terça-feira, 1 de junho de 2010

Paradoxando mais um pouco...

Os medos, a solidão, a pequenês e a indiferença do tempo praticamente nos obrigam a sermos dependentes. Não necessariamente de entorpecentes ou drogas, mas sempre dependentes. Nos sujeitamos ao controle ou poder de algo ou alguém, criamos amuletos, inventamos superstições, construímos um chão que não existe para garantir um tipo de segurança. Viver frente ao incerto, ao indeterminado, ao puro "azar" nos amedronta. Precisamos ser dependentes de alguma coisa que nos deixe firmes, imponentes, "poderosos". William James, filósofo pragmático inglês, diz em seu pragmatismo que ou amor ou esperança ou Deus, são a mesma coisa. Coisas inexistentes que chamamos a vida para sentirmos paz, alívio e segurança. Em suas palavras: "criamos Deus para nos sentirmos bem".

Entretanto, não creio que seja um mérito religioso este de criar dependências. Faz parte do ser humano. Orgulhosos, prepotentes, metidos e sabidões, sempre temos as respostas e as razões. Logo, na falta de uma certeza, frente ao indeterminado, incerto, precisamos criar nossas dependências. Chamemos também de ilusões. Escravizamos a nós mesmos. "Não sou nada sem você", dizemos uns para os outros. Criamos uma dependência escravizante, que ao invés do "amor ao próximo" nos tornar parte de um todo, torna o todo como nosso, nossa posse. Sem esse todo perdemos nossa certeza, nossa potência e, no fundo, nossa dependência. Assim como o "amor a Deus", que se torna uma sequência de atos religiosos, ritos, que "garantem minha boa estadia na terra". Atos religiosos vazios, que não valem nada, são apenas atos, que são desvalorizados a ponto de serem aquilo do que nossa vida depende. Ao invés do que era para ser bom gerar vida, rouba-a.

Iludimo-nos, nos escravizamos, nos infantilizamos e nos forçamos à ignorância. A consciência é uma bênção e uma maldição. Uma vez ciente da verdade, eternamente será incomodado por ela. Querer se livrar dos vícios traz uma realidade bruta: a vida. Por isso é muito mais fácil fechar os olhos para o que há e ser dependente de minhas ilusões. Ocupar os dias e os espaços com bastantes atividades e sons faz bem para afastar a indiferença do tempo e estreitar a relação com as dependências. O problema é refletir sobre a fuga dos vícios. Daí vem o paradoxo que mais tem me incomodado nos últimos tempos, a mensagem que a minha religião prega e seu grande desafio: "ensinar liberdade e independência e ao mesmo tempo responsabilidade com a vida e com o outro."

É incrível como o uso de uma mensagem de libertação, independência, gerou prisões e senzalas religiosas. Mas isso acontece na sociologia, na política, na filosofia e em qualquer outra área da expansão da consciência humana. Idéias, pesquisas, mensagens e projetos que eram para a liberdade, usados contra a independência. O Cristo que conheci ensinava às pessoas a tomarem as rédeas de suas vidas, para que caminhassem com seus próprios passos, tomassem suas decisões não baseados em leis, regras de conduta, amuletos, líderes ou cartilhas, mas por uma consciência de liberdade, consequentemente de amor. Se tem uma definição de amor que eu gosto é do gesto livre que não exige nada em troca, nem a correspondência do outro ou até mesmo o outro. Só há amor entre duas pessoas se estas forem independentes entre si, puderem decidir amar, ou seja, serem livres para quererem o outro simplesmente por si e pelo outro. Se numa relação um destes se aprisionar, já não é amor, e sim dependência. A nossa caminhada deve ser de buscar uma independência e ao mesmo tempo responsabilidade, consciência pelo outro. Precisamos gerar no outro também independência e consciência de responsabilidade.

Desprender do que aprisiona, valorizar o tempo, compreender as relações, ensinar, aprender, não criar certezas mas reconhecer as dúvidas, agir sem esperar recompensas e não iludir ou ser iludido. Se encantar pela vida, pelo que de fato ela é, abre uma bela trilha a se caminhar. Uma trilha interessante, pois não se sabe onde chega o próximo passo, não se tem idéia onde termina ou como termina, mas se sabe que é tomada consciente, concretamente. Não é uma viagem rumo a um lugar especial. Como diz Sören Kierkegaard, a vida é como se estivessemos suspensos no escuro sob um fio em um abismo, não sabemos onde dá o próximo passo ou se no próximo passo ainda haverá fio, não vemos o caminho, mas todos os dias damos um salto de fé. E o mais belo, é que fé não é ilusão, não é sonho, não é certeza, é sim confiança. Não sabemos onde dará, mas continuamos caminhando, confiando que se há uma vida a ser percorrida, que seja por inteiro, intensamente, vivida em abundância. Independentes, passeamos pela vida passo a passo. Nem parados e nem desesperados, mas apreciando e refletindo no passeio.

É um paradoxo. Ser livre e responsável pela vida. Ser independente e responsável pelo outro. Ter esperança e não ilusão. Querer saber tudo para chegar a conclusão de que não se sabe nada. Ter certeza de que temos dúvidas. Depender da vida é criar a morte. Ser independente é aprender a morrer para o que nos prende. "Quem acha a sua vida a perderá, e quem perde a sua vida por minha causa a encontrará".

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