se hoje temos apenas o técnico, o prático, o objetivo, o útil e o atalho? Nessa Era da Maçã este texto está obsoleto. O tempo gasto por quem o lê é desperdício. Que sentido faz ler um texto como este que não tem finalidade, não cumpre um papel, não muda o mundo, não é prático, não acelera e nem te dá uma resposta? Um texto que não apresenta atalho, mas na verdade quer voltar ao percurso? É completamente inútil! Não perca tempo, feche a janela e dê boas vindas a Era da Maçã...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Confessando que se conhece

Confesso: sou o culpado. Interessante como lemos aquilo que queremos. Sou culpado por ler diferente ou querer algo diferente. Sempre pensei (ou sempre pensamos) que o passo para tornar-se cristão era "Confessar os pecados". Confesso, peco em querer reler esse "passo". Não sei se fui ensinado ou se me ensinei a imaginar assim, mas quando pensava em confessar meus pecados, imaginava em relatar a Deus ou Jesus ou sei lá quem a lista de falhas cometidas desde o último confessionário. Fantasiava Deus esperando para ouvir palavra por palavra todos os erros cometidos, para daí então, graças ao que chamava de "Graça", esquecer de tudo o que tinha feito. Mas claro, antes eu teria de explicar e reconhecer os feitos.

Estava lendo essa semana a Primeira Epístola de João, e me deparei com o seguinte no capítulo 1:

"6 Se afirmarmos que temos comunhão com Ele, mas andamos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. 7 Se, porém, andarmos na luz, como Ele está na luz, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, Seu Filho, nos purifica de todo pecado. 8 Se afirmarmos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. 9 Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça. 10 Se afirmarmos que não temos cometido pecado, fazemos de Deus um mentiroso, e a Sua palavra não está em nós."

"Conhece-te a ti mesmo". Os gregos mandavam muito! Resumiram bem demais esse versículo. Como? O que uma coisa tem a ver com a outra? Este trecho não está falando de uma "causa e efeito", de uma obrigação, de uma prática religiosa e muito menos de uma ação literal. Prestemos atenção ao que me chamou atenção: a condição de estar na luz, caminhar com Deus, não é a ausência de pecado, como diz o versículo 8 ("Se afirmarmos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós"). Precisamos confessar os nossos pecados, essa é a condição. Mas o confessar neste caso não é o catalogá-los a Deus ou caminhar com uma culpa angustiante, é na verdade, reconhecer.

Se afirmar que não tenho pecado é enganar-me, significa na verdade que ou sempre estou pecando (e nesse caso o gerundismo não é vício de linguagem e nem erro gramatical) ou sou pecador por natureza (tendo em vista que pecador por natureza não significa que sou geneticamente mal, mas simplesmente que não sou divino, não sou Deus). Logo, o confessar meus pecados é assumir esta minha condição de pecador, de humano, a condição de que peco. E esta condição (como esclareço em outro texto meu deste blog: "Pecar é Humano") não é ruim, má, errada. Apenas não é divina. Esta condição faz parte de nossa liberdade, de nossa vida independente, de nosso amadurecimento. Conheço-me a mim mesmo e compreendo que peco, sou pecador. Agora, começo minha caminhada sem culpa.

A verdade está em reconhecermos quem somos e caminharmos na luz. Agora, o caminho chamado "luz" é a comunhão uns com os outros do versículo 6. Por isso João apresenta essa relação. O que me ensinará a, sendo pecador e conhecedor de quem sou, tomar decisões que me comunguem com Ele, é a comunhão com os outros. Logo, o problema não é a consciencia de ser pecador ou a natureza de pecador, mas, se frente aos outros e sua comunhão eu não opto por manter esta comunhão, afasto-me da luz e caminho para as trevas, logo, não amadureço, não sou purificado deste pecado, não caminho para o amadurecimento.

E tudo isto para dizer: "Conhece-te a ti mesmo". Confesse-se. "Conhece-te a ti mesmo". Depois de confesso, descubra como caminhar na luz. A luz é a comunhão com os outros. A comunhão com os outros é o que nos purifica e nos comunga com o Pai, aquele que, diferente de nós, é livre mas sem pecado.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Máxima "brunísticas" - de Bruno Reikdal

- A ambição imposta por um é compartilhada por ambas as partes.

- Filosofia se faz com Peter Pan.

- Ao invés de dizermos o que a vida diz, ouçamos o que ela tem a dizer.

- Ao invés de dizermos o que a Bíblia diz, deixemos ela falar.

- Homem não é bom nem mau, é apenas Homem.

- Homem é homem em qualquer lugar, em qualquer tempo, sendo qualquer um...

- Para aprender, esqueça tudo o que já "sabe".

- Nenhuma parte explica-se por si mesma.

- Porque nos entristecemos quando alguem novo morre? Porque imaginamos a tristeza de não ter a oportunidade de ao menos ser recordado...

- Os deuses são eternos infelizes.

- Não tenho fé por causa de um pós-vida, pois minha vida não é uma grande barganha. Não negocio com Deus. Apenas vivo como homem e caminho para a certeza que tenho: hei de morrer e ser esquecido. Entretanto, a morte e o esquecimento terão de valer a pena.

