domingo, 31 de julho de 2011

Num dia perto da hora do almoço

Eu estava lá, em pé. Chegava a hora do almoço, mas poucos preocupavam-se com o que haveriam de comer -se bem que muitos dos presentes mal teriam o que comer. Dos que estavam sentados, muitos viviam apenas de palavras, alimentavam-se com os ouvidos abertos e a boca fechada. O silenciar de suas vozes era doce refeição. Dos que estavam em pé comigo, todos teriam comida em suas casas menos um, que, se saísse vivo daquela hora próxima, seria sortudo se alguém ainda o aceitasse para conversar e compartilhar com ele o alimento das palavras.

Este um de pé que não sabia se reencontraria a mesa de casa e a fartura de ao menos uma companhia, dependia do consentimento de um escritor. Que homem divino! Divinamente inspirado, reescrevia destinos e traçava novas trilhas para os esfomeados. Ao invés de esmolas e migalhas, o escritor esbanjava manjares de sons, letras, sílabas e frases suculentas, apetitosas, desejáveis e com cheiro de fome. Para as constantes horas de necessidade de comida, aquele escritor era boa pedida. Ele estava sentado, com uma perna esticada e outra dobrada enquanto que o tronco apoiava-se em um dos cotovelos. Acabara de escrever um livro cheio de idéias chocantes e carregadas de discussões. No meio das páginas, este escritor dissera que viera mudar as leis e reescrever a história. Nós, que estávamos de pé, fomos tirar prova disso.

Discutíamos e relembrávamos de nossos pais, saudosos e valentes pais, que conduziram as nossas leis e crenças de até então. O que seria de nossa história sem nossos pais? Quem é este homem, mesmo que divinamente inspirado, para reescrever o que nossos pais escreveram? Nossos pais também foram de Deus, também conversaram com Deus e também por Ele foram inspirados! Se um deus escreve algo, quem é deus o suficiente para questioná-lo? Destinos traçados não podem ser mudados! Aquele que estava de pé sem saber se comeria outra vez tinha um destino que nossos pais traçaram junto com Deus: a morte! Se uma lei diz, quem é legal o suficiente para questioná-la? Quem vem promover a desordem? Lei é o destino dos homens escrito por Deus. Ninguém pode ser escritor o suficiente para alterar o destino dos homens.

O escritor sentado no chão passou a escrever. Escrevia como sempre, em páginas de areia. Desenhava suas letras na areia em silêncio. O silêncio, doce refeição para os famintos, alimentava o dedo divinamente inspirado. Bom, "quem não tem pecado que atire a primeira pedra", disse Deus. Só poderia ser Deus! Mais uma lei escrita, mais um destino traçado, mais uma determinação divina estava escrita, só que na areia. Deus estava sentado no chão, olhando para cima, abaixo de nós. E aquele um merecedor de morte, o qual levantáramos o mais alto possível para que todos os que estivessem na Terra vissem-no como exemplo, foi visto pelo Deus dos Céus. E o exemplo que queríamos que viesse do alto, veio do chão. A voz divina que viria como pedra poderosa para acabar com a quebra das leis, veio como silêncio promotor de um texto escrito na areia. Deus, o escritor, escreveu a salvação em páginas de areia.

Os destinos traçados pelos pais, a sina vinda da tradição e a constante perda da hora do almoço, vêm da limitação humana de não conseguir escrever nas areias. Enquanto queremos tábuas, papéis e pedras, Deus escreve em areias. Talvez assim faça para que o Espírito venha como vento e apague as letras, mude os desenhos e traga o silêncio. Quem escreve em areia prefere ficar no chão, viver o inesperado, dividir a terra e sentar a dor daquele que está sentado. Para os que estão no chão, Deus sempre esteve no chão. Para os que preferem ficar de pé, Deus os espera, olha de baixo para cima e convida para um banquete. O problema, é que os que estão de pé já sabem o que comerão em casa, tem certeza da mesa do almoço, não precisam das conversas com Deus e nem do inesperado. Infelizes são os que falham com os homens, pois são por eles tirados do chão e distanciados de Deus. Felizmente, é para estes que Deus olha, que Deus escreve na areia e que a salvação faz sentido. É a estes que o escritor despede em paz e reconvida para vida. Minha única tristeza é não saber se hoje sou fariseu ou prostituta. Queria muito estar sentado no chão.


