segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Imortais: eternos infelizes!

Hoje andava com uns amigos na rua depois das aulas na faculdade, e lemos uma placa assim: "Jesus Salva", em vários postes e em várias paredes. Meus companheiros filósofos e eu, começamos a questionar-se sobre esta "salvação" com um ar irônico e rindo muito, até chegar ao ponto de um de meus parceiros de caminhada dizer: "Vamos escrever em cima do 'nome' a palavra Filosofia, 'Filosofia Salva'!". Então refleti rapidamente e apresentei uma nova idéia, uma nova crítica, um novo questionamento. Algo que até então nunca passara em minha cabeça. A questão não é "se salva", ou "quem salva?", mas sim, de quê salva? Seja Jesus, Filosofia ou Genésio, salva de quê?

Como cristãos cheio de respostas prontas, somos salvos da "morte". O problema é definir que morte: física? Espiritual? Aquela que nenhum da qual nós pode fugir? Pois bem, para respondermos a isso tudo (esta é uma daquelas perguntas as quais não temos certezas mas precisamos encontrar respostas), precisamos encarar os fatos que em nossa existência se apresentam: tudo tem um fim e nós caminhamos para a morte. A única resposta categórica da vida é que ela morre. Não temos segurança em uma existência que continue depois da morte, não temos certeza de uma vida para além desta, não temos certeza de algum tipo de continuação. A única categórica é a morte certa.

Pensando nisso, não posso tentar alienar aquilo que tenho para viver e/ou fugir da minha própria existência. Aquilo que dá sentido a vida é a morte. É o norte que guia a vida e que possibilita valores e significados para os momentos vividos dentro da existência efêmera e crua. O que faz da vida vida e do homem homem é a morte. A condição primordial e definidora daquele que vive é o destino imutável de morrer. Se admiramos um imortal, não admiramos um vivente, mas apenas um existente. A existência por si não tem sentido, apenas existe. Agora, quando ganha um fim, um ponto final, recebe uma dádiva, um sentido, um significado e pode então ser chamada de vida. Logo, a morte da qual Cristo vem nos salvar não é aquela física que nos "dá a vida", mas aquela que nos rouba a vida. A morte da qual somos salvos é aquela que enquanto vivos estamos mortos. Não saber viver, ou ainda, não fazer com que a vida seja uma vida abundante, uma vida eterna, é a morte. Não amar o próximo, não caminhar com dignidade, humildade, ser prudente e respeitador da vida, gerar vida, é a morte, é estar morto, não salvo.

Portanto, somos salvos de nós, daquilo que nos rouba a vida e nos faz morrer enquanto vivos. A promessa não está em uma troca de vida regrada por vida eterna. Aliás, a idéia de salvação não pode ser uma negociata e nem é uma barganha com Deus. Vivo tal qual ele aconselha e ganho de presente a continuação de minha existência. A Salvação está em descobrir o valor do dom divino, do presente de Deus: da Vida. Jesus salva da morte, daquilo que rouba a vida, do pecado. A existência humana depende de uma morte para ter vida. Negá-la é negar a mensagem de Cristo. Negá-la é não ser humano. Na nossa tentativa de ser divinos, invejamos a imortalidade de seres que são eternamente infelizes, por exemplo as divindades gregas. Os deuses são eternos infelizes. Por isso na mitologia utilizavam dos homens para ferir uns aos outros. Já que nenhum morria, o único sentido de sua ira ou felicidade era naqueles que viviam, nos mortais viventes, os quais em suas limitações e imperfeições eram a dependência dos deuses para suportar sua enfadonha, sem graça, depressiva e sem sentido eternidade. A eternidade só tem valor se antes de si existir a vida, que é a existência norteada pelo fim.

Não tenho fé por causa de um pós-vida, pois minha vida não é uma grande barganha. Não negocio com Deus. Apenas vivo como homem e caminho para a certeza que tenho: hei de morrer e ser esquecido. Entretanto, a morte e o esquecimento terão de valer a pena.

3 comentários:

  1. Vdd... Cristo nos trouxe vida(ZOE) para usufruiurmos agora, para fazermos sua obra no presente, e nos livrou do pecado (cujo salário é a morte).
    Jesus de fato nos salvou, mas para que pudessemos exalar Sua VIDA em nosso caminhar, em nosso testemunho.

    Larissa

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  2. Adorei sua reflexão .esse sim, foi um resumo perfeito da aula de segunda. de fato essa é a única certeza "vamos morrer"

    Rafael Diogo Valmoleda

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  3. Olá ...
    Seu texto trouxe à minha memória Nietzsche com a seguinte frase: "Ensino que a vida jamais deveria ser modificada ou esmagada devido à promessa de outro tipo de vida futura. O imortal é esta vida, este momento.”

    Parabéns pela reflexão.
    Às vezes, também me questiono acerca de que ou de quem somos ou seremos salvos, afinal. Quando você escreveu:

    “Não saber viver, ou ainda, não fazer com que a vida seja uma vida abundante, uma vida eterna, é a morte. Não amar o próximo, não caminhar com dignidade, humildade, ser prudente e respeitador da vida, gerar vida, é a morte, é estar morto, não salvo...”

    Em minha singela opinião, você resumiu completamente o tipo de salvação da qual carecemos, ou seja, necessitamos ser salvos da nossa maneira vil de viver e só isso. O termo grego para salvação usado pelo cristianismo é (soteria) que dentre suas definições além de libertação significa também sarar. E, acredito que o arrebatamento acontecerá, no entanto a salvação da qual necessitamos, antes de tudo, é a do instante (nûn) nós precisamos ‘usar’ o céu como uma utopia boa e não como algo que nos tira da realidade do presente (khronos). Em outras palavras, quando estivermos totalmente inseridos na sociedade vivendo de forma curada, seremos aptos ao céu. Gostaria de me estender mais, mas você já disse tudo.
    Copiarei, colarei e enviarei aos meus contatos – citando a fonte claro! (kkk)

    Gilvan Albuquerque

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