- Não queira enxergar o mundo através de óculos, enxergue o mundo com seus próprios olhos. Pois, quem disse que nós temos miopia?

- Para além do sentido, é necessário um significado. O sentido orienta, mas o significado é quem fortifica.

- Não sou nem Deus e nem Diabo. Não sou nem Imortal e nem Idiota.

- O extremo da liberdade é, no universo, a solidão.

- O que sei é que a vida é vida e vale a pena viver. Vida pela vida. Curta a curta vida...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Imortais: eternos infelizes!

Hoje andava com uns amigos na rua depois das aulas na faculdade, e lemos uma placa assim: "Jesus Salva", em vários postes e em várias paredes. Meus companheiros filósofos e eu, começamos a questionar-se sobre esta "salvação" com um ar irônico e rindo muito, até chegar ao ponto de um de meus parceiros de caminhada dizer: "Vamos escrever em cima do 'nome' a palavra Filosofia, 'Filosofia Salva'!". Então refleti rapidamente e apresentei uma nova idéia, uma nova crítica, um novo questionamento. Algo que até então nunca passara em minha cabeça. A questão não é "se salva", ou "quem salva?", mas sim, de quê salva? Seja Jesus, Filosofia ou Genésio, salva de quê?

Como cristãos cheio de respostas prontas, somos salvos da "morte". O problema é definir que morte: física? Espiritual? Aquela que nenhum da qual nós pode fugir? Pois bem, para respondermos a isso tudo (esta é uma daquelas perguntas as quais não temos certezas mas precisamos encontrar respostas), precisamos encarar os fatos que em nossa existência se apresentam: tudo tem um fim e nós caminhamos para a morte. A única resposta categórica da vida é que ela morre. Não temos segurança em uma existência que continue depois da morte, não temos certeza de uma vida para além desta, não temos certeza de algum tipo de continuação. A única categórica é a morte certa.

Pensando nisso, não posso tentar alienar aquilo que tenho para viver e/ou fugir da minha própria existência. Aquilo que dá sentido a vida é a morte. É o norte que guia a vida e que possibilita valores e significados para os momentos vividos dentro da existência efêmera e crua. O que faz da vida vida e do homem homem é a morte. A condição primordial e definidora daquele que vive é o destino imutável de morrer. Se admiramos um imortal, não admiramos um vivente, mas apenas um existente. A existência por si não tem sentido, apenas existe. Agora, quando ganha um fim, um ponto final, recebe uma dádiva, um sentido, um significado e pode então ser chamada de vida. Logo, a morte da qual Cristo vem nos salvar não é aquela física que nos "dá a vida", mas aquela que nos rouba a vida. A morte da qual somos salvos é aquela que enquanto vivos estamos mortos. Não saber viver, ou ainda, não fazer com que a vida seja uma vida abundante, uma vida eterna, é a morte. Não amar o próximo, não caminhar com dignidade, humildade, ser prudente e respeitador da vida, gerar vida, é a morte, é estar morto, não salvo.

Portanto, somos salvos de nós, daquilo que nos rouba a vida e nos faz morrer enquanto vivos. A promessa não está em uma troca de vida regrada por vida eterna. Aliás, a idéia de salvação não pode ser uma negociata e nem é uma barganha com Deus. Vivo tal qual ele aconselha e ganho de presente a continuação de minha existência. A Salvação está em descobrir o valor do dom divino, do presente de Deus: da Vida. Jesus salva da morte, daquilo que rouba a vida, do pecado. A existência humana depende de uma morte para ter vida. Negá-la é negar a mensagem de Cristo. Negá-la é não ser humano. Na nossa tentativa de ser divinos, invejamos a imortalidade de seres que são eternamente infelizes, por exemplo as divindades gregas. Os deuses são eternos infelizes. Por isso na mitologia utilizavam dos homens para ferir uns aos outros. Já que nenhum morria, o único sentido de sua ira ou felicidade era naqueles que viviam, nos mortais viventes, os quais em suas limitações e imperfeições eram a dependência dos deuses para suportar sua enfadonha, sem graça, depressiva e sem sentido eternidade. A eternidade só tem valor se antes de si existir a vida, que é a existência norteada pelo fim.

Não tenho fé por causa de um pós-vida, pois minha vida não é uma grande barganha. Não negocio com Deus. Apenas vivo como homem e caminho para a certeza que tenho: hei de morrer e ser esquecido. Entretanto, a morte e o esquecimento terão de valer a pena.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

"Carpe-diador"...

Depois de anos ouvindo sobre o "Carpe Diem" (Aproveitar o Dia), talvez finalmente tenha começado a compreender esta idéia...

Há o que há. Não o que foi ou o que será. Mas apenas o que há. É estranho pois chamamos o que há de "presente", mas o tratamos como uma maldição, problema ou merecedor de rejeição. Preterimos a única coisa que temos (a vida) pelo que ainda não temos (a morte). Preferimos aquilo que já morreu (o passado e os nossos egos anteriores) como algo bom, o que denominamos saudosismo, ao invés de olhar para a vida que se apresenta e caminhar passo a passo, escolha a escolha. Ou ainda, preferimos e sonhamos com aquilo que ainda não é, aquilo que não existe (que ainda está morto, em estado de dormência). A questão é que a vida só pode ser vivida dentro daquilo que há, daquilo que chamamos de presente, ou ainda, dom de Deus. Qualquer jornada na vida que não for trilhada passo a passo, escolha por escolha, ou não é jornada, ou não é vida. E o contrasenso, é que viver as escolhas passo a passo (o que leva mais tempo) é o que nos faz aproveitar cada segundo da vida melhor, enquanto que não pensar em cada passo pode nos custar todo o tempo.

