quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Blasé

Ontem, na porta da minha casa praticamente, um vizinho meu foi ao prédio onde mora a ex-mulher (ela não estava em casa), subiu para o apartamento com o pretexto de levar seu filho de 5 anos para tomar sol e ao invés de passear com o garoto, levou-o até o terraço do edifício, jogou o menino e depois saltou. O motivo? Se vingar da mulher.

Na minha ingênua cabeça de um "otimista da humanidade", um cristão que ainda espera encontrar um fôlego de vida numa carne de homem fria e morta, não cabe uma atitude dessa. Não há espaço para compreender o porque matar o filho e depois cometer suicídio por vingança. Em seus estudos, Durkheim trabalha com vários tipos de suicídio, analisa a relação destes com os vínculos sociais de cada indivíduo. Mas em sua teoria, também comenta um tipo de cidadão diferenciado, apelidado de cidadão "blasé", e é dele que quero falar.

Durkheim ao analisar as condições dos laços sociais na sociedade, elabora e percebe um tipo de indivíduo característico da sociedade, na época, emergente, a Modernidade. Esse indivíduo era tão independente, auto-suficiente, que não necessitava de estreitos ou fortes laços sociais. Era capaz de andar na rua sem necessariamente conhecer os outros que andavam a seu lado. Morar numa casa sem necessariamente saber quem são seus vizinhos. Fazer compras sem precisar saber quem vendia os produtos ou quem o produzia. Tudo para este era tão automático, prático, simples, que sua vida era autônoma, independente e segura. Nenhum interesse por novidade, por confronto, pelo outro. Uma total indiferença frente a sociedade.

Esta construção de existência, indiferente, dá toda a impressão de segurança e poder ao indivíduo. E agora, da maneira Bruno Reikdal de pensar (brunística), quando essa ilusão se esvai e rui, a ânsia de necessidade por recuperar esse poder que dá segurança, empurra o indivíduo ao máximo do egoísmo, egocentrismo, a indifenrença. Tamanho ponto extremo de indiferença, que nada a sua volta importa, o único foco é retornar para o estado blasé de segurança.

Eu só consigo compreender essa tragédia que aconteceu na frente da minha casa percebendo que este meu vizinho, o exemplo de indivíduo moderno, científico, que goza do individualismo e da ciência produtora de tecnologias práticas, simples que tornam a vida autônoma e automática, o cidadão blasé, tomou esta atitude quando sua ilusão de controle e segurança caiu a 5 meses atrás. Separou-se da mulher. A ânsia egoísta e egocentrista de assumir o poder que antes achava que tinha o levaram ao ato extremo. Um caso por enquanto ainda raro e chocante, mas com o tipo de construção de vida e de laços sociais que temos e reproduzimos, o contingente blasé dentro de uma sociedade tende a aumentar. O máximo do egoísmo, em que podemos fazer tudo sozinho, dentro de nossas casas, quartos, camas, sem buscarmos conflitos, fugindo do contato e do confronto com o diferente, com o outro, com a sociedade, do relacionamento, leva o próximo passo a ser em falso no ar a uma altura de um edifício.

Puxando para minha veia religiosa, quando Cristo diz que o contrário do ódio é o amor, e o contrário do amor é a indiferença, tem, como sempre, aliás, toda eternidade literalmente, razão. Quanto menor o vínculo social, os laços mais fracos, maior a propensão de existir cidadãos blasé, uma sociedade muito mais indiferente e impessoal, não produtora de amor, mas de seu contrário. Quando trabalhamos e pregamos o Reino de Deus, que é um reino diferente dos reinos deste mundo, é uma pregação de um Reino "diferente", amoroso, não indiferente. No Reino de Deus há contato e divergências entre seus cidadãos, porque é preferível termos certeza de que não possuímos controle e segurança em tudo o que falamos, acreditamos, vivemos e pregamos, do que a ilusão de uma segurança e poder absolutos. Pois estes, estão apenas com um, Deus, e a dúvida, a incerteza e a diferença, com nós, humanos. Mas é disso que nos nasce uma esperança e uma vontade de viver, não porque nos iludimos e somos indiferentes com os outros, mas porque cremos em nós e nos outros, amamos uns aos outros. Temos esperança de que através deste Deus é que somos um. Temos esperança de vida e queremos nos encostar no próximo, pois precisamos contar as boas novas. Jesus Cristo viveu, morreu e ressuscitou por nós, não é necessário que tenhamos mais controle de tudo e tenhamos medo do mundo, pois Ele venceu o mundo. Tenhamos bom ânimo e deixemos nossas indiferenças de lado.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A Letra mata