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domingo, 24 de julho de 2011

Carta ao Soldado

Pode ser que  tempo não passe, mas não por culpa do relógio, do próprio tempo ou do Sol, e sim porque carregas um exército nas costas. Ao invés dos passos de paz, procuras as marchas de guerra. Nas guerras, o tempo não passa pois todos os dias são iguais. De tantas mortes, descobristes o valor da vida.

Enquanto dizeres paz e viveres em guerra, o mundo será um caos, a hipocrisia será a verdade e coração puro mal chegará a ser utopia. Talvez te reste uma boa consciência, mas ela tem dormido profundamente. O Sol está parado, o exército em fronte de batalha e Josué vem vindo no horizonte com os olhos encharcados de sangue. (Josué 10: 1 - 15)

Cuidado com a guerra, pois nesses tempos a vida não tem fim, já que o tempo não passa. Procure pela paz para que possas descansar ao fechar os olhos para a vida e abri-los para a eternidade.

Com preocupações,

De um amigo Outro-Sol-Dado.


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segunda-feira, 18 de julho de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo Mateus 15: 17 - 20

Continuo refletindo sobre uma postura que faça sentido e traga crescimento para a espiritualidade dos indivíduos. Não acho que escrever é um desproposito, mas estou longe de crer também que seja este o texto salvador e magnânimo capaz de mudar a caminhada de alguém. Apenas não consigo falar por falar, criticar por criticar, repetir por repetir ou esquecer de que o conhecimento é bom e nos traz orgulho, mas o amor é que edifica. Vejo que nos falta o amor, mas também nos falta o conhecimento. Não queremos saber para não ter que amar, mas também não queremos amar para não ter que menosprezar nosso orgulho. É muito complexo o coração do homem, é muito bagunçada a existência. Mal o próprio indivíduo se conhece ou reconhece, que dirá um escritor de blog. Não posso usar a mim como régua para a humanidade, mas, em contra-partida, não tenho outra régua que não eu, ou parte de mim. Esquisofrenia humana. Isso, se é que os humanos em geral a têm. É tudo muito complexo, muito confuso. Talvez por isso Paulo diga que quem ama é conhecido por Deus, pois só Deus para tentar encontrar quem é o homem em sua individualidade em meio a tantas possibilidades...

Os corações diversos divergem nos conceitos, mas talvez venham a convergir nos sentidos. Se há uma coisa que une o homem é a dor e o sofrimento. O contato com o desespero e a angústia obrigam o indivíduo a ter que dar passos fortes, lembram da realidade da vida, lembram que ela acaba. Choques de realidade são constantes e reais no indivíduo. O coração de homem talvez seja reconhecido pelo sofrimento ou pela dor... Se assim for, imagino que reconheçamos o de Deus no amor. Pensando assim, convido-te a mais um devocional, o último da sequência no texto de Mateus 15:

Mateus 15: 17 - 20

"Não percebem que o que entra pela boca vai para o estômago e mais tarde é expelido? Mas as coisas que saem da boca vêm do coração, e são essas que tornam o homem 'impuro'. Pois do coração saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos, os falsos testemunhos e as calúnias. Essas coisas tornam o homem 'impuro'."

Desatento às especificidades de maldades listadas, percebo que do coração do homem vem a dor. Por muito tempo achei que o homem fosse bom. Por mais ainda que ele fosse mal. Por recente pensei que fosse ambíguo. Mas agora, vejo que é homem. Indivíduo limitado a um tempo, um espaço, uma cultura e a si mesmo. Este homem descobre quem é quando abre a boca e vê o que vem de seu coração. A maldade cometida, a injútia proferida, a tristeza produzida. Um choque de realidade nos braços do homem.

A preocupação com aparências é resultado de uma fuga da realidade: da limitação humana. Se ele é bom ou mal, ambíguo ou não, não importa. O homem é limitado. A existência sofre com o não cumprimento da vida plena. A morte é temida porque põe fim a algo inacabado, incompleto, em crise e impuro. Querer ser Deus e esquecer de suas limitações arrebenta com a humanidade. Limitações não são ruins, mas querer ser o que não se é sim, é muito ruim. O homem é imagem e semelhança de um Deus, mas não quer ser como tal, prefere ser ou muito menos, um inútil lixo a ser descartado, ou muito mais, o perfeito Deus encarnado "puro" e santificado. Não! O que o homem come não o torna imundo ou puro, mas é o que sai de dentro dele que o impurifica!

