sábado, 11 de setembro de 2010

"Apple Age"

Ser extremamente técnico, prático, objetivo, útil e cumpridor de tarefas específicas; esta deve ser a função de um ser na Era da Maçã. Sempre novo, incansável, desbravador de atalhos e descubridor de fins rápidos, "fast-food". Estas são as ações de um ser da Era da Maçã. A preocupação não está em percorrer um bom percurso, correr uma boa corrida, mas sim, inventar maneiras de estar na linha de chegada sem se cansar, sem desgastar, sem sofrer, sem sentir, sem perder, sem ganhar, apenas chegar quebrando todos os recordes de tempo e de espaço. O menor tempo no menor espaço. Fugindo da fadiga, fugindo da velhice. O devagar é descartável e o velho obsoleto. Estes são os padrões nesta Era da Maçã.

Interessante como numa era tão dinâmica a vida seja tão estática. Tudo corre tão rápido que não se percebe mais o tempo. Aquele ou aquilo que é novo logo tornam-se velhos, e nem se passou a vida. Na busca por mascarar a velhice precoce, a estética desenvolve-se. O novo que logo torna-se velho tenta manter as aparências, ouve músicas novas, acompanha a moda, mas todas estas coisas também já tornaram-se obsoletas. Um mundo inteiro descartável, uma praticidade tão prática que torna todos aqueles que a praticam, impraticaveis.

Os atalhos que logo nos entregam os fins prontos são tão úteis que nos tornaram completamente inúteis. Já não vivemos mais. Já não envelhecemos mais. Já não sentimos mais. Viver, envelhecer e sentir: privilégios e futilidades que não cabem em nossa nova era. O fruto que comemos era proibido, a caixa que abrimos continha todos os males e o Kronos que matamos nos roubou a humanidade. Somos imortais. Imortais que não vivem a vida, mas vêem-na passar. Um mundo tão dinâmico que tornou-se inerte. Tão mecânico que tornou-se estático. Somos obsoletos para esta nova era, somos obsoletos para a Era da Maçã. A criatura que engoliu o criador.

Qual fora o problema daquele Adão e daquela Eva no tempo em que maçã era um fruto e não uma Era? O problema de querer crescer antes do tempo, maturar antes da hora, ser Deus ainda sendo recém-nascido humano. Qual é o problema dos Adões e das Evas neste tempo em que maçã é Era e não mais fruto? O problema de querer crescer antes do tempo, maturar antes da hora, ser Deus ainda sendo recém-nascido humano. Comemos o fruto do-bem-e-do-mal, comemos um fruto que abriu um buraco em nosso estômago, um buraco que nos engole por inteiros, engole corpo-alma. Já não somos mais espírito. Este está muito fora de moda, não se adequa aos padrões desta nova era, Era da Maçã.

Porque não ouvimos Lenine? Porque não deixamos entrar em nós um pouco mais de paciência? Porque esquecemo-nos de Pessoa? E das pessoas? Porque não deixamos mais um Sócrates falar de virtude? Porque não paramos para fazer perguntas? Porque não permitimos um existencialista falar da existência? Porque escondemos nossas angústias? Porque um Lao-Tsé não pode mais falar seus poemas? Porque não compreendemos que fazemos parte de um Todo? Porque um Nietszche não pode mais criticar? Porque não escrevemos mais nossas vidas com sangue? Onde está o sangue? Onde está o coração? Fomos tão engolidos assim? Este buraco é tão grande assim? Agostinho falava dele, só não viu onde ele estava. Porque não podemos viver ao invés de sermos vividos? Será que é tão ruim sentir dor? Tão ruim ter medo? Tão ruim sorrir? Tão ruim ter angústia por causa de um amor? Tão ruim amar? Tão ruim morrer? Como saberemos se já não vivemos mais? Como querer cuidar da vida se não a conhecemos mais?

A Era da Maçã roubou-nos de nós. Precisamos de um freio. Precisamos aprender a percorrer todo o percurso, correr toda a corrida. Quem disse que ser feliz é estar na linha de chegada? Quem disse? Porque não pode ser percorrer o percurso para chegar lá? Será que a felicidade não está no caminho? Como saberemos se hoje temos apenas o técnico, o prático, o objetivo, o útil e o atalho? Nessa Era da Maçã este texto está obsoleto. O tempo gasto por quem o lê é desperdício. Que sentido faz ler um texto como este que não tem finalidade, não cumpre um papel, não muda o mundo, não é prático, não acelera e nem te dá uma resposta? Um texto que não apresenta atalho, mas na verdade quer voltar ao percurso? É completamente inútil! Não perca tempo, feche a janela e dê boas vindas a Era da Maçã...

Um comentário:

  1. Brilhante texto. Instigante e afiado. Vou divulgar, além de merecer deve ser lido por todos, principalmente os quarentões - rss

    ResponderExcluir