Existem leis e mais leis. Umas são seguidas, algumas nem tanto, umas conhecidas e outras nem se sabe da existência (mas existem). No Brasil dizemos as vezes: "Esta lei não pegou", quando ela existe, todos tem ciência, mas ninguém a segue. Se há uma lei, uma regra, sujeita a punição, que exige uma organização, mas ninguém a cumpre, de que vale a lei? Simples pedaço de papel burocrático, lido, assinado, promulgado e vazio, sem qualquer valor. O que diferencia entre este e o papel higiênico é que o segundo ainda é utilizado para uma finalidade, enquanto o primeiro apenas ocupa espaço numa pasta.

Ouvi histórias de pessoas que tentaram cumprir a risca todas as leis da sagrada Bíblia, que são mais ou menos umas 700. Umas enlouqueceram, outras se enfureceram e algumas chegaram numa brilhante conclusão: é impossível cumprir literalmente todas estas leis. Sem fazer isso e sem necessitar de todo esse esforço também cheguei a essa brilhante conclusão, não contarei como nem quais foram os meus passos, mas argumentarei no intuito de tornar os pedaços de papel (ou de pedra) onde foram escritos os mandamentos e leis bíblicas, simplesmente pedaços de papel e de pedra, não necessários, não temíveis, não como leis e mandamentos que enlouquecem, enfurecem ou nos levam àquela tal brilhante conclusão.

Acho muito interessante percebermos as reações de Jesus às pressões da Lei. Em muitos textos Ele aparece dizendo "a Lei de Moisés diz... Porém eu vos digo...", logo, coloca-se acima de toda e qualquer Lei. Se Jesus, chamado o Cristo, é a plena Revelação de Deus, como prega o cristianismo, que diversas vezes parece ser mais ortodoxo do que um judaísmo ortodoxo, Ele deve ser a chave para toda e qualquer leitura Bíblica, já que esta também é considerada pelo próprio cristianismo como a Palavra de Deus. Se Deus não se contradiz, é o mesmo ontem, hoje e para todo o sempre (amém), e o próprio Deus é Cristo, a Palavra viva, pura e correta é a de Cristo. Nisto, o pedaço de papel (ou de pedra) é subjugado e cai para baixo de Jesus que é a Palavra encarnada ("o Logus se fez carne e habitou entre nós").

Continuando nesse pensamento, quando Jesus é questionado sobre qual o maior mandamento, sua resposta é "o amor". A base de todo mandamento é o amor, e ao dizermos a nossa melhor definição de Deus, "Deus é amor", toda a base da lei então é Deus. Se Deus é pleno em Jesus, ou Jesus é a plena Revelação de Deus, toda a lei está baseada em Jesus. Ele é a Lei. E isso retorna ao sentido de que ele deve ser a chave para toda e qualquer leitura bíblica, da Palavra de Deus.

Paulo, na segunda carta aos Coríntios, diz o seguinte : "Estamos novamente começando a nos recomendar a nós mesmos? Será que precisamos, como alguns, de cartas e de recomendações para vocês ou da parte de vocês? Vocês mesmos são nossa carta, escrita em nossos corações, conhecida e lida por todos. Vocês demonstram que são uma carta de Cristo, resultado do nosso ministério, escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de corações humanos. Temos tal confiança diante de Deus, por meio de Cristo. Não que possamos reivindicar qualquer coisa com base em nossos próprios méritos, mas a nossa capacidade vem de Deus. Ele nos capacitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito; pois a letra mata, mas o Espírito vivifica." (3: 1-6). Claramente, apóstolo de Cristo Jesus, Paulo, pela vontade de Deus, explica e repreende a letra, a necessidade de um código penal sagrado ou divino para a sequência da vida. A nova aliança, ou a carta que está escrita em nossos corações (não em tábuas de pedra,) é baseada no Espírito, Espírito de Cristo, o amor (Deus é amor).