É do coração limitado que não sabe lidar consigo que a morte vem. É de um coração que quer ser mais justo que Deus e mais santo que Cristo que a destruição vem. Se o homem come ou não, tem necessidades ou não, morre ou não, isso não o corroi. Mas o coração descuidado e esquecido desespera, angustia, joga no chão e foge da eternidade. Corações desatentos para a vida e em desconformidade com a realidade são promíscuos, imorais, homicidas, adúlteros, ladrões, de falso martírio e mentirosos! Isso é deturbar o convite divino de viver! A vida é para ser vivida como ela é, e vivida em abundância!

A pureza talvez seja simbolizada na criança porque com olhos brilhando desfruta de seu mundo, do que vive em sua volta e brinca com gosto nunca esquecendo-se de que é criança, nunca negando sua infância! A virgem também talvez seja símbolo porque não nega sua virgindade, cuida de seu íntimo, guarda o coração e o partilha quando ama verdadeiramente. Homens que esquecem que são homens e se preocupam com o como comem, esquecem também de que há diferentes pães para se comer, e dentre eles o Pão da Vida. Homens que se preocupam mais como bebem, não deixam fluir de si Rios de Água Viva. Que de nós flua humanidade! Que saia do coração a consciência! E que saibamos que são as impurezas que sobrevivem de aparências!



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quinta-feira, 14 de julho de 2011

Conte os teus dias...

Tive um professor bem velhinho que gostava muito de mim. Eu o chamava carinhosamente de "mestre", me lembrando sempre daqueles velhos sábios chineses e do senhor Miyagi. Ele não era oriental, tinha mais cara de alemão, apesar de falar russo. Isso deve ter sido um problema na Segunda Guerra Mundial, mas ainda bem que ele era brasileiro e sempre morou no Brasil. Inclusive, acho que ele era de uma família de italianos.

Uma vez, meu bom e velho (bem velho) mestre, me convidou para tomar café em sua casa. Como era fim de tarde e o clima daquela noite de verão estava bem agradável, emendamos até uma xícara de chá gelado de limão bem tarde da noite. Não era tão tarde assim, mas para os senhores que "dormem com as galinhas" (metaforicamente falando, claro, meu mestre era um homem digno, respeitado e muito respeitoso), as nove da noite já é quase madrugada. Talvez por isso eles digam "Deus ajuda quem cedo madruga"... Mas isso é um outro problema.

O relógio-cuco velho soou. Era o sinal de ir para casa. Mas antes, aquele simpático e sábio velho me contou uma estória. Disse-me, naquela ocasião, que aprendera com um professor, homem cristão de "seita" diferente, não era católico e nem protestante, que deveria contar seus dias, aprender a contar seus dias. Disso eu já sabia, pois sou cristão, mas me impressionei por ouvir de um homem que imaginava ser ateu ou, no máximo, adepto à alguma sociedade secreta de intelectuais da qual provavelmente restara apenas dois ou três participantes e dos quais meu querido mestre era um. Disse-me que por anos contara seus dias, que por muito tempo guardava os dias.

Os minutos passavam e o rosto daquele idoso empalidecia. Parecia cansado e seus olhos com sono. Com os braços trêmulos levantou-se, esticou-se para alcançar uma caixa branca em cima do armário e entregou-a a mim com ar de carinho. Era um contador. Tinha um botãozinho vermelho na parte de cima e vários quadrados com dígitos que rodariam a cada apertada no botão... E... Ai meu Deus! Se aquilo ele usava para contar os dias, ele devia ter uns 500 anos! A caixinha branca despretenciosa marcava 186.880! Senhor!

Espantado, arregalei os olhos para aquele homem de cabelos brancos como quem pedisse uma explicação. O bom senhor sentou-se novamente, reconheceu minha estranheza e respirando bem devagar começou a falar. Com toda calma do mundo, contou que a muitos anos, um padre da Armênia começou a contar seus dias, e quando encontrou um aluno/discípulo que parecia demasiadamente com ele e o superou, passou sua contagem para o aluno com a recomendação de que fizesse o mesmo. O velhinho então baixou a cabeça, respirou fundo, ergueu-a novamente e expirou: "Você me lembra quando tinha tua idade e me superou. Continue a contar meus dias...", pendeu a cabeça e faleceu. Um instante, um segundo, uma vida a ser continuada.