Aproveitar o dia, Carpe Diem, é escolher bem. Viver bem é escolher bem. O lugar ao Sol só se faz presente se tiver consigo presente as boas escolhas. Não se pode categorizar o que são boas escolhas para uma boa vida, quais as decisões que nos tornam "carpe-diadores", mas sabe-se que o crivo, o critério para sua validade é a consciência de que tudo é breve, tão breve que em segundos é possível deixar escapar o infinito, e que o eterno as vezes escorre em segundos. A vida é uma caminhada. Não uma caminhada qualquer, mas uma caminhada num rio raso, onde não deixamos marcas, caminhamos sozinhos, sem fórmulas e sem enxergar onde os outros passaram, já que as águas nunca são as mesmas. Decidimos por nós qual o caminho, cada passo sendo único, num lugar específico, com águas unas...

A beleza da vida está nela mesma. Conseguir transformar e vivenciar os dias tais quais se apresentam a nós. Aprender a rir, chorar, sonhar, dormir, correr, cair, irradiar, sofrer, viver e morrer. O destino não tem autores e nem a aleatoriedade culpados. Não estamos naquilo que queríamos ou somos o que gostaríamos de ser, apenas somos. Só há o que é. Há o que há. Por isso, Carpe Diem...

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Conhecer-se: Ser livre...

Transcender as fronteiras é o primeiro passo na busca do "quem somos nós". Quem sou? Quem é? Quem somos? O que ser? Hermann Hesse em seu livro "Caminhada" escreve: "Sob muitos aspectos o andarilho é um ser primitivo... mas é o desdém pelas fronteiras e pela vida sedentária que torna seres como eu [andarilho] os guias do futuro.". Aquele que pretende e sonha com o conhecer-se a si mesmo precisa ser um destes andarilhos. Homens e mulheres que não permitem que o horizonte delimite e separe o céu da terra, os azuis dos ares e das águas. O problema é que aquilo que os olhos não alcançam ou não enxergam nos assusta. Imaginar um mundo para além daquele que se apresenta é assustador, querer contrariar destinos e lutar contra os "deuses" exige muito da vida. O sonho de liberdade pode acabar nos prendendo.

Na busca de quem somos, do conhecer, da essência e do transformar-se, visamos simultaneamente a liberdade. Poder escolher o caminho, trilhar com as próprias pernas, ser independente das regras e exigências, desprendido de imposições, ter consciência de si e tomar as rédeas da própria vida requer compreender a responsabilidade disto. Ser livre, ser o que se é no íntimo, exige da alma uma consciência sempre presente, um comportamento sempre diferente dos outros, sempre maduro e sempre em amadurecimento. A liberdade assusta. Conhecer-se assusta. Descobrir aquele que vive em mim é difícil demais. Ser aquilo que sou, ser livre, requer muita responsabilidade. Mas: "Vos envio como cordeiros no meio de lobos", "Para liberdade que fomos libertos", "Se quiser vir após mim, tome sua cruz e siga-me"... A dificuldade de assumir a vida é que esta só é assumida ser for com o preço da liberdade, e esta com o peso da consciência...

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Admirável Deus Novo

"- Mas se os senhores não ignoram Deus, por que não falam Nele? - perguntou o Selvagem, indignado. - Porque não permitem a leitura desses livros sobre Deus?
- Pela mesma razão por que não apresentamos Otelo: eles são antigos. Tratam de Deus tal qual era a centenas de anos, não de Deus como é agora.
- Mas Deus não muda!
- Acontece que os homens mudam.
- Que diferença faz?
- Um mundo de diferenças..."

Este trecho tirei a uns meses (talvez ano) atrás. É de um livro antigo, de Huxley, "Admirável Mundo Novo". Na "cena", um homem que vivia fora da civilização "super-moderna" conversa com um dos líderes desta civilização. Nos tempos futuros descritos e imaginados por Huxley, não existem mais doenças, nem reprodução sexuada, velhice e desordem social, tudo é controlado. Ninguém se entristece (ou quer se entristecer), e em contra partida ninguém sonha (ou conhece o que é sonhar). Eu acho brilhante esta ficção em que Deus ainda existe, mas ninguém imagina sua existência. O "fim de Deus" acontece com o fim da necessidade, ou melhor, dos desejos humanos. Sem desejos das criaturas não há necessidade do Criador:

"- Então o senhor acha que Deus não existe?
- Ao contrário, penso que muito provavelmente existe... Mas ele se manifesta de modo diferente a homens diferentes. Nos tempos pré-modernos, manifestava-se como descrito nesses livros. Agora...
- Como ele se manifesta agora? - perguntou o Selvagem.
- Bem, ele se manifesta como uma ausência; como se absolutamente não existisse."

