terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Religião e doutrinas

Religiosamente me dedico a fazer críticas à religião. Não poderia ser diferente, sou religioso e apaixonado pela minha religião. Nietsche, um filósofo que angustiado se divertia com suas brilhantes críticas à religião, escreveu em Ecce homo: "ataco somente as coisas as quais se exclui qualquer antipatia pessoal [...] atacar para mim é um sinal de benevolência [...] os cristãos mais convictos foram sempre de algum modo dignos e benévolos". Bem, digo o mesmo. Aliás, talvez eu diria que ataco somente aquilo que me apaixona - indico um texto que escrevi nesse blog chamado "A Causa". "Amar os inimigos" pode ganhar um significado interessante aqui...

Os aspectos que mais me incomodam na religião são os dogmas e as doutrinas, não eles em si, mas o que muitas vezes fazemos com eles. Não sou dos irresponsáveis que jogam fora todos os dogmas e amassam todas as doutrinas apenas por não fazerem parte da "última moda" ou por não terem sido criadas pela geração Steve Jobs, tenho consciência de que existe uma história gigantesca incorporada à eternidade que me precedeu e criou as fundações das casas que tenho frequentado. Como exemplo, sou defensor ferrenho do "sacerdócio universal de todos os santos", dogma que já leva nas costas seus mais de 500 anos. Porém, procurar um meio para que a existência desse dogma seja absoluta e irrevogável em termos "legais", que dará origem ao legalismo, nos faz tropeçar e falhar com as transformações salvíficas de que a religião se propõe.

O fundamentalismo está plenamente de acordo com o "sacerdócio universal", por exemplo, já que torna a leitura dos textos Bíblicos literal, o que possibilita que qualquer um os leia. Porém, esse tipo de leitura atropela toda a beleza cultural, diversidade e construção histórica da Bíblia - isso sem falar nos problemas teológicos que essa vertente causa. Contra isso, surge a Teologia Liberal com estudos filológicos e avanços arqueológicos, que protegem a história, mas restringem o "sacerdócio universal" ao "sacerdócio acadêmico". Os fiéis leitores do Livro Sagrado tornam-se reféns dos estudiosos e das últimas traduções e descobertas. Para proteger um dogma inventamos outro que, recebe como reação a criação de mais um que preserva a existência de um, mas contradiz a de outro. Estamos imersos numa rede de trâmites legais e a burocracia informal rola solta na religiosidade dos fiéis.

Olhando para todo esse balaio, resolvi refletir sobre um texto bíblico, 2 Crônicas 30: 18 - 26, já que esse livro faz parte dos dogmas que construíram as bases da minha caminhada de Fé. Era tempo da Páscoa, mas nem todo o povo tinha se purificado e cumprido com os rituais exigidos pelo Templo. Os sacerdotes ficaram receosos e a Pascoa seria "cancelada", o que também seria um sacrilégio e quebra de um dogma. O rei, porém, decidiu orar por misericórdia do Senhor e mandou que todo o povo fosse servido mesmo que sem o ritual de purificação e que a Páscoa fosse celebrada. O Senhor se agradou da postura do rei e do povo. O rei mandou que a carne fosse distrubuida para todos e que o churrasco fosse comido com gosto. Pois bem, naquele tempo a festa celebrada fora tão fantástica que nem nos tempos de Salomão se tinha visto uma comemoração como aquela.

Os dogmas e as doutrinas são importantes e dão identidade à religião e às posturas de Fé. Porém, se utilizados como um termo "legal", uma determinação absoluta que tem valor num pedaço de papel e não na vida, acaba por ser destruidora. Ela pode acabar com uma festa. Por outro lado, se os dogmas são defendidos e construídos baseados na vida e na maneira de viver - ao invés de determinações pautadas num discurso - faz da celebração a expressão dessa Vida. Religião que exige contrato de membresia como garantia da caminhada de Fé tem um potencial destruidor em suas palavras, pois não são exposição da vida que se vive, mas do papel em que se prende. Religião deve calcar-se no dia-a-dia, nas ações, na paixão, no amor. Não deve ser a doutrina a criadora de uma religião, mas a religião sua interprete. Como religiosos, nos apaixonemos e aprendamos a nos doutrinar...


Gratis i Kristus

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