Hoje, passo meu contador a você: conte teus dias, viva a vida que vivo...


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segunda-feira, 11 de julho de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo Mateus 15: 3 - 11

Ao fazer esta segunda reflexão sobre um mesmo texto de Mateus 15, utilizei como base de minha interpretação o livro "As Obras do Amor", de Soren A. Kierkegaard, um filósofo fantástico que me auxilia nas horas vagas de minha completa vaga vida...

Para ser um jornalista no Brasil não é obrigatória a formação acadêmica em Jornalismo. Para quem discorda e se revolta com esta decisão, eu diria que para ser um bom administrador não é necessária a formação em Administração, vide Sílvio Santos. Muitos me chamam de professor, embora eu ainda nem tenha concluído a graduação e a licenciatura e muito menos exerça a função empregadiça de docente. Tenho amigos, familiares e até recém-conhecidos que me apresentam a outros como "professor". Imagino que professor não seja emprego e nem para tal função seja necessária uma formação, mas tudo começa com uma vocação e uma missiologia pedagógica que busca a salvação dos educandos. Falando em português: é um dom.

A formação de um indivíduo humano não está baseada na função que exerce, mas no dom que tem, adquire ou produz. Se somos vocacionados ou carregados de uma missão, nos constituímos como indivíduos quando unimos as pontas soltas da rede de contextos em que estamos envolvidos desde o nascimento com os sonhos de nossa missão, de nossa vocação. Se nos sentimos escolhidos como cristãos para a vocação mais sublime, para o chamado mais fantástico, o dom perfeito e a missão salvadora, costuramos os trapos de nosso contexto com o Cristianismo e suas exigências. Como professor, sinto-me vocacionado a mostrar portas e construir caminhos que levem às portas junto com os alunos. A Educação exige de mim métodos novos, reciclagem, respeito à diversidade, carinho e paciência constantes. Mas, e como cristão vocacionado, tenho a exigência de que? Pensando nisso, venho à segunda devocional sobre um texto de Mateus:

Mateus 15: 3 - 11

"Por que vocês transgridem o mandamento de Deus por causa da tradição de vocês? Pois Deus disse: 'Honra teu pai e tua mãe' e 'Quem amaldiçoar seu pai ou sua mãe terá que ser executado'. Mas vocês afirmam que se alguém disser a seu pai ou a sua mãe: 'Qualquer ajuda que vocês poderiam receber de mim é uma oferta dedicada a Deus', ele não está mais obrigado a 'honrar seu pai' dessa forma. Assim, por causa da sua tradição, vocês anulam a palavra de Deus. Hipócritas! Bem profetizou Isaías acerca de vocês, dizendo: "'Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens'". Jesus chamou para junto de si a multidão e disse: "Ouçam e entendam: o que entra pela boca não torna o homem 'impuro'; mas o que sai de sua boca, isto o torna 'impuro'".

Se alguém afirma ser cristão, que exigências podemos imaginar que faríamos a essa pessoa? A primeira que vem a minha mente é que este indivíduo deveria amar ao próximo (sempre). Se uma pessoa diz que entregou sua vida a um deus qualquer, que exigências faríamos a esta pessoa? Provavelmente que essa pessoa cumpra os mandamentos dados pelo deus em questão. Agora, qual a exigência de um deus frente à promessa feita? Que a ele sejam feitas ofertas? Entregas? Benevolências? Pois bem, e um Deus detentor de tudo? Um Deus Todo-Poderoso dono do ouro e da prata? E um Deus que ama e não cobra dos homens aquilo que eles não tem (que em geral, é a perfeição)? Um Deus que ama e se dá? Quais as exigências?

Se não houver exigências, há então, por parte do fiel, gratidão. Tudo o que este fiel fizer, será graças a Deus! Os sacrifícios, honras e glórias serão ao Deus de Amor. Mas qual a exigência deste Deus para o fiel? A Ele nada é necessário! Pois bem, mesmo assim, o fiel quer demonstrar sua fidelidade fidelíssima e honrar os mandamentos. No trecho de Mateus 15, os fiéis religiosos cumpriam um mandamento de Deus: "honra teu pai e tua mãe...", mas eles eram mais excelentes, queriam agradar ao Deus de todo jeito! Honravam o pai e a mão dando ofertas à Deus. Não há honra maior do que poder ofertar ao Deus de Amor. Porém, o mandamento era de honrar o pai e a mãe diretamente...

