quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

"Ensino Básico"

“Art. 205 A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

Subentende-se por ensino básico um conjunto de informações de variadas disciplinas, e nós, brasileiros, levamos muito a sério o que se refere ao básico. Seguimos ao “pé da letra” e rigidamente este tipo de ensino (bem básico).
Na verdade, ensino básico não são informações específicas e exatas como fórmulas físico-químicas, cálculos matemáticos, nomenclaturas biológicas, datas históricas ou determinações geográficas, pois elas por si só servem para fazer uma prova, prestar um vestibular, avaliar a capacidade de memória do aluno. Dever-se-ia ter por ensino básico a idéia previamente analisada e, inclusive, determinada por ordem de importância na Constituição da República Federativa do Brasil: um ensino que visa “... ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O desenvolvimento de uma pessoa está diretamente atrelado ao desenvolvimento de sua cidadania. Cidadão é toda pessoa humana, considerada a partir de suas características particulares, que goza dos direitos e deveres civis e políticos de um Estado. Então, o primeiro passo para alcançar o “status” cidadão é ser um “ser humano”. Passar a matéria bruta de uma disciplina para um receptor qualquer não forma uma pessoa, e sim um projeto de enciclopédia que não necessariamente assimilará ou armazenará o conteúdo transmitido.
Produzimos e mantemos esse padrão e ideologia de ensino por dar mais importância e levar mais em conta (praticamente só dar atenção) a segunda parte do artigo da Constituição: “... e sua qualificação para o trabalho”. Aqui não queremos debater e refletir o porquê de termos esse tipo de pensamento e preferência, mas para não deixar vaga a apresentação desse comentário, deve-se levar em conta que vivemos dentro de uma sociedade de política financeira, em que tudo se reflete em trocas de valores e capital, o que estabelece as relações de importância e função social. Então buscamos ver nossos filhos em uma situação melhor do que a nossa e fazemos de tudo para que eles tragam importância a família, façam seus nomes e sejam reconhecidos como “importantes” dentro da sociedade. Tentamos prepará-los então para o mercado de trabalho. Mas no meio do caminho para este mercado há um vestibular, e ainda há um vestibular no meio do caminho para este mercado. Daí a idéia de enfiar um monte de informações na cabeça dos alunos (eles têm que passar no vestibular e estar prontos para trabalhar).
O ensino básico não pode em hipótese nenhuma visar como objetivo transmitir técnicas para uma prova ou para desempenhar um ofício, essa formação vai da creche até o ensino médio. A função de desenvolver a habilidade específica e/ou qualificada para o desempenho de uma profissão é exclusivo do ensino superior. Tanto isso é verdade que a pergunta que todo aluno de ensino básico que gostaria de entrar e exercer uma profissão relacionada à área de humanidades é: “Porque eu tenho que saber química se o que vou fazer da minha vida isso nunca me será necessário?”. E o mesmo com um aluno de exatas ou biológicas: ”Porque estudo história e geografia?”. O que faz muito sentido se levarmos em conta a lógica do ofício (ensinar para ser empregado), mas não faz nenhum se o ensino tiver de fato a função que lhe cabe, formar um ser humano.
Ensinamos física, química, matemática, geografia, história e biologia (não contei português pois é nossa língua oficial, conseqüentemente, todos devemos conhecê-la) para formarmos humanos completos com acesso a informação e conhecimentos variados que compreendem o mínimo de todos os assuntos e utilizá-los para a sua função de cidadão. Se fosse para se ensinar as especificidades das disciplinas, abrindo caminho para o mercado de trabalho, não seria necessária a existência de uma universidade, e se o ensino visasse apenas uma prova de vestibular, não seria necessária a existência de uma escola e um colégio, já que decorar fórmulas, datas, nomes e regras qualquer um pode fazer sentado na frente de um computador com uma enciclopédia, assistindo os programas avançados de canais educativos da televisão ou ainda lendo os livros didáticos.
A função da educação é formar pessoas que se tornarão cidadãos e parte ativa da sociedade e, ao mesmo tempo, abrindo os horizontes de conhecimento e utilizar estes para suas futuras funções sociais.
Abrindo uma janela para um breve comentário, digo que cidadão ativo e importante para a sociedade não é uma pessoa economicamente ativa (PEA) e sim uma pessoa socialmente ativa (PSA). A diferença é que esta não só cumpre com suas obrigações econômicas, mas considera seus deveres civis e sua colaboração com a sociedade. Não apenas gerando renda para o Estado, mas também colaborando com ele para o desenvolvimento da sociedade brasileira e enfraquecimento da discrepância das desigualdades sociais.
Criamos um ensino básico deficitário, e como está na constituição, este será promovido com a colaboração entre Estado e sociedade, portanto a mudança de conceitos e reestruturação do ensino também é de nossa responsabilidade civil. Nas palavras de Maquiavel em seu livro “O Príncipe”: “... Ocorre aqui como no caso do tuberculoso, segundo os médicos: no princípio é fácil a cura e difícil o diagnóstico, mas com o decorrer do tempo, se a enfermidade não foi conhecida nem tratada, torna-se fácil o diagnóstico e difícil a cura.”. E nós tossimos sangue há muito tempo.

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