domingo, 17 de abril de 2011

Gênesis 28: 16

Passadas horas de atraso da locomotiva que vinha de Minguelim e ia em direção à costa Oeste, Estêvão deu seu primeiro suspiro e ajeitou o tronco para frente, desencostando do banco de madeira escura que ficava junto à parede vermelha, próximo à porta da pequena estação cidade de Laguinhos. Apesar da aparente postura de tranquilidade, fazia tempo que não ficava tão ansioso. Retornaria para casa depois de dois meses de estudos e pesquisas sobre certos tipos de plantas que existem apenas na região daquela cidade do interior. Seria possível que estas fossem remédio para cura de vários tipos de doença. Um prato cheio para um biólogo. Um prato cheio para Estêvão.

Sentia muita saudade de sua mulher, a bela Lúcia, que a pouco tempo depositara no anelar uma aliança dourada após uma longa cerimônia cristã. Apesar do marido não ser muito religioso e o fervor da esposa chamado de "não-praticante", fora um belo evento na Igreja Matriz. Sentia falta de suas conversas com primo Ângelo, matemático aplicado e fissurado por Euller, que também propunha uma fórmula matemática para explicar Deus. Fazia tempo que não conversava com Ferdinando, cabeleireiro italiano de esquina que lia muita filosofia e tinha interessantes sacadas intelectuais. Como faz falta a casa da gente! Como faz falta abrir mão de nós mesmos para termo-nos com outros. É uma ponte muito estranha essa que que se constrói entre o frio na barriga, a saudade e a esperança.

De tão concentrado em controlar sua ansiedade, Estêvão nem viu o velho bilheteiro se aproximar. Um velhinho simpático, de óculos redondo, nariz alongado, um cap azul escuro e uma farda de funcionário ferroviário adornada com botões dourados de número um pouco maior que o tamanho de seu corpo. Já se aproximava da quarta hora da tarde, horário que todo bilheteiro que se prese dá uma saída do trabalho para esticar as pernas. É que a bilheteria é muito reservada e depois de certa hora do dia cala-se de vez, esquecendo de seu relacionamento diário com os bilheteiros. Enquanto puxava dedo por dedo da luva branca da mão esquerda, admirando o reflexo nos trilhos causado pela queda que o Sol dá quando avisa de sua partida, o velhinho deu um suspiro e disse:

- Ah, como Deus é bom. Faz tudo tão perfeito que este mesmo Sol, nesta mesma hora do dia, em todos os dias, ande até certo ponto e me dê esta paisagem divina, maravilhosa...

- Como?! - perguntou Estêvão interessado em ensinar ao velhinho toda sua biologia-matemática-filosófica - Meu senhor, todos os dias é a Terra que gira em torno do Sol. E mesmo que tenha sido Deus que os tenha feito, não foi bem para o senhor, mas para tudo. Aliás, não é bem uma "paisagem divina dada para ti", pois enquanto que para um velho bilheteiro da cidade de Laguinhos é bom, para algumas plantas no Outono é causa de morte, para alguns pobres sedentos é motivo de desespero e para mim é catalisador de ansiedades.

O velhinho balançou a cabeça positivamente e guardou a luva esquerda no bolso traseiro da calça azul escura. Calmamente, passou a mão desluvada no queixo com um ar surpreso e em seguida começou a tirar a luva branca da direita:

- Muito interessante isso que me falas, filho. Enquanto muitos explicam tudo sem nem percebê-lo, tive uma experiência de fé antes mesmo de saber como tudo é. Eu sempre vivi antes mesmo de saber que era vivo. Muitos procuram com as próprias pernas encontrar Deus. Caminham pelo mundo, invadem as menores cavernas, descobrem os maiores tesouros, pegam trens, voltam para casa, reencontram amigos e a fé ainda parece muito distante. Deus está aí, rapaz! Talvez não controle o Sol, nem a Terra, nem a mim e nem ao sedento, mas Sua face está estampada nesse quadro. Talvez tanta dor, tanta morte, tanta ansiedade e tanto desespero, haja porque não se vê que Deus está aqui, debaixo dos meus pés. Também está ali depois daqueles trilhos. E está no céu, está no Sol, nos trens e na tua casa, na esperança daquele que ama. Vá em paz, jovem. E que Deus esteja contigo em sua viagem.



Gratis i Kristus

Um comentário:

  1. Fala meu querido tudo bem?
    Muito bacana o seu blog, adorei o títudo do blog...Devaneios>capricho da imaginação, muito bom....estamos juntos ai meu querido, caminhando na contra mão desse mundo secular, na contra mão de teologias que deixa as pessoas mais duras, tristes e infelizes....
    Abraços meu querido!
    Guthy VeríssimoO

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