As pessoas aderem a regras e regras que de preferência as beneficiem. Ofertar, seja ajudando os pais ou dizimando no templo, seria um dispêndio financeiro de qualquer jeito, mas, pelo menos, a segunda opção trazia consigo algo que não é de vocação, e sim de natureza: o status. Vocação é abrir mão de certas coisas e viver uma utopia, crer em esperanças e amar besteiras. Agradaria muito mais a um deus uma oferta direta, mas não é do feitio do Amor pedir para si um pedaço de terra que poderia ser distribuído para outro. Vocação é deixar a própria vida na mão de Deus e a oferta na mão de quem precisa. A hipocrisia de viver em função de um status é o louvor com os lábios de um distante coração. Ensinar a barganhar com o Deus que tudo tem é coisa de homens, tradições não vocacionadas. Talvez, aí, eu encontre a exigência de Deus: um Deus que nada quer para Si, mas tudo exige de mim...

Digo "tudo exige de mim" porque tenho de sacrificar essa natureza tosca de viver em uma aparência agradável e um status, coisa da carne má e das potestades mundanas que como leão me rodeiam na tentativa de tornar minha vocação em um negócio. Tenho de honrar meu pai e minha mãe, não por causa da regra e do mandamento, mas porque de mim é exigido que abra mão das impurezas de meu coração e saiba que ruim não é o que ponho para dentro, mas o que arremesso para fora. Conheço um Deus que exige que eu elimine aquilo que me mata, aquilo que mata os outros, aquilo que destrói o mundo. Não me obriga e muito menos arromba minha porta, mas com frequência bate pedindo para entrar e querendo arrumar a minha casa. Exige de mim uma oferta de vida, não para si, mas, como diria Kierkegaard, "Ele exige tudo, mas, quando tu o trazes, imediatamente recebes aonde deves entregar". E, no caso, devo entregar aos pais.

Se dedico-me a um Deus, dedico-me por inteiro. Tudo de mim é exigido, mas com o endereço de onde devo ser entregue. Se estou a serviço de Deus, o sou em serviço dos homens. Um Deus que se fez homem para a salvação do homem. Não para se mostrar como Deus, mas para ensinar como devem ser os homens: imitadores de Cristo, o Filho de Deus, o Verbo que se fez carne. Não preciso de um "Pr" antes do nome para ser um pastor, para cuidar de vidas. Não precisam me chamar de missionário para testemunhar do evangelho. Essa é a vocação cristã, a missão evangélica, o chamado apostólico, o dom da vida. Saber de um Deus que ama e que exige de nós a vida em abundância compartilhada por inteiro entre os próximos, entre os santos. A Ele toda honra, toda glória e todo louvor. Amém!


Gratis i Kristus

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Uma palavra chamada "Indivíduo"

Geneticamente determinado, hormônios periodicamente variáveis, estrutura familiar específica, contexto socio-culturais historicamente construído e situação econômica estável. Essa é parte da rede de contextos que me envolvem e podem explicar quem sou. Pelo menos tentam explicar quem sou. Quando a Filosofia foi rainha das ciências dos homens, tudo era explicado e conhecido por ela. As explicações dos porquês da humanidade dependiam dela. Já com a Política, novas frentes de explicação se abrem e tudo se resume em Política. Com a Sociologia acontece o mesmo, com a Biologia, Física, Matemática, Economia, Psicologia... Aliás, um minuto para a Psicologia! Não aguento mais o bendito "Freud explica", o coisinha chata! Mas tudo bem, para um socialista a condição social e econômica explica tudo também. E de explicações e explicações, agora temos uma nova senhora: a Genética. Tudo é determinado pela Genética...

Já passamos por determinismos sociais, culturais, étnicos, físicos, históricos e agora genéticos. E todas essas explicações do que seria eu, tem seu bom lado e sua gama de teorias e análises práticas que indicam uma verdade. Porém, eu não sou essas explicações. Meu grande problema com filosofia, teologia, religião e as outras áreas que sabem as suas explicações, é que nenhuma delas se preocupa com minha individualidade, nenhuma delas entende de fato aquilo que sou eu. O indivíduo Bruno não é só um ser que nasceu em São Paulo numa cultura miscigenada e heterogênea de uma classe de operários mesclada com burgueses que mantém-se na classe média desde o fim dos anos 70 em um núcleo familiar de pai, mãe e irmã que tradicionalmente são de uma religião cristã. Esses são contextos que me envolvem, uma rede de contextos que me envolve, mas não sou eu.