Para um bom religioso talvez essas imagens assustem, para um fiel elas encantam. De fato, se Deus se relaciona como um assistencialista que tem por responsabilidade e preocupação atender aos desejos humanos, com o fim dos desejos ocorre o fim de Deus. Se as nossas petições e orações são uma relação de troca ou de crédito, com o fim dos desejos há o fim de Deus. Se é assim que funciona a coisa, talvez por isso é que Deus não responde a todas as orações, para que sua "função" não se torne obsoleta. Talvez a ciência seja inimiga de Deus. Mas, graças a Deus, não é assim que a coisa funciona.

A necessidade de milagres e realizações de desejos aponta para uma fé fraca, uma distância de Deus. Como isso? Bem, se Deus é o Todo-Poderoso e que a tudo enche, quanto mais próximo Dele, menor deveriam ser as necessidades. Aliás, menor os desejos. Por que? Não porque Deus realiza os desejos antes de serem pedidos (já que não é nem vidente e nem gênio da lâmpada, é Deus), mas porque quanto mais próximo Dele mais perceptível é a necessidade de apenas uma coisa: Deus. Só tua graça me basta. A relação com Deus não é em troca de desejos atendidos, mas do único desejo que faz sentido, o "desejo de necessitar de Deus". Não necessitar que opere milagres, mas a necessidade de que a vida só tem significado e só gera mais vida se for em parceria com Ele. Fomos feitos "Nele, por Ele e para Ele". A minha motivação para viver é Deus, é Ele, seu amor. A graça que me basta. Agora, quem vive sou eu, somos nós. A nossa paz, nossa segurança, nosso norte, nosso caminho, nossa verdade e nossa vida é Ele, mas quem vive somos nós. O incentivar a vida, eliminar e erradicar doenças, planejar famílias, acabar com a fome, desordem social, indiferença e desigualdade é nossa vida, nossa "função". Tentar se aproximar disto é tentar se aproximar do que é o Reino de Deus, é buscar o Reino de Deus. Entretanto, para isto é necessário rever quem é Deus para nós, aliás, quem somos nós, já que Deus não muda, mas o homem sim, e isto faz um "mundo de diferenças".

Portanto, façamos um mundo diferente. Façamos homens diferentes. Transformemos a nós para nos relacionarmos com Ele. Deus não morre, Deus não some, mas o homem matou e hoje esconde quem é Deus.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Pecar é humano

Para quase todos os homens "errar é humano". Quase todos. Para os religiosos ser humano é ser errado. Interessante esta sentença, já que é a negação de sí mesma. Um homem que rejeita sua humanidade, vai entender?! Uma crise existencial adolescente em um religioso, independente de idade. Não quer aceitar o que é, almejando, ao contrário, ser outro ou até mesmo aquilo que não é, nunca será ou jamais poderia ser. Excesso de confusão. Tudo porque crê que errar é proibido, pecar é ultrajante e esta parte do ser humano irrita a Deus, ou incita sua ira. Uma percepção de ação e reação divina frente a vida de sua criação. Mais interessante ainda é que na religião a qual sempre me refiro (cristã), a "salvação" ou perdão divino não é meritório, mas baseado na Graça. Deus dá a quem dá por amor e não por "méritos ou obras".

Essa negação ou rejeição pelo humano, pelo erro, muito bem expresso naquele velho ditado, é invejar o divino, e não se relacionar com Ele. Julgar e castigar o pecado em nome de Deus é na verdade querer ser igual a Deus, tradicionalmente pecado ligado à um tal de Lúcifer (que não conheço). Exigir do homem ser perfeito é o mesmo que pedir para "as pedras falarem". O humano não é ruim, se firmar no humano é que mata. Errar faz parte do ser humano, é consequência de ser natureza criada. Ser perfeito o tornaria Deus (Criador) e não mais humano (criatura). Agora, se firmar, confiar e tentar gerar vida enraizado no homem não cria, mata. Se pecado for aquilo que atenta contra a vida, pecadores (que vez por outra geram morte) não podem por sí só querer ter vida, é necessário que sejam auxiliados por algo ou alguém que nunca pecou, no caso cristão, Cristo. O Deus encarnado que gera a vida, e vida eterna. Não peca ou não pecou.

Toda essa "filosofada" para pender e compreender uma afirmação: "pecar é humano, mas satânico perseverar nele". Kierkegaard elucida sobre isto. Chama muita atenção a idéia de que carregamos culpas e remorsos por quebrar regras institucionais, denominacionais ou doutrinárias, esperando em resposta o castigo. Pois cremos naquela idéia de que o erro é abominável, quando na verdade o incompreensível é o permanecer no erro. O pecado não seria em sí um ato, mas uma prática. Não seria um instante, mas uma continuidade. O problema é ir contra a consciência que se expande, o problema é não se arrepender, o "t'shuva" hebraico (mudança de caminho), a "metanoiete" grega (transformação de mente). O problema é insistir em pecar consciente, resistir a vida conscientemente.

