Se Deus é o Criador, tudo se fez por meio Dele. O tudo de fato tem que equivaler a Tudo, o todo, todas as coisas. Se essa máxima for verdade, qual seria a origem do mal? Deus? Pensado isso, desviamos o olhar e negamos essa possibilidade. Pois, se Deus é bom e detesta o mal, como criaria o mal? Será que o mal é um mal necessário? Jamais. Na prática, indifere a todo ser saber a origem do mal, já que todos sofrem com o mal, tem conhecimento do mal e convivem com o mal. Na teoria, conceber um Deus infinitamente bom que cria o mal não faz sentido. Estabeleçamos então uma linha que una a prática a teoria e construa um caminho que aponte uma origem para o mal não para a construção de uma nova teologia, uma nova teoria ou um novo ritual religioso que nos afaste do mal e do sofrimento, mas para que nos ensine a lidar e ensinar o como se trabalhar o mal.
Partir do pressuposto que somos todos maus, pecadores e geneticamente "sujos" por causa de um fruto experimentado num Paraíso terrestre no princípio de tudo é ingenuidade. Primeiro por ser um mito, uma alegoria, que fora escrita para passar valores culturais e religiosos, não explicações fatídicas, jornalísticas e científicas. Segundo porque ninguém pode ser culpado de cometer maldades se estas não forem compreendidas como maldades por aquele que as pratica, quer dizer, se existe ignorância sobre um fato, não se pode culpar o ignorânte até que este tenha ciência. e uma consciência sobre bondade, maldade e pecado para que seja cLogo, nenhum homem pode ser visto como pecador e mal apenas por ser homem, precisa antes ter uma bagagem cultural onsiderado assim. Para não perder o foco da reflexão, a "origem do mal", não prender-me-ei em definir estes conceitos e nem entrar em questões morais.
Então, se aquela primeira idéia da maldade ser resultado da chamada "Queda", "Pecado Original", precisamos rever a construção teológica. Comecemos pensando no Criador; criou tudo e é em si completo, eterno, infinito, suficiente, independente, todo-poderoso, bom, fiel, justo e sempre o mesmo. Se partimos do princípio que Deus é bom e rejeita o mal, Nele não há mal. Para que haja mal portanto, é necessário que exista um espaço que Deus não interfira ou preencha. Um espaço sem Deus. Chamemos de "Espaço Ateu". Se Ele preenche a tudo, não existe este espaço. Entretanto, se nós existimos e não somos Deus, logo, Ele permitiu que existíssemos, abriu um "buraco" em si para que viesse existir o Universo. Fazemos "parte" de Deus, estamos em um lugar aberto por Deus em Deus. Nisso, o "Nele, por Ele e para Ele" ganha um novo significado. Mas sem Deus, não há vida. Logo Ele também deve estar de alguma forma dentro de sua Criação, pois se estivesse por si só não haveria vida. Resumindo: A Criação existe pois Deus abriu espaço em Si para a sua existência mas só há vida se Ele estiver de alguma forma fazendo parte dela.
A vida em si é a interação divina criadora com sua criatura. Mas o todo criado por Ele tem que ter algo em que Ele não toque para que haja espaço para o surgimento do mal. Um ser especial que seja capaz de contradizer todo o paradigma ou padrão que permeie as coisas criadas. Dentro de toda a Criação encontra-se um ser diferenciado (não por ter algo a mais, mas algo a menos: é incompleto). Não compreende o padrão e a ordem que equilibra e encaminha a vida. Tudo sempre está em equilíbrio e busca o equilíbrio, a vida sempre se renova e incentiva para que haja mais vida exceto esse ser especial, incompleto, o ser humano. Nesta criatura há o espaço que Deus não toca, que não mexe por sua própria vontade: o livre-arbítrio. A capacidade de decidir o que quer, quando quer e buscando meios de conseguir o como quer, dá ao homem a habilidade de contrariar a Deus e sua perfeição. Se há um "Espaço Ateu", capaz de gerar o oposto a Deus, o mal, é o livre-arbítrio humano.
A maldade torna-se um produto única e exclusicamente humano. Agir contra a vida é uma capacidade única e exclusivamente humana. Ao passo que Deus aconselha e explica por suas pistas de bondade e vida o como manter a vida boa e sempre em ascensão, o homem cada vez mais consegue explorar sua liberdade e gerar o oposto ao divino. Entretanto isso não gera uma rivalidade entre Criador e criatura, pois o Criador misericordioso, amoroso e bom não interfere no livre-arbítrio da criatura mas sempre o incentiva a tentar expandir sua consciência e caminhar em direção ao divino e não se destruir levando consigo todo o resto (um colapso da Criação).
Uma visão dual de mundo e de divindade não se encaixa mais a este tipo de construção lógica. O mundo passa não mais a ser disputado por duas divindades ou condenado ao fim ou ainda assistido por uma divindade distante que apenas espera que tudo se acabe, mas, pelo contrário, apresenta-se agora um Deus que faz parte de sua Criação, caminha com ela e permite que ela se construa. A expansão da consciencia de suas criaturas implicaria em uma percepção do divino e a busca por um caminho que gere vida e torne a criação completamente parte do divino. O espaço aberto para a existência das coisas e o livre-arbítrio devem seguir para a sintonia com o divino e encontrar então o que é denominado Reino de Deus, estar na presença de Deus. O "Nele, por Ele e para Ele". Um Deus Imanente e Transcendente ao mesmo tempo. Apresenta-se em sua Criação mas permite que ela exista por si.
A responsabilidade da existencia do mal ser humana, compete agora que o remédio também surja ou exista a partir da própria humanidade. A natureza humana então não se define boa ou má, mas simplesmente humana. A construção e expansão de sua consciência que decidem sua natureza. O querer o bem ou o mal é decisão do homem. As relações de salvação e tudo mais tem de ser refeitas e reinterpretadas agora, pois o homem como um todo e não apenas como indivíduo tem responsabilidade para com o todo e não apenas para si. A antiga percepção de uma redenção coletiva e não individual volta a cena e monta um novo: o homem procurando Deus e este sempre estando embaixo de seu nariz. Trabalhar a maldade agora não é uma luta contra um terceiro (o velho Diabo) nem contra potestades imaginárias, mas contra atitudes e maneiras de se viver humanas, que destróem a vida e distanciam o homem de Deus.
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