quinta-feira, 18 de março de 2010

Máximas de Nietzsche I

"O amor destinado a um só é uma barbaridade, porque se exerce a custa de todos os outros. O mesmo quanto ao amor por Deus." (Friedrich Nietzsche, Para além do bem e do mal")

Quem quer que escrevesse uma frase destas seria criticado. Ou pelo menos forçaria a quem lê ler novamente. Colocar "amor" e "Deus" numa mesma sentença é instigar e aguçar os sentidos daquele que crê. Talvez por ter sido escrito por aquele que não se deve mencionar o nome em certos ambientes (Friedrich Nietzsche), ganha uma atenção redobrada. Ou sequer recebe atenção, pois pode desviar da sã doutrina ou colocar em xeque a fé. Claro, já que o escritor foi (ou é) o mais astuto crítico da religião, da filosofia, da fé, da política e da própria crítica, então de fato será criticado.

Tive e por bastante tempo medo e um certo receio (preconceito) de me inteirar da filosofia deste que dependendo do ambiente não podemos mencionar o nome. Desde criança, por viver num meio cristão religioso, sempre que este nome caía em uma roda de adultos que se atreviam a entrar no campo do amor a sabedoria, em seguida vinha uma crítica ou uma ofensa que logo matava o assunto (e para mim acendia um lampejo de curiosidade). Aprendi e fui "aprendido" a ter uma reação ofensiva ao ouvir este nome. Como se fosse uma experiência hipnótica: "quando ouvir a campainha você se tornará como uma galinha". Ao criar minhas asas e arriscar voos, sobrevoei os livros escritos por este que não podemos mencionar o nome em certos ambientes e encantei-me.

Pode até parecer estranho, mas naquele que era o "anti-cristo" quando eu era criança, hoje vejo mais cristianismo do que os próprios "verdadeiros cristãos" que me foram apresentados. Nunca vou me esquecer de um homem que uma vez foi falar sobre a verdadeira vida cristã em um acampamento, e que nos disse (para mim e outros como eu) que deveríamos abrir mão de tudo e de todos para seguir a Deus. Se preciso fosse sair de casa, da escola, esquecer os amigos, deixar o trabalho, os pais e me apegar apenas no lugar de onde vinha todo o "dom perfeito", a "verdadeira mensagem", a igreja. Tudo porque devemos amar somente a Deus (eu acho que ele embaralhou os versículos).

Só sei que na igreja só tive problema minha vida inteira. Se hoje estou nela, não é por essa mensagem de ir apenas para a igreja, abrir mão de tudo e amar só a Deus, muito pelo contrário. O que me move ir e acreditar na igreja, é que nela encontro pessoas que amo, que me amam e que nós amamos a mesma coisa, uma mensagem de amor que liberta de obrigações e fardos nos trazendo para uma vida que deve ser vivida em prol de outros. Lembro bem de uma passagem conhecida na Bíblia Jesus fala dos mandamentos. Ame a Deus acima de todas as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo. Até onde sei, não está escrito ame única e exclusivamente a Deus e abra mão do resto das coisas. E para embasar ainda essa idéia, Paulo fala que o fruto do espírito é o amor, e Jesus tinha dito que a Lei é o amor, no geral, não específico, direto, prático, único e exclusivo.

Em Filipenses, Paulo cita a expressão de que Cristo não quis ser igual ao Pai, mas abriu mão de si mesmo, de sua divindade, de amor à Divindade, para ser homem e por amor aos homens. Kenosis por amor. Não a Deus, mas aos próximos, as criaturas, aos homens. Ou, podemos admitir que foi por amor a Deus, transmitido e demonstrado em amor aos homens. Aquele que ama ao próximo ama a Deus. Então passa a fazer sentido o texto de Mateus 25 em que Jesus olha para os homens e diz: "35 Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; 36 necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram'. 37 "Então os justos lhe responderão: 'Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38 Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos? 39 Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar?' 40 "O Rei responderá: 'Digo-lhes a verdade: O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram'."

Logo, entre o homem que me disse que deveria abrir mão de tudo por amor a Deus estava bem mais longe do cristianismo do que o próprio "filósofo anti-cristo". Em sua máxima, Nietzsche acerta na veia o ponto errado do religioso cristão. Como cristão sua missão não é se isolar em seu mundinho para amar a Deus, mas viver de fato o mundo para fazê-lo. Sua crítica a religião afirma, confirma e reafirma a visão cristã de amor. Não deve ser exclusivo de Deus, mas compartilhado entre os homens. O Deus Todo-Poderoso abriu mão de todo o poder para compartilhar do amor com os homens, que dirá os homens nada poderosos o que deverão fazer.

O amor destinado a um só de fato é uma barbaridade, pois de fato é as custas de todos os outros! Amando-se (ou dizendo que se ama) somente a um, abre-se mão do amor fraternal, parceiro, amigo, humano ao outro. Mesmo que se falando de amor a Deus. Se rejeita-se o outro em nome de Deus, não é em nome de Deus que o está fazendo.

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