Shakespeare, em Macbeth, diz: "Coisas mal começadas tornam elas mesmas fortes pelo mal". É uma síntese do pecado. Começar mal incentiva o continuar mal. A beleza de ser "anti-vida" é que a morte nos dá poder, as cócegas do ego humano. Nos empurra a fortalecer-nos em nós mesmos. A fazer o que não deveríamos, criar confiando no que somos e só, repetindo o que disse dois parágrafos atrás, isso mata. Necessitamos de uma parceria divina. O homem perfeito é incompleto. A grande sacada para a caminhada é esta, somos perfeitos ao sermos incompletos. Precisamos agora de um relacionamento com o completo que preencha e superabunde nossa finitude, nossa incompletude. "Onde habitou o pecado superabundou a graça". Não são necessários julgamentos, culpas, castigos ou rejeição da própria existência. O que é necessário é o (re)conhecimento de sí para continuar a caminhada...

terça-feira, 1 de junho de 2010

Paradoxando mais um pouco...

Os medos, a solidão, a pequenês e a indiferença do tempo praticamente nos obrigam a sermos dependentes. Não necessariamente de entorpecentes ou drogas, mas sempre dependentes. Nos sujeitamos ao controle ou poder de algo ou alguém, criamos amuletos, inventamos superstições, construímos um chão que não existe para garantir um tipo de segurança. Viver frente ao incerto, ao indeterminado, ao puro "azar" nos amedronta. Precisamos ser dependentes de alguma coisa que nos deixe firmes, imponentes, "poderosos". William James, filósofo pragmático inglês, diz em seu pragmatismo que ou amor ou esperança ou Deus, são a mesma coisa. Coisas inexistentes que chamamos a vida para sentirmos paz, alívio e segurança. Em suas palavras: "criamos Deus para nos sentirmos bem".

Entretanto, não creio que seja um mérito religioso este de criar dependências. Faz parte do ser humano. Orgulhosos, prepotentes, metidos e sabidões, sempre temos as respostas e as razões. Logo, na falta de uma certeza, frente ao indeterminado, incerto, precisamos criar nossas dependências. Chamemos também de ilusões. Escravizamos a nós mesmos. "Não sou nada sem você", dizemos uns para os outros. Criamos uma dependência escravizante, que ao invés do "amor ao próximo" nos tornar parte de um todo, torna o todo como nosso, nossa posse. Sem esse todo perdemos nossa certeza, nossa potência e, no fundo, nossa dependência. Assim como o "amor a Deus", que se torna uma sequência de atos religiosos, ritos, que "garantem minha boa estadia na terra". Atos religiosos vazios, que não valem nada, são apenas atos, que são desvalorizados a ponto de serem aquilo do que nossa vida depende. Ao invés do que era para ser bom gerar vida, rouba-a.

Iludimo-nos, nos escravizamos, nos infantilizamos e nos forçamos à ignorância. A consciência é uma bênção e uma maldição. Uma vez ciente da verdade, eternamente será incomodado por ela. Querer se livrar dos vícios traz uma realidade bruta: a vida. Por isso é muito mais fácil fechar os olhos para o que há e ser dependente de minhas ilusões. Ocupar os dias e os espaços com bastantes atividades e sons faz bem para afastar a indiferença do tempo e estreitar a relação com as dependências. O problema é refletir sobre a fuga dos vícios. Daí vem o paradoxo que mais tem me incomodado nos últimos tempos, a mensagem que a minha religião prega e seu grande desafio: "ensinar liberdade e independência e ao mesmo tempo responsabilidade com a vida e com o outro."

É incrível como o uso de uma mensagem de libertação, independência, gerou prisões e senzalas religiosas. Mas isso acontece na sociologia, na política, na filosofia e em qualquer outra área da expansão da consciência humana. Idéias, pesquisas, mensagens e projetos que eram para a liberdade, usados contra a independência. O Cristo que conheci ensinava às pessoas a tomarem as rédeas de suas vidas, para que caminhassem com seus próprios passos, tomassem suas decisões não baseados em leis, regras de conduta, amuletos, líderes ou cartilhas, mas por uma consciência de liberdade, consequentemente de amor. Se tem uma definição de amor que eu gosto é do gesto livre que não exige nada em troca, nem a correspondência do outro ou até mesmo o outro. Só há amor entre duas pessoas se estas forem independentes entre si, puderem decidir amar, ou seja, serem livres para quererem o outro simplesmente por si e pelo outro. Se numa relação um destes se aprisionar, já não é amor, e sim dependência. A nossa caminhada deve ser de buscar uma independência e ao mesmo tempo responsabilidade, consciência pelo outro. Precisamos gerar no outro também independência e consciência de responsabilidade.

Desprender do que aprisiona, valorizar o tempo, compreender as relações, ensinar, aprender, não criar certezas mas reconhecer as dúvidas, agir sem esperar recompensas e não iludir ou ser iludido. Se encantar pela vida, pelo que de fato ela é, abre uma bela trilha a se caminhar. Uma trilha interessante, pois não se sabe onde chega o próximo passo, não se tem idéia onde termina ou como termina, mas se sabe que é tomada consciente, concretamente. Não é uma viagem rumo a um lugar especial. Como diz Sören Kierkegaard, a vida é como se estivessemos suspensos no escuro sob um fio em um abismo, não sabemos onde dá o próximo passo ou se no próximo passo ainda haverá fio, não vemos o caminho, mas todos os dias damos um salto de fé. E o mais belo, é que fé não é ilusão, não é sonho, não é certeza, é sim confiança. Não sabemos onde dará, mas continuamos caminhando, confiando que se há uma vida a ser percorrida, que seja por inteiro, intensamente, vivida em abundância. Independentes, passeamos pela vida passo a passo. Nem parados e nem desesperados, mas apreciando e refletindo no passeio.

