terça-feira, 9 de novembro de 2010

Rascunho de um pré-projeto filosófico meu ... hehehe

Problema (Rascunho)

Participamos de um momento histórico em que o desenvolvimento tecnológico, os avanços científicos e os turbilhões de informação desferem golpes no tempo e parecem acelerar a vida. Não há espaço nesta correria para a reflexão, esta tem sido ignorada. Criamos um mundo injusto, com práticas injustas, somos cientes, conscientes e vivenciamos isto, mas ignoramos.

Em Sócrates, ignorar a ignorância e ignorar aquilo que se sabe gera a injustiça. Na interpretação de Kierkegaard, esta injustiça ganha uma valoração de pecado, e tem consigo a máxima: “pecar é ignorar” . As duas expressam que não buscar o saber, mesmo que seja o saber do não-saber, ou seja, não buscar a reflexão, gera a injustiça. O problema está então neste ponto, precisamos refletir e deixar de ignorar, deixar de sermos injustos, ignorantes.

Desenvolvimento do tema (Rascunho)

A importância de se tratar do tema da ignorância em Sócrates, é que este se estabelece como uma das bases para a construção de seu conceito de justiça, e esta, a geradora de uma reflexão ética. Sócrates se presta em uma missão de, como apresenta Hadot, “fazer que os outros homens tomem consciência de seu próprio não-saber, de sua não-sabedoria” . Porque a necessidade de levar os homens à consciência de seu não-saber, de sua ignorância? Porque, em Sócrates, ignorar o que se sabe leva-nos à injustiça. Não pode um homem consciente de uma verdade deixá-la de lado, ignorá-la, isto seria injusto. Nisso gera-se injustiça.

Na Defesa de Sócrates, fica clara esta missão do filósofo, na qual se diz em nome do “oráculo de Delfos” o homem mais sábio. A princípio Sócrates parece relutante em ser considerado o mais sábio, e mete-se a examinar e procurar alguém que seja mais sábio que ele. Entretanto, em sua busca não encontra ninguém. Vai aos sábios, políticos, poetas e artesãos, porém, nenhum destes se sobressai como mais sábio que Sócrates. Em todos estes a falta de sabedoria é a mesma: “supõem ser os mais sábios dos homens em outros campos, em que não o são” . Esta seria a maior ignorância para Sócrates, supor saber algo que não se sabe: “A ignorância mais condenável não é essa de supor saber o que não se sabe? É talvez nesse ponto, senhores, que difiro do comum dos homens;” (1987, p. 46).

Esta ignorância de ignorar a própria ignorância, geradora de injustiça, será interpretada por Kierkegaard e, em sua visão cristã, será a causadora do pecado. Tirando a carga religiosa da palavra pecado, podemos compreender nesta interpretação a construção do justo para Sócrates, como diz Kierkegaard: “Admiti-lo [o pecado] é crer, como Sócrates, que nunca sucede praticar-se uma injustiça sabendo-se o que é injusto” (1979, p. 77). Logo, trazer os homens à consciência de sua ignorância é levá-los a não praticar uma injustiça. Como tomar alguma decisão justa sobre algo que desconheço? Não posso meter-me a supor que conheço este a mim desconhecido, pois assim praticaria uma injustiça. Então, antes de decidir preciso assumir que desconheço, tenho um não-saber sobre este algo, depois tentar descobri-lo, e ai sim, tomar uma decisão que apresente justiça.

O crivo para uma decisão justa está na relação entre admitir o próprio não saber e não ignorar aquilo que se sabe. O homem justo jamais tomaria uma decisão injusta conhecendo a justiça, levando em consideração este crivo. Como Kierkegaard apresenta: “a verdadeira compreensão do justo depressa o levaria a fazê-lo, e ele seria em breve o eco de sua compreensão: portanto, pecar é ignorar” (1979, p. 83). Como exemplo, na Defesa, Sócrates é acusado de corromper os jovens, e como argumento, utiliza-se da seguinte lógica: “Se corrompo, sem querer, a lei não manda trazer-me aqui por semelhante erro involuntário, mas tomar-me de parte, ensinar-me, ralhar comigo; evidentemente, depois de aprender, deixarei de fazer o que sem querer ando fazendo” (1987, p. 42).

Toda esta argumentação e trabalho com o tema da ignorância como uma das bases para compreender a justiça em Sócrates, dá-nos chão para caminharmos em uma reflexão sobre nossa postura frente a um mundo de transformações rápidas, em grande quantidade, turbilhões de informações e descobrimentos, num avanço desenfreado de nossa ciência e tecnologia. Corremos e corremos muito, sem nem sabermos se ainda existe chão sob os nossos pés. Aí reside o problema de nossa ignorância, não podemos ignorá-la.

A reflexão filosófica que Sócrates propõe e Kierkegaard interpreta, é necessária como freio para nossa voracidade humana. Não podemos esquecer que aquilo que não sabemos, ou ainda, não podemos menosprezar o nosso desconhecido, não podemos pensar que somos capazes de tudo saber ou ainda supor que sabemos o que não sabemos. Com tamanha presunção científica de onisciência, deixamos de lado a prática da reflexão, logo, a da justiça. Portanto, cometemos a injustiça. Se somos conscientes de nossa prática injusta, estamos a ignorando, logo, cometendo, para Sócrates, a maior das injustiças. Ou, se não somos conscientes, é porque supomos saber aquilo que não sabemos. De qualquer modo, resistimos e esquecemos a prática da reflexão, o crivo para a justiça.

De qualquer modo, é-nos necessário não ignorar o que sabemos. Somos cientes de que nossa exploração dos recursos naturais tem degradado e destruído nosso mundo, que nossa organização econômica incentiva a desigualdade e corrói as relações humanas, que nossos avanços na ciência e biotecnologia são rápidos demais para conseguirmos acompanhar, temos dado passos maiores do que nossas pernas. Logo, não podemos ignorá-los, não podemos ser injustos! O crivo reflexivo para a justiça traz consigo uma placa há milênios, que nos alerta o fato de que esta ignorância destrói, arruína, aniquila, pratica a injustiça. Tracemos então em nossa consciência o justo, busquemos não ignorar e sermos ignorantes, pelo contrário, reflitamos, reflitamos!

Referências

- HADOT, Pierre. O que é filosofia antiga?. 2. ed. São Paulo – SP: Loyola, 1995.

- KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano. São Paulo – SP: Abril Cultural, 1979.

- PLATAO. Defesa de Sócrates. 4. ed. São Paulo – SP: Nova Cultural, 1987.

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