sábado, 28 de fevereiro de 2009

O realejo

Tirar a sorte num papel. Ler teu futuro em pequenas frases feitas e chavões intrigantes e instigantes retirados de uma pequena gaveta de madeira por um papagaio ou macaquinho enquanto um homem de chapéu com barba rala ou bigodão gira uma manivela. Uma música toca e acompanha a cena ao fundo. O realejo. Um pequeno órgão popular cujo fole e teclado são movidos por aquela manivela. A marca das antigas feiras e quermesses e hoje de vez em quando em cidades do interior, velhos parques ou na Praça da Sé.
O realejo foi por muito tempo uma brincadeirinha para ver o futuro e tirar a sorte em um pedaço de papel. Demonizado e escrachado pela igreja cristã (principalmente evangélica) por se tratar de adivinhação e, posteriormente, ridicularizado e tido como uma brincadeira tola e infantil, se não imbecil, que não tinha sentido, valor e ainda considerada pagã. Como um pequeno pedaço de papel tirado aleatoriamente pode ler meu futuro?
De uns tempos pra cá, comecei a acreditar no poder adivinhatório do realejo. Uma cultura pagã. Uma prática que fora considerada por muito tempo do demônio como vidência cigana. Mas hoje, depois de anos de igreja e anos ouvindo testemunhos e presenciando certas situações, começou a fazer muito sentido.
A igreja me ensinou muito sobre realejo, descobri que poderia tirar a sorte e desvendar o que o Todo Poderoso tinha para mim em uma pequena frase de um pedaço de papel. Para onde eu iria? O que deveria fazer? Problemas no meu caminho? Encruzilhadas? Simples, eu tinha um realejo. Sentava em algum lugar, fosse no quarto, sala, acampamento, cama, sofá ou pedra, e apanhava um livro preto, abria em alguma página e lia a primeira coisa que meus olhos batessem. Era a palavra que guiaria meu caminho dali pra frente.
"A primeira sorte caiu para José, filho de Asafe, com seus parentes eram doze, a segunda para Gedalias com seus filhos e parentes, que ao todo eram doze..."
Ah! Agora está tudo explicado! Já sei por onde hei de andar, minhas dúvidas sobre meu futuro e o que devo fazer estão esclarecidas depois desse belo texto do livro preto. Quem dera.
Tanto rimos e achamos ridículo quem crê em realejo, horóscopo, oráculo, vidente, cartomante e coisas do tipo, mas sem pensar, tratamos a Deus da mesma forma. Lemos a bíblia dessa maneira. Abrimos e, no que cair, é a palavra de Deus para a minha vida dali pra frente, até no dia que abrir no texto que diz que caso teu olho te faça pecar o arranque fora e caso teus pés te guiarem no caminho mal, também os arranque, e ter que arrancar um olho e os pés. Se Deus quisesse falar conosco através de textos isolados e aleatórios espalhados dentro de um livro que conta histórias da vida de pessoas que revelam o amor de Deus, não precisaria da vida dessas pessoas nem do exemplo delas. Não seria necessária a nossa relação com o outro e nem alguém apto a pregar, era só simplesmente todo dia abrir nossa caixinha preta e retirar nosso papelzinho do dia. O simples realejo cristão.
A bíblia não é um horóscopo ou realejo pronto a nos dar alguma mensagem instantânea para resolver nossas questões, ela é um livro que conta histórias e mostra uma pequena faceta do amor de Deus para com seus pequeninos. Decisões, uma palavra de conforto e cura, vem de alguém, do outro, de um mensageiro de Deus, do próximo.
Não creio em realejo, claro. Mas por muito tempo, foi essa a relação que tive com Deus através de minha bíblia, e que muitas vezes temos sem pensar. O que quero deixar, é que devemos tratar nossa relação com Deus de outra maneira e saber que a bíblia por inteiro, e suas partes dentro de seu contexto, querem nos ajudar a saber para que lado ir e que decisões tomar. Quanto ao como leio e vejo a bíblia, comentarei em outro texto. Por hora, queria apenas atentar e mostrar o fato de que não devemos achar que Deus quer falar conosco através de um pequeno texto aleatório da bíblia, Ele tem e quer se relacionar com os seus de maneira muito mais maravilhosa, intima e profunda.

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