É um paradoxo. Ser livre e responsável pela vida. Ser independente e responsável pelo outro. Ter esperança e não ilusão. Querer saber tudo para chegar a conclusão de que não se sabe nada. Ter certeza de que temos dúvidas. Depender da vida é criar a morte. Ser independente é aprender a morrer para o que nos prende. "Quem acha a sua vida a perderá, e quem perde a sua vida por minha causa a encontrará".

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Paradoxando

A vida que a vida nos reserva é sempre paradoxal. Para que haja vida é necessário que exista a morte. Para ver o que é bem é preciso enxergar o mal. Bom e ruim. Doce e amargo. Dor e alegria.
A maior virtude e a maior desgraça do homem é a sua necessidade de se relacionar.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Do cão eu sou dono

Ficar sozinho e em silêncio é, num primeiro momento, assustador. Silenciar tudo para ouvir-se é muito pior. Esvaziar a mente, congelar os movimentos, deixar a alma livre para se expressar como quiser é o próprio desespero. Pois entramos em contato com aquilo que mantínhamos preso para não espantar os outros. Ouvimos os latidos daquilo que somos e não queríamos ser, os uivos do que tentávamos segurar na coleira, esconder na casinha ao fundo do quintal, para não pular a cerca do coração e invadir as casas vizinhas.

Tenho um companheiro de caminhada que admiro muito e é pastor, que algumas vezes ao pregar, citava uma música de uma banda de rock brasileira (a qual não lembro o nome) que dizia em seu contexto que apenas somos nós mesmos quando estamos sozinhos nos nossos quartos, quando ninguém nos vê. Isso é o que nos assusta, descobrimos quem somos, como é o cão que alimentamos no fundo do nosso quintal. Esse mesmo pastor,conta uma história de um índio que dizia que dentro dele existiam dois cães, um bom e um mal. Todos os dias estes cães brigavam, e vencia aquele que fora melhor alimentado. Este é o problema de ficar em silêncio, ouvimos o rosnar dos cães.

Em alguns textos do blog, dissertei ou expressei meus pensamentos sobre o "mal", "demônios", "Diabo" e afins. Neste, pretendo continuar a linha de pensamento que guiou aqueles. Assistindo um filme uma vez, ouvi um diálogo que me abriu os olhos:
"Você não acredita nos homens?", "Sim, nos homens eu acredito. Só não confio no demônio que existe dentro deles". Se existe algo que me assusta, é o Diabo. Mas não aquele chifrudo, vermelho, com tridente e cara de mal, e sim aquele que se parece muito comigo, aliás, que existe dentro de mim. Aquele do qual sou dono e alimento todos os dias. Se existe alguém que precisa ser "amarrado", esse alguém sou eu. Se existe alguém que precisa ser "expulso", esse alguém sou eu. Não o "eu" inteiro, mas aquele eu que luta comigo, aquele eu que quer a mim e não ao outro. Aquele eu egoísta, que mente para o seu bem, que vive para seu nome.

Lutero "lutava com o Diabo" durante as noites. Dizia-se tentado e perseguido por ele, por isso as noites quando o via, lutava e "vivia em pé de guerra". Lutava consigo mesmo. Era tentado pelo cão que ladrava alto querendo ser solto da coleira e fugir do quintal. E nesse caso, esse cão ladra e morde. Temos um chamado cristão para aprendermos a lidar com esse "eu", com esse cão que existe dentro de cada um. Aprendermos a morrer para nós mesmos, seguir os passos de um Cristo que esvaziou-se de si, viver numa única Lei, o Amor, pensar no outro, ser o outro, sentir a dor do outro e compreender que a vida ganha não é baseada no meu egoísmo mentiroso, no meu Pai da Mentira que me tenta em meu deserto, mas sim aquela que é dada pelo outro, testemunho para o outro, mártir para o outro. Menos de mim e mais de Deus, mais do outro. Hoje não sou mais eu, mas Cristo vive em mim.

Precisamos aprender a sermos livres! A não ouvir mais os latidos e os uivos deste cão insaciável quando ficarmos só e em silêncio, quando nos retirarmos para nossos desertos. Precisamos compreender que para liberdade fomos libertos, para tomarmos nossas atitudes de maneira independente, consciente, humana e não canina. Sermos homens e mulheres humanos, e não apenas animais que vivem influenciados por ladros, uivos e instintos. Sermos conscientes, livres, maduros, capazes de dar os próprios passos e trilhar a carreira que é proposta. Sem medo de nos apresentarmos por inteiro, sermos íntegros, abrirmos nossas casas e mostramos até o nosso quintal.