Bruno, imagino eu, é o indivíduo estranho e sozinho que possui uma liberdade absurda capaz de extrapolar as probabilidades e as predeterminações de um mundo extremamente complexo. Na pior das minhas hipóteses, Bruno é um ser livre enclausurado numa teia. O que resta a Bruno é fazer escolhas e tomar decisões quando entra em contato com as pontas dessa rede, os vértices dessa teia. O indivíduo Bruno é aquele que anda por cima de seu inconsciente ou subconsciente, e por baixo de uma camada de tecido genético que entra em contato com meios sociais, culturais e econômicos. O indivíduo Bruno não é a rede e nem produto dela, mas a escolha anterior seguida de seu resultado quando se choca com o mundo a fora. Este indivíduo é o instante eterno que eu não vejo, não encontro, não tenho contato, mas sei que está lá. Sempre existiu e imagino que enquanto eu viver ele continuará existindo. Talvez, até depois que eu deixar viver, ele continue existindo, não sei. Mas sei que este é o indivíduo. Pode ser que "indivíduo" seja só uma palavra, insuficiente para descrever aquele ser do qual estou tentando falar, mas o que importa é que todos o conhecemos, os diversos indivíduos. O que importa não é a palavra em si, mas a conexão que temos com ela. Muito me agrada e muito me preocupa essa palavra: Indivíduo.



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segunda-feira, 4 de julho de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo Mateus 15: 1 - 20

Este capítulo do livro de Mateus que escolhi para este devocional utilizarei para os próximos dois devocionais também. Neste, fiz uma reflexão bem geral a respeito das escolhas, um próximo será sobre as exigências de Deus, e um último uma reflexão sobre o estranho coração dos homens...

Ontem, assistindo televisão, vi uma personagem num programa de humor bem antigo dizer que não gostava do capitalismo porque ele até se gaba de ser livre e deixar que todos botem tudo que quiserem fora da boca, mas, em sentido contrário, não dá garantia de colocar comida para dentro. Achei fantástica essa leitura cômica da realidade e o contraste besta de dois extremos, de dois opostos. Sempre que estivermos em ano de eleição, movimentos da faculdade ou discussões em aulas de geopolítica ou história, encontraremos uma encruzilhada: capitalismo ou socialismo, direita ou esquerda! Teremos que escolher entre poder colocar idéias para fora, ou comida para dentro. Não permitem que fujamos de um dos dois caminhos, é como se tivéssemos caído de para-quedas no meio de uma ponte e tenhamos que seguir ou para um lado ou para o outro, sem outras escolhas.

Se acredito em algum tipo de destino ou predestinação, é porque acredito que existe um fio de ouro que costura os trapos e retalhos das histórias de cada indivíduo: a escolha. A senhora da liberdade, a rainha dos destinos. A escolha de que falo não é aquela que surge entre duas opções, mas aquela que se estabelece para além das barreiras que tentam estabelecer no meio de minha carreira. Opções são os limites e as finitudes que a morte tenta impor, e a escolha é a porta da liberdade pela qual a vida atravessa para que seja possível que eu exista, que o Bruno seja Bruno, um indivíduo único e diferente de todos os outros, que atropela as probabilidades e surpreende com uma complexidade entendida só na eternidade...

Aprendi de um homem e amigo que admiro muito, o Pastor Villy Fomin, que se uma igreja só permite em sua comunidade pessoas que se vestem de terno, existe algo errado. Mas, se uma igreja tem preconceitos, discrimina ou não permite que participe de sua comunidade pessoas que se vestem de terno, também há algo de errado. Os opostos que não permitem diálogo, provavelmente estão com algo de muito errado. Inclusive, se eu rejeitar aquele que defende os opostos sem diálogo, eu estarei muito errado, pois tornei-me um oposto que não quer conversar. Estes problemas de opções que não me permitem ir além de si mesmas, barreiras que não querem que eu avance com minhas escolhas e cumpra um bom destino, me lembraram de sonhar com a liberdade, preparar-me para enfrentar os limites, apegar-me em minhas individualidades e experiências de fé. Com isso, venho em mais um texto devocional convidar-te, raro leitor, a meditarmos, refletirmos e compartilharmos nossas leituras do Texto Sagrado para o crescimento do coração, expansão da mente, liberdade do espírito e confirmação da nossa fé em sermos escolhidos...