Nessa nova aliança, da qual somos ministros e as leis (uma única, o amor) escritas em nossos corações, somos livres de pedras e letras ("Para liberdade Cristo nos libertou", Paulo na carta aos Gálatas), pregamos uma vida não dependente de punições, leis e regras, mas somos organizados pelo exercício do Espírito de Cristo ("exerçam sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo para que assim... permaneçam num só espírito", Paulo na carta aos Filipenses) o exercício do amor. O que deve guiar a nossa vida não são regras ou mandamentos, mas Cristo. Que como Paulo, já que estou neste momento utilizando exemplos dele, sejamos imitadores de Cristo, e esta seja nossa lei, o amor. Através de nós não deve ser produzido morte, mas ressurreição, pois nossa pregação não é de um Cristo morto, mas ressurreto. Já que a letra mata, nossa pregação não está nela, mas no Espírito, que vivifica, ressuscita, traz vida. Nossa pregação DEVE gerar vida.

Em Josué 1;2, a Bíblia diz que Deus se dirige a Josué: "O meu servo Moisés está morto. Agora você e todo povo de Israel se preparem para atravessar o rio Jordão e entrar na terra que prometi a vocês.". Para mim, numa interpretação metafórica, "alusionada", Moisés morto, morre com ele a Lei. Meu passo agora é atravessar esse rio que divide a minha escravidão da minha liberdade e caminhar para aquilo que me fora prometido, "um Filho se nos deu", o Messias prometido, o Cordeiro que livraria o povo, Jesus Cristo o Senhor, a plena Revelação de Deus, a plena Revelação do amor. Atravesso esse rio, continuo minha trilha independente de uma letra que mata, mas livre e ressurreto em Jesus, o Pão da Vida. Essa é a mensagem, ao invés de uma série de regras e tradições, leis e costumes, uma vida de verdade, uma vida vivida e livre, dependente da liberdade, baseada em Cristo, guiada no amor.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Um salto atrás

"Dar um passo atrás para poder dar dois a frente", foi a frase do camarada Lênin quando implantou o programa das NEP's na antiga e já finda União Soviética. No campo religioso, a área que me interessa, essa frase é seguida a risca. Na verdade, refletindo um pouco, é uma variação dessa frase que se segue, e não ela em si: "Dar dois passos para trás para poder dar um a frente". (imagine uma musiquinha simples ao fundo e uma voz grave e pausada lendo-a).

Seguindo essa filosofia "lusitana" (brincadeirinha queridos amigos portugueses, é só uma questão humorística ok?!) é inevitável o atraso da religião e de seus dogmas. O que era pecado séculos depois deixa de o ser, o errado torna-se certo, o que nos "bons tempos" a religião proibia, posteriormente pratica, e estas teimosias e preconceitos pegam tanto o chamado senso comum (as crendices populares) quanto a ciência, política, filosofia e etc. Desde do pecado da "Terra ser redonda" esse tipo de atitude é perceptível.

Acho que as situações mais cômicas são nos momentos de transição, em que a religião olha para o mundo e diz: - Tomaremos agora uma atitude revolucionária, seremos mais "pra frentex". Ou então: - Deu na telha uma idéia batuta e vamos pô-la em prática, broto.

Hoje, crendo ser revolucionária e inovadora, a Teologia apresenta soluções para o mundo e para a religião, como por exemplo dois segmentos divergentes e distintos: a Teologia da Libertação e a Teologia da Prosperidade. Gedeon Freire faz a seguinte caricatura destes dois tipos de pensamento:
"Se um fiel entrasse numa estrebaria e nela estivessem José, Maria e o menino Jesus, o fiel choraria, se emocionaria e daria todo valor ao momento. Enquanto que, se um teólogo da Teologia da Libertação chegasse à estrebaria onde estavam José e Maria com o menino Jesus, não veria José, Maria nem o menino Jesus, mas pobres que precisam de um novo Estado e prática econômica. Faria uma revolução, redividiria a estrebaria e criaria uma corporação comunitária. Já se um teólogo da Teologia da Prosperidade chegasse nesta estrebaria, não veria nada além do incenso, ouro e mirra."