O meu maior medo não deve ser um terceiro, não deve ser um adversário, mas o meu eu, o meu cão, o meu Diabo. Para onde fugirei de Deus? Seja onde for sempre estarei em suas vistas, e aliás, frente a Deus sempre estou nu, desprotegido, inteiro. Não adianta ocupar a vida para não perceber o silêncio e o aquilo que somos, pois uma hora chega os dias de deserto e os latidos aumentam. A coleira não é forte o suficiente para segurar para todo sempre. Mas preciso aprender a guardar a Palavra em meu coração, preciso aprender a me entregar por inteiro, preciso aprender a me transformar todos os dias, a morrer todos os dias, para de glória em glória ser semelhante a Cristo.

A minha caminhada deve ser menos de mim e mais do outro. Deve ser o amar ao próximo como a mim mesmo. Não fugir de mim, não esconder o que sou, mas entrar em contato com isto, ver, ouvir e reconhecer meus cães, para ser transformado, para aniquilar a mim mesmo, esvaziar este meu eu, e deixar que Cristo viva em mim. Do cão eu sou dono, e preciso decidir se quero no dia mal, no silêncio, no deserto, na noite, ouvir uivos e latidos, ou descansar Nele, entregando meus medos e ansiedades em Suas mãos, trabalhando com parceria e cumplicidade, reconhecendo a necessidade de mudança, silenciando este cão, e ainda que ande pelo Vale da Sombra da Morte, não temerei mal algum, ainda que tudo se cale e eu veja quem sou, não temerei mal algum, ainda que tudo aconteça não temerei mal algum, pois Tu estás comigo. Do cão eu sou dono. Agora, quero ouvi-lo e silenciá-lo? Ou quero escondê-lo e esperar que solte-se da coleira?

terça-feira, 18 de maio de 2010

Erro Pedagógico

"Errando que se aprende", se esta frase estiver errada, até que faz sentido. Erramos muito ao repeti-la, e hoje, acho que aprendemos que deve ser reconstruída. Não faz mais sentido, e nem cabe no cotidiano e na aprendizagem de um ser humano do "século XXI", depois de bilhões de anos de evolução, milhares de anos do homo sapiens, milhares de anos de filosofia, 2 mil anos da era cristã, expressar a idéia de que só depois de cometido um erro é que se aprende.

Repensei e "filosofei" sobre esta máxima depois de muito ouvir dentro das igrejas que "Deus permite o erro pois sabe que é pedagógico", que ele nos perdoa e nos permite "pecar" (cometer infrações ou erros) porque é "errando que se aprende". Dizer que o erro é pedagógico é contribuir para um "erro pedagógico", que faz parte da Didática do Erro. A base desta didática é o exemplo do bebê, que cai muitas vezes até aprender a permanecer de pé e andar. Então, é necessário cair para aprender a se levantar.

Um erro só se torna erro depois que é percebido como erro. Só se percebe a mentira frente a verdade. É assim que funciona: o erro só é percebido depois de constatado o "acerto". No caso religioso, só se tem a percepção de que um pecado é pecado, depois que este é revelado como tal. Um pecado só é cometido depois que se tem ciência de que é pecado. Um ato pelo ato não é pecado. Mas, se existe a consciência de que o ato é pecaminoso e mesmo assim é praticado, aí torna-se "pecado". Onde quero chegar com isso? No chão. Só se pode cair estando de pé. Não é caindo que se aprende a levantar, mas é estando de pé que se descobre o que é cair.

Para Sören Kierkegaard, ignorar aquilo que se sabe é que é pecado, errado. Depois de consciente de algo, ignorar este algo é o "verdadeiro erro". Por isso escreve sobre uma Teologia da Revelação, na qual a medida que Cristo é revelado para o homem, este se torna mais responsável por si e pelo que faz. Mas apenas a partir da Revelação é que se "cobra uma postura ereta", o ficar de pé. Precisamos trocar nossa Didática do Erro, este erro pedagógico, por um novo tipo de aprendizado, resgatar algo que se perdeu no tempo, a Didática da Confiança.

Porquê devemos ouvir nossos pais? Porquê é certo? Porquê é errado? Porque eles tentarão nos esclarecer de acordo com sua experiência aquilo que faz bem e aquilo que faz mal a vida. Devo ouvi-los por confiar neles. Porquê relação sexual sem "camisinha" é prejudicial? Porque você pode contrair uma doença sexualmente transmissível ou ainda engravidar sem um planejamento adequado. É preciso ter uma relação sexual sem "camisinha" para se descobrir isto? Não. Preciso confiar em informações que me são dadas, nas histórias de pessoas que no passado viveram este tipo de situação, na medicina e por ai vai. Assim como para qualquer assunto. A Didática da Confiança é baseada nesta idéia.

Devemos aprender ouvindo e depositando nossa confiança nos outros, nos conselhos, nas histórias vividas. Porquê hoje olhamos para a História humana e definimos "erros"? Porque enxergamos os desdobramentos e consequências do que aconteceu. Não é pedagógico errar de novo (lembrando que até o que hoje é erro antes não o era) para tentar me levantar. É pedagógico sim transformar o erro como um meio de aprendizagem. Mas muito mais pedagógico, é ensinar a olhar para cima, para aquilo que é mais velho, que já foi, e buscar ou uma mão que me ajude a me manter em pé, ou observar como "eles" se mantém ou mantiveram em pé.