Mateus 15: 1 - 20

Então alguns fariseus e mestres da lei, vindos de Jerusalém, foram a Jesus e perguntaram: "Por que os seus discípulos transgridem a tradição dos líderes religiosos? Pois não lavam as mãos antes de comer!" Respondeu Jesus: "E por que vocês transgridem o mandamento de Deus por causa da tradição de vocês? Pois Deus disse: 'Honra teu pai e tua mãe' e 'Quem amaldiçoar seu pai ou sua mãe terá que ser executado'. Mas vocês afirmam que se alguém disser a seu pai ou a sua mãe: 'Qualquer ajuda que vocês poderiam receber de mim, é uma oferta dedicada a Deus', ele não está mais obrigado a 'honrar seu pai' dessa forma. Assim, por causa da sua tradição, vocês anulam a palavra de Deus. Hipócritas! Bem profetizou Isaías acerca de vocês: " 'Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens'". Jesus chamou para junto de si a multidão e disse: "Ouçam e entendam: o que entra pela boca não torna o homem 'impuro'; mas o que sai de sua boca, isto o torna 'impuro' ". Então os discípulos se aproximaram dele e perguntaram: "Sabes que os fariseus ficaram ofendidos quando ouviram isso?" Ele respondeu: "Toda planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada pelas raízes. Deixem-nos; eles são cegos guias de cegos. Se um cego conduzir outro cego, ambos cairão num buraco". Então Pedro pediu-lhe: "Explica-nos a parábola". "Será que vocês ainda não conseguem entender?", perguntou Jesus. "Não percebem que o que entra pela boca vai para o estômago e mais tarde é expelido? Mas as coisas que saem da boca vêm do coração, e são essas que tornam o homem 'impuro'. Pois do coração saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos, os falsos testemunhos e as calúnias. Essas coisas tornam o homem 'impuro'; mas o comer sem lavar as mãos não o torna 'impuro'."

Normalmente, esse texto é lido para criticar as antigas leis ou as tradições. Mas, o novo rearranjado que não quer nem olhar para o antigo tradicional, é tão cativeiro quanto seu oposto. O problema não é a opção, mas a escolha. Em qual tradição devo apegar-me? Ou ainda, em qual doutrina estabelecer minha fé? A de lavar as mãos? A de honrar os pais? Ao de trocar o auxílio aos pais pelas ofertas a Deus? O que é certo? Nenhuma destas! A escolha que é feita antes delas para traçar o destino do depois das opções é que importa. O que decido comer não é o que valida minha pureza, mas aquilo que em mim me leva a decidir a comida é que media o como puro sou. Puro ou impuro não está na superficialidade que entrará em meu estômago por um tempo e depois será expelida, mas naquilo que da minha individualidade ponho para fora traçando na eternidade o que pretendo ser. Está naquilo que ponho de meu coração na vida, o que faço como escolha, a rainha dos destinos.

A árvore de vida plantada por um Deus eterno está enraizada na eternidade, mas as árvores plantadas pelos homens são opções finitas que serão arrancadas pelas frágeis e alcançáveis raízes. Homens que escolhem por uma raiz mais profunda, atravessarão as opções e decidirão pela liberdade, se alimentarão de um fruto de vida eterna e descobrirão que os limites impostos pelos extremos que não se olham tem um fim esperado, um limite traçado, um destino fechado e fadado ao fim. Enquanto que os homens que se alimentam destas barreiras dos extremos não verão um palmo a frente de seus muros, não saberão da escolha, do destino guiado por suas escolhas e como cegos, vagarão até cair em seus buracos, levando consigo os outros cegos que os guiaram e os que por eles foram guiados.

Para os homens que dependem do que comem e das opções que a eles são impostas, o coração é impuro, morre e mata. Mas, para os homens que são livres e libertos pela Verdade e tomam consciência de suas escolhas eternas para além dos limites do mundo, o coração é guardado, o silêncio terá voz de louvor e alegria. As opções quebradas e deixadas de lado não os tornarão impuros, mas apresentarão vida e a vida que dizemos ser em abundância. A liberdade está para além das leis e das regras que optamos por seguir. Praticantes da liberdade fazem escolhas. Livres libertados são escolhidos. Para além de opostos e extremos, saibamos das escolhas...