terça-feira, 19 de junho de 2012

Verdade

"As pessoas"; tenho um problema sério com essa expressão. "O público", "o povo", o burguês", "a ciência", "os pastores" e "os qualquer outra coisa", são todos termos genéricos que me incomodam. Para garantir que não haja erro em minha fala e que ela tenha um valor "profundo", "irrefutável" e "universal", utilizo a indireta que esses termos genéricos possibilitam garantindo a maior abstração possível em nossa conversa e distanciando, desse modo, tanto a minha vida quanto a tua do problema que estamos tratando. Engraçado; descobri que não são apenas esses termos "gerais", mas, hoje, qualquer termo é genérico, abstrato e universal.  Nos habituamos a repeti-los sem saber seu significado, sem nos identificarmos com eles, sem termos coragem de colocarmos o nosso na reta: eu.

Tenho pesquisado muito Soren Kierkegaard (um amigo morto que me acompanha em conversas íntimas). Por esses dias, enquanto tomávamos chá e comíamos chocolate antes de cada um ir para seu próprio quarto e encontrar seu próprio travesseiro, ele me disse: "nenhum homem, nenhum, ousa dizer 'eu'". Ele me atiçou com essa constatação genérica enquanto contava que os indivíduos se acostumaram a ler e repetir expressões complexas e acadêmicas dos livros e dos jornais legitimadas por um saber "científico", uma superioridade de seus "intelectos" e de suas "lógicas". Se eu aprendesse a organizar uma oração de acordo com as regras estipuladas pelo "princípio correto", seria tido como um gênio. As conversas eram abstratas, genéricas, evasivas e repetitivas. Até a "verdade" se tornou genérica. Todos falando em nome dela, ninguém preocupado em mastigá-la e experimentá-la em sua própria intimidade. Todos falam, ninguém existe. De tudo se fala, nada existe.

Assim como "as pessoas", "o povo" ou "o político", "a verdade" parece ser mais um termo, mais uma generalização, mais um nada que ocupa nosso tempo enquanto assistimos TV, lemos livros/jornais ou blogs na internet. Uns até arriscam falar que ela é provisória; mas, quando o fazem, generalizam do mesmo modo que aqueles que a defendem como única. Todos falam da verdade, ninguém existe com ela. Seja caçando para si autoridade na ciência, filosofia, acadêmia, política, estética, futebol ou religião, cada um de nós quando fala da verdade, fala como se ela estivesse em um lugar parada para ser admirada. Distante, abstrata, nos céus, na terra ou no inferno, essa estátua que, para alguns, é mutante, existe em qualquer lugar, menos em nossa existência, conosco em nossa intimidade. Parece que falamos dela, mas ela não faz parte de nós, nem mesmo de nossa fala. É uma palavra que se refere a qualquer coisa com a qual não tenho parte, mas, sabe-se lá como, consigo dizer seu nome.

Verdade: uns dizem categoricamente que não existe, outros que é uma mulher, outros um homem, outros morrem de medo e, ainda mais uns genéricos, escorregam nas orações abstratas e se contentam com afirmar sua provisoriedade. Bem, não tenho problema em dizer que ela é provisória. Nem que ela é eterna, nem que é aterrorizadora, nem que é linda, nem que é qualquer coisa; quando estamos só nós, eu e ela, dentro de quatro paredes, não há ninguém que possa dizer qualquer coisa sobre nossa intimidade... Faço miséria com essa palavra. Assim como promovo riquezas. Arrebentamos juntos. Do mesmo modo que somos destruídos pelo cansaço. A verdade existe sim, e não é nem um pouco genérica: dorme e acorda comigo todos os dias, somos uma só carne, tomamos parte um do outro.

A verdade é verdade enquanto creio nela, enquanto confio no que ela é. E o que ela é? Se depende de minha crença - confiança -, é um objeto de Fé. Sendo um objeto de Fé, uma experiência existencial e íntima minha, própria, individual, não é uma questão de exprimi-la "bem" numa generalidade qualquer para ser usurpada e estuprada por qualquer um que interprete com sua própria experiência de Fé aquilo que tive que expressar através dessas bem-mal-ditas palavras. Me arrisco a colocar em sons isso que sinto para que compartilhe com mais alguém minha verdade. Porém, são apenas sons; barulhos genéricos sem valor nenhum para outro que não eu. Talvez, esse som possa ter valor para você que me ouve - ou melhor, que me lê. Mas, apenas tem valor porque experimentou alguma vez em sua intimidade dentro de quatro paredes tuas o êxtase de Fé que é mastigar o que está por trás do símbolo exprimido nessas palavras.

"A verdade"? "O povo"? "O público"? "O burguês"? "O homem"? "O indivíduo"? "A ciência"? "A religião"? Quem? Você? Eu? Entendo muito melhor agora aquela metáfora que diz que quando falamos de alguém, falamos de nós mesmos... Entendo muito melhor agora a metáfora de Paulo Freire quando diz que existe um opressor dentro do oprimido... Entendo muito melhor a metáfora que diz: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim"... São encontros! É a intimidade! Sou eu! Existimos, existo, existe...

Nossas conversas não podem ser mais genéricas, eu não devo mais ser genérico. Existe muita vida para se viver, mas abstraímos tudo para a arrogância e a comodidade de entregarmos autoridade às palavras ou algum outro mito que não o nosso de alguém que contou algo (genérico...). É ter coragem de experimentar o próprio quarto, de fechar a porta, de experimentar a quietude e a companhia de quem se confia. São opções de Fé, experiências de crenças - não, não há segurança alguma, não há terreno estável. São mitos que nos contam e que nós, podemos ou não, acreditar. São mitos que contamos à nós mesmos e, quando colocamos os pés no chão, iremos ou não passar a confiar. Estamos montados numa rede de relações e confianças. Falar de generalizações rouba muito tempo de quem mal tem tempo de viver...

A verdade existe, é única e dependente de uma experiência de Fé. Quando contar sobre ela será por meio de um belo mito que, talvez, partilhe de algum modo da experiência de alguém. As palavras não podem ser genéricas e nem nossa existência covarde. Em vida sou herói e devo ousar em minha caminhada...


Gratis i Kristus

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