A missão de uma Didática da Confiança é ensinar a ouvir e confiar. Antes do erro, que é inevitável, perceber a voz do passado que não é o nosso, analisar o que está a volta, aquilo que foi, que é, instrospectivamente, silenciar a ânsia e os desejos e deixar a consciência e os conselhos falarem mais alto. Condicionarmos aquele que aprende a não inventar respostas e tomar atitudes, mas descobrir as que já foram dadas e reinterpretá-las para um novo passo. O velho chavão de que "ninguém inventa a roda". É necessário confiar naquilo que foi dito, dar ouvidos aos conselhos e advertências. Ter fé. Didática da Confiança é retomar a fé que se deve ter na família, na comunidade, nas pessoas e combater a esquisofrenia do "deixar errar", "deixe-o errar que ele aprende". O medo, a indiferença, a desconfiança da Didática do Erro geram distâncias e frieza. Não ensinam independência, mas individualismo.

Não é errando que se aprende, mas ouvindo. Ouvindo para não errar. Analisando o que já foi vivido, sentido, consentido e praticado, confio e ouço, reinterpreto e aprendo a fazer meu caminho. Construo meus passos, mantenho-me de pé, ciente de que não pretendo cair. Tenho fé. Desenvolvo minha independência. Formo uma cabeça não apenas minha cheia do pouco que sou, mas complexa, ampla e preenchida por muitos antes de mim, por muitos que estão comigo. Consigo ter minhas idéias compartilhadas e dialogando com as antigas, novas, super novas e me ajudando a dar mais passos e cair menos. Confiar no que foi dito. Confiar nos conselhos que nos dão. Confiar na história e nos valores que geram vida. Que para muitos é simplesmente desenvolver uma expansão de consciência humana, e para mim, é desenvolver minha fé e conhecer mais a Deus.

sábado, 15 de maio de 2010

Deus e homem

O que está entre Deus e o homem? Outros homens. Não se enxerga a Deus se não for através de um homem. Nem se olha um homem, se não for com os olhos de Deus. O Deus que se fez homem, e que façamos o homem a imagem e semelhança de Deus.

Bruno Reikdal

quarta-feira, 12 de maio de 2010

"Panim el Panim"

O encontro de dois que se fazem um. As vidas que partilham do mesmo ar, do mesmo efeito, do mesmo respirar, do mesmo jeito. O fôlego soprado no pó, o fôlego que gerou vida. "Panim el Panim", "Face a Face". Rosto a rosto, olho no olho, os lábios são um. O beijo, o amar. O mesmo fôlego, o mesmo ar, o mesmo respirar. O amor que gera vida. Panim el Panim, Face a Face. O beijo, um amor, duas vidas.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Durante o "Pai Nosso"

"Vocês, orem assim: "Pai nosso, que estás nos céus! Santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia. Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores. E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém."

A oração de Cristo. A tão repetida antes de jogos de futebol, missas, ceias, reuniões religiosas ou antes da prova do vestibular por todos aqueles que estão com medo (mesmo se forem ateus). Um diálogo de Jesus com o Pai para explicar as bases de uma oração.

Em primeiro lugar, a oração é nossa! Não é minha, tua, dele ou dela, mas nossa. A compreensão não de apenas um dependente de Deus, mas o Todo que vive por causa da graça de Deus. Uma oração não é uma relação individualista com Deus, mas uma parceria com Ele e com os homens.

Para comprovar ou compreender melhor esta idéia, em segundo lugar é "venha a nós o teu Reino; seja feita tua vontade", nossa relação com Deus é compartilhar os nossos corações, mostrar os nossos e ouvir o de Deus, para sermos condicionados pelos valores do Reino e da vontade Daquele que dizemos amar e seguir. Aquele que nos faz sentirmo-nos amados. Aquele o qual queremos mostrar para todos. Mas se não o conhecemos e nem oramos para ouvi-lo, como expressaremos os valores que se guardam em Seu coração? Compartilhar, dividir, repartir: "Dá-nos o pão NOSSO".

As bases da oração partem agora para uma outra direção, não apenas na verticalidade do ser da terra com o ser do Céu, mas do ser da terra com o outro ser da terra. Uma comunidade. Os valores do Reino de Deus (o Seu perdão para conosco) nos guiam em nossa vida, nas nossas relações com o outro, como Deus perdoa, nós perdoamos. O movimento parte também do nós para o nós. A oração não é "para mim", mas para nós.

E para fechar a beleza da oração e da relação com o divino, que eu não seja eu, mas nós, eu e Deus. Que eu aprenda a me esvaziar de mim e estar cheio de Ti. "Não nos deixe cair em tentação, mas livra-nos do mal, porque teu é o Reino (que me condiciona), o poder e a glória para sempre.". A kenosis humana. Me esvazio de mim, assim como Cristo se esvaziou de si, para ser cheio de Ti, não pelo poder e pela glória, mas para não cair em tentação e ser livre do mal. Para que os valores da oração até agora descritos sejam de fato verdade e vividos.

Então, que assim seja. "Amém."