sexta-feira, 23 de março de 2012

A Senhora linguagem

Êxodo 20: 7 "Não tomarás em vão o nome do SENHOR, o teu Deus".

Depois que aprendi a falar, não consigo mais pensar sem palavras. Como pensava antes? Será que quando pequeno eu não pensava? Aliás, assim como o ovo e a galinha, o que veio primeiro: a palavra ou a experiência? Para fugir do caminho de um ou de outro, aceito ser controverso: primeiro veio a Vida.

Acho sensacional nossa capacidade de falar; somos aptos para discutir a mesma coisa com dois discursos diferentes que querem "dizer" o mesmo. Já percebi que muitas vezes entramos em embates épicos por absolutamente nada. Desferimos golpes certeiros com nossos argumentos afiados, nos protegemos nas estruturas da linguagem e, principalmente, na crença que nós e os "outros" temos de que as palavras são reais. Damos mais valor às palavras do que à boca que as profere. Por muitas e muitas e muitas vezes, nos digladiamos em conversas que, no fim, chegam, pelos dois caminhos discursados, ao mesmo lugar...

Provavelmente nos adaptamos bem demais. Desenvolvemos com destreza um instrumento que nos ajuda a suportar a existência: a linguagem. Enquanto o camaleão foi agraciado com seu dom adaptativo de disfarce para conseguir se alimentar e fugir de predadores, nós, sábios humanos, fomos presenteados com uma ferramenta espetacular que nos permite produzir matérias para nós mesmos, expressar nossas experiências e viver em sociedade. Aprendemos a falar e a organizar nossos discursos. Passamos, com isso, a existir de um modo diferente, experimentar a Vida de um jeito diferente.

O problema, entretanto, é que nosso instrumento parece ter começado a ganhar vida própria. Criamos um robô com um germe de inteligência artificial que trabalharia a nosso favor. Porém, tempo passou e o robô, que seria nosso funcionário, assumiu as rédias de nosso cotidiano e fez-nos de escravos. Trabalhamos em função de nossa linguagem, pensamos estruturados em nossa linguagem, damos menos importância à vida do que damos a nossa linguagem. Nosso instrumento de trabalho existencial transformou-se em um paradigma , uma barreira que nos prende à uma cidade fantasma onde a vida não é bem-vinda. Somente aceitamos propostas se estiverem carregadas de argumentos, apenas consideramos as experiências válidas se trouxerem consigo marcas dos espéctros invisíveis que a linguagem nos ensinou a adorar.

Estamos tão presos à linguagem que cremos que ela seja uma tentativa possível de alcançar o eterno. A linguagem tomou o lugar de Deus. Colocamos em sua conta a função de explicar a vida. Antes perguntávamos as dúvidas para o Xamã, hoje para os que melhor utilizarem do instrumento "linguagem". Mas a vida não é explicada ou feita pela linguagem; as palavras são nossas servas, não senhoras. A vida está "para muito além" de um instrumento. Se nos fizermos senhores das palavras, a linguagem retoma seu lugar de instrumento e nos serve não para demonstrar a vida, mas para transformá-la.

Piamente nos tornamos devotos dos deuses do discurso. Cremos que como "sacrifício vivo" devemos explicar tudo e nomear a todas as coisas  para satisfazer as alegrias do nosso panteão. Instituímos filosofias, ciências, pedagogias, psicologias, teologias e religiões. Tentamos dar "razão" ao mundo, obedecer os robôs que nos comandam. Não! Jamais! São nosso instrumento, são mero instrumento. A vida não pode ser vivida em discursos, não pode ser explicada pela linguagem. Vida não é demonstrável, é mostrada, somente vivida. Deus não é demonstrado, apenas mostrado, experimentado, vivido. Já nos alertaram: não pronunciemos o nome de Deus em vão...

A linguagem não é uma corrida atrás do imediato. As palavras não são as justificativas para a Fé. Aliás, a "Fé vem pelo ouvir", e, para isso, precisamos ficar calados. Independentemente do que eu pense ou fale sobre a vida, ela vive. Inútil é nos prendermos às palavras, crermos que elas tem poder. A vida é muito maior, Deus é eterno! Se nos furtarmos de conhecê-las como instrumento, tornamo-nos escravos. Não escravos uns dos outros, mas dos discursos dos outros. Nós tornamo-nos gladiadores: escravos que lutam para satisfazer os prazeres de seus senhores...

Para aprendermos a fugir das armadilhas que criamos para nós mesmos com nossos instrumentos adaptativos, precisamos começar a dar mais valor para a boca do falante do que para suas palavras. É necessário compreender que verdades não são feitas por hormônios e impulsos elétricos que perpassam pelos cérebros dos homens, mas em suas mesas na hora de cearem juntos. O nome de Deus não pode ser dito em vão. O nosso Senhor está para além da linguagem, é muito maior do que nós, eternamente mais profundo do que nosso instrumento. Primeiro veio a Vida. A verdade não foi proclamada quando um homem falou, mas quando o Filho de Deus partiu conosco sua carne...




Gratis i Kristus

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