É muito mais fácil fechar os olhos, jogar as mãos para cima, os braços no ar e sentir o corpo pulsar acompanhando os bumbos e as batidas de uma "tecnera" bem louca do que se sentar. É muito mais fácil ver imagens, luzes, laseres e explosões em uma televisão do que parar frente ao nada. É muito mais fácil falar e estar sempre rodeado de outros seres falantes do que ouvir a própria respiração. O nada. Como é bom.
As vezes achamos que é muito mais cansativo e desgastante uma noitada arrastada aos risos e loucuras do que apenas olhar para o que se apresenta no silêncio. Não, muito mais cansativo é o olhar para o que se apresenta no silêncio. A incontável quantidade de cores absorvidas pelos olhos fixos em um ponto e os milhares de objetos que se movem e se confundem entre luzes e sombras são complexos demais e exigem muito de nossa concentração, percepção e sabedoria. Ocupam muito da nossa cabeça, é exaustivo. Ser obrigado a pensar, a perceber a realidade a ter consciencia do que está na nossa frente é duro demais para uma geração habituadas a apenas assimilar informações e não criá-las.
Talvez seja culpa de nossa maneira de educar as crianças, sempre dentro de padrões e paradigmas. Como um exemplo que ouvi recentemente: uma criança pinta o céu amarelo e o sol azul, é repreendida pelo professor pois o certo é pintar o céu azul e o sol amarelo. Acabamos de enterrar um Picasso ou Monet, já que agora ao invés de pintar como um desses gênios que quebram paradigmas, a criança pintará como um idiota qualquer. Sempre repita padrões, dê resultados, respostas, exprima e decore informações. Mais fácil ir ao Google para tirar a resposta da frente, apertar um botão, ouvindo uma música, falar com amigos combinando a próxima balada e sair sem nem desligar o computador ou perceber se a luz da sala ficou desligada ou acesa do que procurar bons livros, refletir sereno em algum lugar, descobrir as verdades nunca absolutas dentro de si.
Ou talvez seja a carência pelo incrível, sobrenatural o "super". Algo que me deixe entretido, vazio e estupefato sem exigir esforço. Filmes cheios de efeitos, músicas barulhentas e confusas, gritos, profecias, mantras e rituais difusos em templos e igrejas. Sem pensar, sem refletir, sem se sensibilizar com a realidade encontrar o que preencha mesmo que por pouco tempo minha ansiedade por algo maior.
Os "orientais" sempre trabalharam a importancia das meditações e do olhar para o interior. Os "ocidentais" contribuiram para a observação da realidade, do meio que os cerca, das relações com o exterior. E o que une essas duas pontas de um mesmo propósito (consciencia, conhecimento e expansão das "verdades") é o silêncio, o parar. Tirar um tempo para ouvir o que o todo tem a dizer, o que a vida tem a mostrar, o que Deus tem a falar. Sentir a necessidade e os anseios da humanidade em mim. Me sensibilizar para o outro e refletir do como posso contribuir e revitalizar o que está moribundo e em decadência. Tentar salvar em mim e no outro o que está em perigo.
Os religiosos fazem de tudo para falar com o divino. Ritos, exercícios, danças, músicas e discursos que tentam "mover" o divino em favor dos mortais que sofrem. O problema é que em todo esse trabalho não se dá atenção e espaço para o conselho e a resposta que o divino tem para dar. O silêncio de Deus não é mudo, é a resposta. O silêncio de Deus dá voz ao clamor dos homens e abre espaço para que quem sofre peça auxilio e seja socorrido por seu irmão. "O mesmo Deus que estava em Cristo está em nós", dizia Amaurico de Benna. Todos esperam pela resposta de Deus, e esta é o silêncio para que quem encontrou este Deus em si responda em Seu nome.
Jacó encontrou Deus quando lutou consigo no relato de Gênesis. Elias dentro de uma caverna viu fogo, viu terremoto, viu vendavais e furacões, mas Deus apenas foi percebido na brisa, no ar com um sutil movimento, como conta o mito dos livros dos Reis. No silêncio, no caminho para si e para o outro, na percepção da realidade, na percepção da humanidade, encontramos Deus. No sentar, no respirar, no aquietar percebemos as verdades nunca absolutas que respondem em seu tempo e seu contexto os anseios e necessidades dos homens. Mais difícil é abrir os olhos e se deixar tomar pelos pensamentos sobre a vida do que levá-la sem nunca parar. A vida bem aproveitada não é aquela cheia de compromissos e atividades, mas aquela que participa da Vida, do todo, e busca gerar mais vida, concertar o que está errado, buscar respostas e viver para o outro, não apenas para si. Pensar no outro, não pensar apenas em si. Mas para isso, é preciso ouvir e estar atento para o outro, para o que acontece, para a realidade. É preciso ficar em silêncio.
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