Nós, cristãos críticos e estudiosos da religião cristã, olhamos para a Teologia da Prosperidade e a relacionamos como um movimento atual capitalista, que segue os moldes dessa nossa sociedade capitalista. Mas não é bem assim, os padrões e regras seguidas por essa teologia são padrões Mercantilistas do século XV, quando a usura, base do capitalismo, era ainda um embrião e PROIBIDA pela igreja. A teologia da prosperidade também é atrasada e desatualizada (uns 500 anos). As bases do Mercantilismo, também chamado de pré-capitalismo, são o intervencionismo do Estado na economia (que no caso da religião é a intervenção divina na vida), o metalismo, que dizia que a quantidade de metais preciosos é que demonstravam a riqueza do Estado ou do burguês (como Deus é o Estado dono do ouro e da prata, a quantidade de bens acumulados pelo fiel demonstra sua riqueza de fé e proximidade com o divino) e a balança comercial favorável (o crente tem que ganhar mais do que dá, logo todo sacrifício ou oferta feita na igreja é visando receber o dobro ou 100 vezes mais). Bom, teria também a prática alfandegária, taxas sobre o produto importado, mas eu diria que esta seria ou o preço pago por pecar e/ou "comprar produtos do capeta", ou então a igreja em si já é uma alfândega entre Deus e os homens.

Quer dizer, esse modo de agir e viver hoje adotado pela religião é mais do que atrasado, é antiquado e medieval. Mas não pensemos que a solução seria então o outro lado, a Teologia da Libertação. Revolucionária e inovadora ela com certeza não é. A Teologia da Libertação em si é a versão religiosa do socialismo ou comunismo, por anos perseguido e rejeitado pela igreja. Propôr mudanças em teorias econômicas, crer na igualdade de meios de produção, a não existência do capitalismo, o repúdio ao "Burguês", são idéias e visões do comunismo já falido. Décadas depois da ruína da experiência socialista, da queda do muro de Berlim, fim da União Soviética (do camarada Lênin que fora meu mencionado na introdução) a religião enfim adere a este propósito. "Dar dois passos para trás para poder dar um a frente".

A função deste texto não é resolver os problemas por ele apresentados (aliás, teriam muitos outros exemplos, mas a minha paciência de escrever e a tua de ler já se esgotaram) mas sim o problema a que ele se propõe, ao atraso da religião. Como cristãos, nossa fé tem que ser eterna (pois cremos e pregamos isso) e recorrente. Nossa fé tem que dar esperança e fazer sentido para a nossa geração. Nossa pregação tem que atingir os anseios do nosso tempo. Viver séculos atrasado não melhora o mundo, mas prova a nossa incapacidade de vencer Nietszche e sua afirmação "Deus está morto". Viver em atraso apenas cria uma barreira entre o diálogo da contemporaneidade com o trascendental. Viver com um passo sempre atrás não só não cumpre com o discurso e pregações revolucionários de Cristo para seu tempo, assim como estes para a eternidade. Ao invés de voarmos e subirmos aos céus do conhecimento e da consciência humana, sem nem necessitar dar passos, mas sempre acompanhar o tempo.

Hoje estamos um salto atrás. Devemos é nos ocupar e preocupar com a realidade de hoje. Os temas e a maneira de abordá-los tem que ser de acordo com a consciência de humanidade que vivemos, e não baseado em preceitos da Antiguidade ou conceitos da Modernidade, pois até esta ja é utlrapassada. Temos que reconstruir nossa cosmovisão. O caminho para isso? Nos libertar das antiguidades, não do passado, não jogar a história fora, mas analisá-la e aprender com o conjunto dos fatos e o conjunto humano a não parar e sempre avançar em direção a eternidade.